Vilões que viraram história

Vestígios da produção de cal com as conchas do sambaqui da lagoa do Saguaçu são guardados pelo parque

Os fornos que um dia representaram a destruição dos sambaquis, hoje são vestígios históricos de uma atividade que movimentou a economia de Joinville. Localizadas perto dos montes de conchas, consideradas jazidas minerais no passado, as estruturas de tijolos no bairro Adhemar Garcia são as poucas que não foram colocadas abaixo. Segundo a arqueóloga Dione da Rocha Bandeira, quando foi criada a lei que protege os sambaquis, na década de 1960, muitos proprietários destruíram os fornos com medo da fiscalização.

Fornos onde as conchas eram queimadas
Fornos onde as conchas eram queimadas

Os restos viraram parte da história que começou quando os colonos passaram a desenvolver os setores de comércio e indústria, a partir da década de 1880, como informa o levantamento histórico que acompanha o diagnóstico assinado pelo Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville (Masj), em 2001. No relatório, consta que os primeiros registros oficiais de caieiras na região são do período da Colônia Dona Francisca. As conchas também eram utilizadas na pavimentação de ruas e como adubo.

A Caieira Lagoa do Saguaçu é citada em uma pesquisa realizada na década de 1950, que afirma que o local foi de propriedade de Leopoldo Schmidt, que a comprou da família Fettbach. As atividades de exploração de sambaquis aconteceram até 1942, tempo suficiente para que boa parte dos morros de conchas pré-coloniais tenha desaparecido do parque. A equipe do Masj estima que, por isso, o que encontramos hoje é apenas 10% dos sambaquis construídos há 5 mil anos.

Produção da cal continuou até 1942
Produção da cal continuou até 1942

Construídos de tijolos maciços, os fornos recebiam as porções de conchas em sua parte superior, por meio da elevação natural do terreno. Após ateado fogo e fechadas todas as aberturas, elas queimavam por cerca de uma semana. O processo fornecia pelo menos três tipos distintos de materiais.

Curtume e mel

A área de preservação ambiental da caieira contempla um manguezal, também explorado no passado. As folhas do mangue (vegetação típica deste ecossistema) eram usadas na produção da substância tanino, indispensável nos curtumes, local onde se processa o couro cru. Nos depoimentos coletados pela equipe do museu, as atividades de secagem e de trituração das folhas foram encerradas no local em 1938.

A Caieira também fez parte da economia da cidade em relação à produção de mel. Mas a terceira atividade registrada no parque durou pouco tempo, apenas dois anos. Isso porque as abelhas italianas "talvez não tenham se adaptado ou foram exterminadas por espécie nativa", como sugere o levantamento feito pelo museu.

Educação patrimonial

O setor educativo se beneficia da existência do Parque Caieira. Até 2012, turmas de estudantes eram levadas pelo Museu de Sambaqui para conferir in loco o que, nas séries anteriores, conheceram por meio do acervo, no prédio do museu. A visita ao sítio arqueológico é uma atividade oferecida pelo museu aos alunos de oitava série e, atualmente, está interrompida por conta da interdição.

Visitas eram guiadas por funcionários do MASJ
Visitas eram guiadas por funcionários do MASJ

A educadora do museu Flávia de Souza explica que a visita guiada pela equipe do museu oferece, na prática, exemplos de várias tipologias do patrimônio, além de fazer com que os visitantes se percebam na ocupação deste tipo de espaço.

— Com este contato, a apreensão do conhecimento certamente é maior afirma a educadora, que também defende várias possibilidades interdisciplinares no Parque Caieira.

Para este trabalho educativo, o museu ainda utiliza o sambaqui Rio Comprido, no bairro Comasa, e o Cubatão, próximo à Marina das Garças. A região de Joinville soma mais de 40 sambaquis.