Os anúncios sobre a instalação de um parque aproveitando a importância histórica e ambiental na zona Sul de Joinville faziam os olhos dos moradores brilharem nos anos 1990. O projeto apresentado inicialmente pela Fundação Municipal de Meio Ambiente (Fundema) foi recebido como bálsamo diante da carência de espaços de lazer na cidade. Quadra poliesportiva, campo de futebol, quiosques com churrasqueiras, restaurante, lojas e até um laboratório de arqueologia estavam entre os itens previstos pela Prefeitura.
A ideia do poder público e a expectativa da população começaram a ser atendidas a partir de uma ação civil pública do Ministério Público que resultou na definição de um termo de ajustamento de conduta junto à Fundição Tupy por danos ambientais. Os R$ 800 mil da multa paga pela empresa foram repassados para a compra do terreno, que pertencia à Fiação Joinville SA, e a execução do projeto.
O Museu Arqueológico de Sambaqui, que até então não havia sido incluído nas decisões sobre o parque, viu a necessidade de realizar estudos para diagnóstico arqueológico e paleoambiental da área. O sambaqui Lagoa do Saguaçu estava mapeado entre os sítios arqueológicos da região de Joinville e, vez ou outra, passava por vistorias dos pesquisadores, que garantiam a proteção da área, mesmo que essa, na época, fosse uma propriedade privada.
Muitas vezes apontado como o responsável pela demora nas obras, o Museu de Sambaqui teve um papel definidor na implementação do parque. Coube a seus pesquisadores fazer com que o patrimônio histórico não fosse agredido e, ao mesmo tempo, possibilitar o acesso dos visitantes às áreas com estrutura e segurança. Essa "interferência" resultou em uma grande mudança no projeto, já que muitas das obras previstas no papel, citadas no primeiro parágrafo, eram inviáveis para uma área repleta de vestígios históricos.
O discurso do museu nunca foi o de impedir o acesso do público, mas de defender uma abertura qualificada lembra Dione da Rocha Bandeira, arqueóloga que coordenou as pesquisas arqueológicas na época.
O terreno foi delimitado em quatro tipos de sítios arqueológicos: o Sambaqui Lagoa do Saguaçu, a oficina lítica Lagoa do Saguaçu, a Oficina Lítica Caieira e o sítio histórico Caieira Lagoa do Saguaçu. A equipe também produziu um levantamento histórico da caieira (indústria de produção da cal), fez o salvamento de materiais encontrados e, consequentemente, elaborou um relatório para a proteção de áreas que poderiam sofrer algum tipo de impacto. Ossos de animais, fragmentos de esqueletos e fragmentos de zoólitos encontrados no sambaqui Lagoa do Saguaçu passaram a fazer parte do acervo do museu. Treze anos depois, os materiais ainda esperam por datação, técnica que pode determinar o ano exato do material.
O estudo desenvolvido pela equipe do Museu Arqueológico de Sambaqui em 2001 resultou em uma proposta de ocupação completa da área do parque, levando em consideração os tipos específicos de sítios arqueológicos encontrados no local. As cerca de 200 páginas do diagnóstico foram entregues com 20 recomendações quanto ao patrimônio arqueológico e 21 quanto ao uso público do espaço. O geógrafo Mário Sérgio de Oliveira, que foi coordenador-geral do projeto, considera a iniciativa do museu para o Parque Caieira uma proposta de vanguarda.
Chegamos a identificar incompatibilidades com o projeto arquitetônico e me recordo que propusemos um zoneamento com indicações de possibilidades de uso e limitações conforme as características arqueológicas de cada local. Aquilo foi importante porque ajudou a construir uma proposta equilibrada entre a necessidade de colocar aqueles atrativos todos à disposição do público sem perder a perspectiva da obrigação legal de preservar aquele patrimônio tão diferenciado. Naquele contexto, toda a concepção e estudos para implantação do Parque da Caieira eram, sim, ideias avançadas ao mesmo tempo que guardavam o caráter consciente e combativo mais amplo da conservação patrimonial afirma.
Ele recorda que foram feitas mais de cem prospecções, coletas e descrições de solo, conchas, material lítico, louças, metais e plásticos. Um trabalho de campo e em laboratório, que também envolveu entrevistas com os moradores do entorno. Longe de Joinville há 12 anos, Mário continua informado da situação do parque. Embora temeroso sobre a ação de vândalos, o geógrafo defende a ampliação da visitação em sítios arqueológicos.
Me recordo que em determinado momento naquela época, afirmei a uma repórter que o Parque da Caieira era a oportunidade que tínhamos de ver o tempo materializado na paisagem. Aquele espaço é uma herança relevante que toda a sociedade recebeu. Ainda creio nisso afirma.