Diário Catarinense - Por que os índios desenvolvimentistas se distanciam da Funai?
João Carlos Tedesco - Precisa haver um diálogo com os índios, ouvir deles como eles querem viver. Ela não faz isso. A Funai tem uma postura isolacionista, parte do pressuposto de que índio para ser índio precisa viver da caça e da pesca. Só que esta não é a realidade dos estados do Sul. Os índios se modernizaram, muitos trabalham fora das reservas, têm ensino superior, carro, internet. Estão integrados e não vivem e nem querem viver como a Funai planeja.
DC - O senhor está dizendo que a Funai direciona ações a índios que não existem mais?
Tedesco - Advoga-se um passado. A Funai, antropólogos e determinadas ONGs advogam um passado com um sujeito que vive no presente. É um paradoxo, se quer voltar ao passado, mas não existem adeptos dessa dimensão. Então fica-se brigando por uma utopia, são desejos externos. Se quer que o outro esteja num lugar onde ele não quer estar. Isso tem gerado conflito: tanto entre índios e Funai, índios e fazendeiros e também entre os antropólogos.
DC - Qual é o papel dos antropólogos nesse processo?
Tedesco - O antropólogo é quem diz se a terra é ou não é indígena, não tem ninguém mais que diga. Como existe um conflito de ideologias, há cada vez mais dificuldade em entender a questão técnica. Os laudos são elaborados, em sua maioria, sem base científica. Nós analisamos vários laudos e percebemos que muitos se contradizem em fundamentação histórica, definição territorial, delimitação territorial. Então, como ajuizar algo que os próprios técnicos que trabalham com isso não estão em uníssono? Há problemas administrativos, metodológicos, conceituais e aí se cria o conflito e as coisas não se resolvem. O Judiciário não resolve, o Ministério Público briga entre si, os antropólogos não se entendem. Há um jogo de ausência de concordância.
DC - E qual é o impacto dessa ausência de concordância nos grupos indígenas?
Tedesco - Isso tudo impacta na eternização dos conflitos. A Funai consegue fazer a cabeça de determinadas lideranças indígenas, insistindo que as questões são passíveis de serem vencidas, nem que se tenha que ficar 20 anos lutando para que isso aconteça. É o que vemos hoje. Existem acampamentos indígenas de 15, 20 anos e os índios deles não vivem como nos discursos da Funai, preservando a cultura e a identidade. Ao contrário, as filhas trabalham de empregada doméstica nos municípios próximos e os homens vão para frigoríficos, metalúrgicas e construção civil.
DC - O que precisa ser feito para mudar esta situação?
Tedesco - A Funai definiu princípios equivocados e está totalmente fechada ao diálogo. Decidiu como tem de ser o índio brasileiro, sem diferenciar as regiões em que vivem e sem ouvi-los. E não escuta os índios.