Há quem reclame da falta de opções de entretenimento em Joinville em pleno século 21 sem imaginar o quão privilegiados são. Esse talvez fosse, hoje, o pensamento dos que prepararam o terreno para quem ainda pode frequentar as atrações que passam pela Liga da Sociedade Joinvilense. No tempo em que eram raras as oportunidades de convívio social na cidade, não faltou quem tivesse vontade de mudar o cenário já no início do século 20, esforços que devem continuar garantindo novas lembranças por um longo tempo.
Enquanto a Sociedade Harmonia-Lyra (1858), Sociedade Ginástica (1858) e Clube Joinville (1906) já eram espaços destinados a bailes e festas, uma nova história era construída na rua Jaguaruna em setembro de 1922. O prédio de número 100, escolhido pelas sete sociedades que se fundiram para formar a Liga de Sociedades, já servia à diversão. A escassa bibliografia aponta a existência anterior dos salões de baile Kuehne e Walther.
Ambos foram, durante décadas inteiras, centros de cultura e de sadia diversão. Inúmeros foram os bailes ali realizados e incontáveis as festividades, as comemorações cívicas e religiosas, os concertos das sociedades de música orquestral, as apresentações de canto orfeônico, as conferências científicas, as récitas de artistas visitantes das mais diversas procedências além das apresentações do nosso então já bem diversificado teatro amador escreveu Ely Herkenhoff no livro Joinville: Nosso Teatro Amador.
No processo de aquisição do imóvel, apenas cinco sociedades permaneceram com a fusão Saengerbund, Concórdia, Helvetia, Nur fuer Uns e Bei Guter Laune (as três primeiras voltadas ao canto; a penúltima, ao teatro; e a última, à recreação). Nas duas páginas dedicadas à Liga no livro do Centenário de Joinville, relata-se que o imóvel, que compreendia um salão com palco e outras dependências, entre as quais um pequeno salão anexo usado para ensaios de canto, foi comprado por Cr$ 29.000,00. Além de juntar as economias para garantir o fechamento do negócio, as sociedades tiveram que contar com a renda da emissão de ações nominais entre sócios e interessados para completar o pagamento.
Mal haviam liquidado a conta da compra do terreno e os fundadores da Liga de Sociedades (Albino Kohlbach, Ricardo Scheidemantel, Guilherme F. Walter, Otto Resenstoch, Max Colin, Otto Wiewert, Guilherme Melzer, Leopoldo Monich, Emilio Artmann, Ricardo Miers, Guilherme Mueller, Guilherme Schulz, Germano Ritzmann, Carlos Elling, Ernesto Patzsch, Frederico Haeberlin, João Mueller, Fernando Storchmann e Conrado Fischer) ainda tiveram que liquidar a dívida da reforma do imóvel, "que somente foi solucionada após longos anos de lutas e sacrifícios ingentes", completa os registros do Centenário.
Nascia, assim, o espaço berço de encontros carnavalescos, cinematográficos, de chope, de tiro e até esportivo. No estatuto da sociedade assinado em 1928, com versão em português e alemão, um dos compromissos da diretoria com os sócios era justamente oferecer frequentes opções de distração. O documento da época fixa em 20 o número de festejos anuais promovidos, além de uma obrigação curiosa: "Cuidar da cultura espiritual dos sócios por meio da criação de uma biblioteca".
De acordo com as pesquisas do historiador Bruno da Silva para o laudo do processo de tombamento do prédio, mesmo após a fusão as sociedades continuaram mantendo suas identidades. Além dos cinco grupos citados, outros chegaram a utilizar o espaço da Liga.
Um fim trágico e um recomeço surpreendente marcam a segunda década da Liga. O salão, que também servia de espaço para o Cinema Majesty, o primeiro de Joinville, foi consumido pelas chamas em 1936, mesmo destino que teria o Cine Colon, outro ícone da cidade, em 1983. O fogo iniciou-se na sala de projeções e tomou conta das instalações.
Registros fotográficos da época mostram um amontoado de escombros de tijolos e a estrutura de madeira desprotegida pelo telhado destruído pelas chamas. No que parece ser o palco da Liga, algumas pessoas são clicadas observando o estrago.
O sinistro deu ensejo a que os sócios realizassem uma festa de despedida sobre os escombros, ocasião em que os próprios sócios iniciaram os serviços de remoção, o que foi feito voluntariamente relata o livro do Centenário.
O registro da ocorrência no jornal "A Notícia", no dia seguinte, descreve uma cena cheia de ironias. A primeira é o fato de o incêndio ter consumido o local sem dar tempo de os bombeiros evitarem maiores danos o Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville já ficava instalado em frente ao imóvel. A outra é de que o filme exibido era alusivo a um grande incêndio em alto-mar.
A scena (cena) foi pathetica (patética), aterradora a que se registrou entre os espectadores que, colhidos pela surpreza (surpresa), numa corrida desabalada, atropelaram-se em direção à porta de sahida (saída), emquanto (enquanto) as chammas (chamas) já ameaçavam, por sua vez, tragar o edifício todo. Gritos lancinantes partiam dos mais fracos e dos mais timidos (tímidos). Um verdadeiro salve-se quem puder - descreveu a matéria, não assinada, com o título Noite Rubra.
Do antigo salão de baile que registra eventos culturais desde o século 19, só restaram as paredes. Marcava-se aí o início da estrutura que hoje é facilmente identificável no Centro de Joinville. Para recomeçar, a diretoria juntou forças e colocou em prática uma campanha, chamada na época de Mil Réis. Menos de um ano depois, estava de pé um novo teatro, agora com o letreiro Liga de Sociedades gravado na fachada.
O lançamento da pedra fundamental foi em abril de 1937, mas a inauguração do novo prédio ocorreu somente em novembro, com três dias de festa, mesmo mês em que a sociedade Concórdia comemorava o 50º aniversário de fundação. Quando reabriu também para as projeções de filmes, o Majesty deu lugar ao Cine Rex.
Nem sempre Joinville contou com grandes carnavais de rua. Na história da cidade, os dias de folia foram marcantes mesmo em salões. A Liga bancou boa parte destas festas e tornou o Carnaval de clube uma tradição ao longo do século 20. Em matéria de 1971, no jornal O Estado, exalta-se o espaço da rua Jaguaruna como a "melhor opção para o joinvilense em termos de salão" na comparação com as também populares sociedades Floresta e Alvorada, enquanto justificava o quase sumiço dos desfiles de rua, na época representados por apenas dois blocos, o Da Revolta e o Vai Quem Quer.
A última festa do gênero na Liga foi em 1995, a duras penas. O baile infantil daquele ano até chegou a ter uma boa arrecadação para o clube, mas a formação de grandes grupos de adolescentes acabou afugentando muitos frequentadores.
Aí foi o declínio da Liga. Não dava mais para fazer os carnavais como antigamente, sem brigas lamenta Flávio Piazera.
No ano passado, a Liga reviveu o Carnaval em parceria com a Prefeitura. O Baile Municipal para a escolha do Rei Momo, Rainha e princesas abriu a programação do Carnaval de 2013 com a promessa de resgatar não somente o uso das fantasias, mas também as marchinhas que animavam os tradicionais bailes. Neste ano, o espaço novamente foi palco do samba no evento organizado pela Lecaj (Liga das Entidades Carnavalescas de Joinville), em fevereiro.
Fechado pela Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) e Vigilância Sanitária em 2007, por falta de isolamento acústico, o local permaneceu inativo durante três anos e os esforços para sua reativação foram cercados de polêmica.
Para juntar recursos e cumprir as exigências dos órgãos fiscalizadores, o presidente Flávio Piazera vendeu parte do terreno nos fundos da Liga, antigamente utilizado como estacionamento. Com a venda, a sociedade arrecadou R$ 2,6 milhões em 2008. A decisão chegou até a Justiça, levada por sócios que não concordaram com a decisão.
A reforma também mexeu com o setor de patrimônio da Fundação Cultural de Joinville. Considerada uma unidade de interesse de preservação (UIP), o prédio está sob proteção e não pode sofrer alterações sem o consentimento técnico do setor, o que não aconteceu na época.
Mesmo com os embargos e discussões, o salão foi reinaugurado em 2010 com show do cantor Jeff Keller, do maestro José Mello e da Phantom Band. As mudanças deixaram o hall de entrada maior. As madeiras do forro e da estrutura, que já estavam apodrecidas, foram substituídas e todo o salão recebeu isolamento acústico e térmico. Segundo Piazera, em entrevista na época para o Anexo, o palco foi reconstituído a partir de informações de atas antigas, voltando a ser móvel para poder receber diferentes tipos de atrações.