A arte de vestir bem

Após a construção da estação ferroviária, o comércio se interessou pela promissora avenida Getúlio Vargas, que passou a se destacar por suas alfaiatarias e lojas de tecidos

Não era difícil encontrar na Getúlio Vargas quem costurasse um bom corte de tecido. Nos anos 1980, quando o alfaiate Aelson Borba, 74 anos, deu um novo passo no próprio negócio, ao se mudar para o atual endereço, eram sete as alfaiatarias que disputavam clientela ao longo da via — um de seus concorrentes era Daniel da Silveira, o famoso Alfaiate das Multidões, que faleceu em março deste ano. Trinta e quatro anos depois, ele lidera solitário o ramo dos ternos e camisas masculinas confeccionadas sob medida na avenida.

Aelson em seu local de produção, com vista para o movimento da Getúlio Vargas

Ali, nenhuma modernidade foi responsável por garantir a continuidade do ganha-pão de Aelson e seu irmão Osvaldo. Os balcões são os mesmos da inauguração, assim como a máquina registradora — hoje só de enfeite, pois está quebrada —, a arara para as peças prontas e dois fichários de clientes. Diferentemente do restante do comércio em volta, não é possível pagar pelo serviço da Alfaiataria Borba com cartão de crédito.

— O trabalho sério é o segredo. E, claro, gosto muito do que faço — garante o comerciante.

Até o prédio ocupado pela alfaiataria deixa bem clara a antiga relação com a história da Getúlio Vargas. Com o nome Casa Ferez Jorge Zattar originalmente gravado na fachada, o local tombado pela lei municipal de proteção ao patrimônio serviu de loja de tecidos conhecida por Aelson ainda nos anos 1950, quando ele recém-começava na profissão como ajudante de um alfaiate na rua Leite Ribeiro. Anos antes de ganhar o atual destino, o espaço também serviu para venda de autopeças.

Fachada do prédio tem nome de antigo proprietário

O pedido e as medidas são tirados ali mesmo no salão principal, seja por Aelson ou por seus funcionários, dois aposentados que optaram por adiar o descanso a que têm direito.

Atrás do balcão estão as prateleiras com as opções de tecidos e é onde a peça começa a ser riscada e cortada. A finalização da confecção segue para o sótão da edificação.

A quase extinção da profissão na cidade e a falta de concorrência na avenida Getúlio Vargas acabam colocando Aelson em posição privilegiada.

— Cliente não falta. As pessoas estão voltando a se vestir bem — comemora o alfaiate, que se orgulha ao contar que atende desde pessoas mais simples a advogados e diretores de grandes empresas.

Ele não tem esperança de dar continuidade ao negócio entre seus herdeiros, que seguiram outras profissões, mas também não planeja deixar tão cedo o ramo que a Getúlio Vargas o ajudou a manter.

— Aqui, o movimento só cresceu ao longo dos anos. Toda a cidade passa por aqui — comenta.

Tradição comercial

A arte de vestir bem também toma conta do patrimônio construído pela família Schroeder no início do século 20. São as camisas que hoje atraem os olhares para a vitrine do imóvel de número 743, que originalmente foi um açougue e, mais recentemente, malharia. Nos últimos quatro anos, é a Camisaria Avenida que dá continuidade ao histórico comercial do patrimônio tombado pelo município.

A maior parte da produção que completa as araras de peças prontas para atender aos públicos feminino e masculino acontece no próprio imóvel, fazendo com que o som das máquinas de costura entrem na mesma frequência do barulho do trânsito da avenida. A mistura sonora não incomoda o gerente Francisco Alves, que diz não trocar a agitação da via.

— Mudar daqui? Só se for para montar uma filial — frisa.

prédio que já foi açougue hoje é uma camisaria

Francisco também conta que a camisaria não recebe só os interessados pelas peças exclusivas. Algumas pessoas, que ele acredita serem turistas, também param em frente ao prédio de três pavimentos para fazer fotos — para ele, essa curiosidade pelo imóvel valoriza o negócio.

— Eles tiram foto da data ali em cima — conta, apontando para o número 1921 marcado na fachada da edificação, registrando o ano de construção.

Família Schroeder se estabeleceu na avenida Getúlio Vargas

As vitrines envidraçadas estão no lugar em que um dia ficavam as janelas e portas de madeira do açougue de Otto Schroeder e de sua esposa, Maria Monich. A venda de carnes — vindas de um matadouro próprio — era feita no térreo. O restante do imóvel servia de residência para o casal e os filhos. Otto, Maria e as filhas dormiam no segundo piso, enquanto os rapazes repousavam no sótão.

O terreno, que não mais pertence aos Schroeder, está localizado quase em frente ao acesso para a rua José Koerber Júnior, paralela à Getúlio Vargas, onde a família, originária da região de Mecklemburgo e uma das primeiras da cidade a ter automóvel e telefone próprios, se estabeleceu mais intensamente. Otto era um dos herdeiros do charuteiro e inspetor voluntário Wilhelm Schroeder, que, em 1878, foi um dos primeiros moradores de Joinville a ocupar a Katharinenstrasse.