Para analisar o crescimento dos assassinatos na Região Metropolitana, o DG ouviu o comandante-geral da BM, coronel Alfeu Freitas, o chefe de Polícia, delegado Emerson Wendt, um dos juízes da Vara de Execuções Criminais Sidinei Brzuska, os promotores da Vara do Júri da Capital Eugenio Paes Amorim e Lúcia Callegari e o coordenador da Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, sociólogo Rodrigo de Azevedo. A seguir, os porquês do aumento da violência.
Arte sobre foto de Carlos Macedo e Adriana Franciosi
É cada vez mais raro traficantes manterem vínculo com comunidades, como acontecia no passado. As lideranças eram exercidas por oriundos das próprias regiões, que praticavam uma espécie de “assistencialismo”. Hoje, há comunidades ocupadas por criminosos de outras regiões, que impõem terror.
— Quando havia “donos” dos morros, eles protegiam comunidades naquilo que o Estado não proporcionava. E ocorria menos homicídios. Hoje, há disputa entre grupos e as mortes aumentaram — avalia o promotor de justiça Eugenio Paes Amorim.
Para o sociólogo da PUCRS Rodrigo de Azevedo, grupos impõem o poder por meio da força:
— A maioria das situações envolve grupos que ocuparam territórios e mantêm presença pela opressão.
Para o pesquisador, “a sociedade está permeada por valores nos quais o lícito e o ilícito não são claros. Temos uma cultura da violência como mecanismo de afirmação, de administração de conflitos. Está disseminado. Mudar essa cultura é o grande desafio.
A liderança exercida pelos líderes do tráfico e do crime em comunidades periféricas é motivo de atração de jovens e adolescentes.
— Meninos de 14, 15 anos se identificam com facções. Há sensação de pertencimento. Aquele orgulho que tínhamos no passado por coisas boas, a juventude está começando a ter por coisas ruins — observa o juiz Sidinei Brzuska.
Para o sociólogo Rodrigo Azevedo, a inversão de valores é reflexo da própria sociedade.
— O jovem olha para o Congresso e vê deputados que têm até dinheiro na Suíça (não declarado) — afirma.
Na ausência de modelos mais sólidos, é a malandragem o que eles acabam seguindo.
— O crime, o “jeitinho” brasileiro aparece de forma disseminada. E qual é a chance daquele jovem? É o tráfico — observa o Rodrigo.
Na avaliação da promotora da Vara do Júri Lúcia Helena Callegari, bandidos se “exibem”:
— Traficantes se exibindo com namoradas, tênis novos, bons carros dão uma falsa ideia aos jovens de que caso sigam o caminho do crime terão uma vida melhor.
Casos de criminosos ostentando fuzis, submetralhadoras e outras armas de uso restrito em fotos nas redes sociais foram crescendo ao longo dos anos. O objetivo é claro: intimidar rivais e mostrar poder de fogo para a polícia.
— Há pouco tempo, só víamos fuzil na tevê, no Rio, em São Paulo. De alguns anos para cá, passamos a viver essa realidade – comenta Brzuska.
Para o magistrado, “armas de grosso calibre têm função de proteção do patrimônio. O traficante tem ponto de venda de drogas e esse comércio é ilegal. Então, ele usa a força, a intimidação para proteger o território.
Para o promotor Eugenio Amorim, ainda mais grave é o comportamento de integrantes de quadrilhas.
— Foram substituídos criminosos que tinham alguma estratégia por sanguinários. Hoje, são psicopatas que invadem vilas drogados e saem matando.
Também promotora do Júri, Lúcia Callegari complementa:
— Hoje, não existe mais lugar para homicídios: pode ser em um hospital, em uma avenida movimentada.
São as facções mostrando força.
Com menos policiais, criminosos ficam mais livres para agir e a chance de eles serem punidos é menor.
O déficit na Brigada Militar atingiu recorde negativo histórico em 2015, com 19,1 mil PMs, muito distante dos 32,4 mil previstos em lei. Na Polícia Civil a carência é estimada em 6 mil agentes.
— Houve uma retração nos efetivos, isso é fato. É preciso trabalhar mais e melhor com menos – defende o coronel Alfeu Freitas.
O delegado Emerson Wendt tem a mesma posição:
— A carência de efetivo faz com que a gente faça, infelizmente, seleção do que vai investigar, optando pelos casos mais graves. Investigamos homicídios, crimes contra a liberdade sexual, casos de violência ou graves ameaças.
Para o juiz Sidinei Brzuska, mesmo com efetivo reduzido, a polícia ainda estaria prendendo muito, mas errado:
— Quantas centenas de pessoas já foram presas em bocas de fumo e isso não abalou o tráfico?
Há um certo descompasso entre a violência e a punição do Estado. Os números de inquéritos, denúncias, júris e condenações, por exemplo, não acompanham a velocidade dos crimes na região.
Dados da Corregedoria do MP apontam que 82% dos inquéritos são devolvidos à polícia para novas diligências. Isso gera uma sensação de impunidade.
Para o juiz Bruzuska, deve-se levar em consideração a forma de pensar da sociedade:
— Quando morre alguém com antecedentes, há certa tolerância na apuração desse fato e aí não acontece nada para quem matou.
Para o promotor Eugenio Amorim, o Judiciário tem a sua parcela de culpa:
— Alguns juízes têm a ideologia de luta de classe: o criminoso é excluído. Aí, são tratados com benevolência.
O coronel Alfeu Alves destaca o papel do legislador:
— As leis permitem que pessoas fiquem pouco tempo presas.