Mulheres viram alvo do tráfico

Da casa simples, na Zona Leste de Porto Alegre, as crianças saem sorridentes carregando suas mochilas depois do almoço. Quem as vê, não imagina as marcas que carregam os meninos e meninas de seis, oito, nove, 12, 15 e 16 anos.

 

Sob o olhar da avó, de 57 anos, elas são sobreviventes de uma chacina que despertou Porto Alegre no final da madrugada de domingo, 27 de março de 2011,em um casarão da Rua Parlamento, no Morro Santana. O crime bárbaro ilustra uma transformação no cenário criminal da Região Metropolitana. O tráfico passou a matar mais mulheres do que os crimes passionais.

 

As crianças perderam pai, mãe, um irmão e a namorada dele, mortos a tiros por uma quadrilha que invadiu o local. Conforme a investigação policial, Ana Paula Rodrigues dos Santos, com 34 anos na época, e o companheiro dela, Jorge Almir Quinhonez de Assis, aos 33 anos — pais das crianças —, mantinham ali um ponto de tráfico.

 

O filho mais velho, Bruno dos Santos, aos 19 anos, já seguia o mesmo caminho. Acabou morto em um dos quartos com a namorada, Denise Fagundes Camargo, aos 19 anos.

 

Inversão da regra

 

Mãe e nora foram mortas na chacina da Rua Parlamento. Ao todo, os peritos contaram mais de 50 cápsulas de 9mm pela casa. Os tiros, como neste caso, foram a forma usada para matar em 82,9% dos assassinatos no intervalo de cinco anos.

 

Naquele ano, 90 mulheres foram mortas: 52% pelo tráfico. Esta foi a causa de, pelo menos, 63,2% dos assassinatos entre 2011 e 2015 na região – um percentual que, em Porto Alegre, chega a mais de 68%.

 

Entre 2012 e 2013 os crimes passionais voltaram a vitimar a maioria das mulheres. Mas, segundo as autoridades, elas tornaram-se protagonistas no tráfico de drogas.

 

Por consequência, viraram alvos. Foi o que se verificou nos últimos dois anos, quando o tráfico matou 50% a mais de mulheres do que crimes passionais.

“Nos vingamos com vida”

Ele tinha nove anos e dormia no corredor quando os homens armados invadiram a casa. Com a arma apontada para a sua cabeça, recebeu a ordem para se esconder nas cobertas e ficar quieto.

 

Hoje, aos 15, evita falar sobre a tragédia. E sonha em ser jogador de futebol. Boa parte do estímulo, ironicamente, vem do próprio local onde perdeu os pais.

 

No ano seguinte, um templo foi construído ali e 80 crianças passaram a ser atendidas por projetos de dança, coral, aprendizagem e futebol.

 

— A dona da casa queria se desfazer, mas dizia que só faria isso se ali fosse feito algo do bem. Nós abraçamos — conta Charles Dan, criador do projeto.

Quando a avó das crianças voltou lá, se emocionou.

 

— Nos vingamos com vida, com mudança, e não com mais sangue — resume Charles.

O que pode ser feito

• Desarticular quadrilhas de modo amplo, com apreensões de armas e drogas, prisões de integrantes desde a ponta até o comando dos grupos. Muitas mortes são provocadas como represália a parentes de envolvidos no tráfico.

 

• Descapitalizar quadrilhas, evitando que, com as prisões de lideranças, elas prossigam com sua estrutura, muitas vezes assumidas pelas mulheres.

 

• Cumprimento rigoroso da lei, sobretudo no aspecto penal. Quando alguém é preso por tráfico, é preciso ficar claro que a punição existirá. Dessa forma, o tráfico deixa de ser o negócio atraente como forma de trabalho lucrativo.

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