INÍCIO
Primeiro contato da antropóloga Maria Inês Ladeira com os índios que viviam no local
SOLICITAÇÃO
Antropóloga envia documento à Funai solicitando estudos para demarcar a terra. Ela sugeria 16,4 hectares
DEMARCAÇÃO
Funai publica portaria para identificar e demarcar a área indígena
ESTUDO
Funai finaliza o primeiro relatório dos estudos de demarcação, propondo 121 hectares. Informações da antropóloga Maria Inês Ladeira influenciam o laudo.
MAIS HABITANTES
Um ano antes, indígenas de Morro dos Cavalos haviam sido transferidos, junto com um grupo de Massiambu, para uma área em Imaruí, no Sul do Estado. Ainda assim é registrado crescimento da população no local.
DUPLICAÇÃO
Obra de duplicação da BR-101 começa a ser discutida. Há dúvidas sobre o projeto do trecho de Morro dos Cavalos: túneis ou viaduto?
TERRA INDÍGENA AMPLIADA
Um novo relatório, que amplia em 120% a área a ser demarcada (passando para 1.988 hectares), é publicado pela Funai. A antropóloga Maria Inês Ladeira foi quem coordenou o estudo.
PRESSÃO
TCU investiga escolha do projeto de duplicação no trecho de Morro dos Cavalos e determina que sejam construídos dois túneis, com a exclusão da pista atual. Em relatório, o tribunal cita que Funai e MPF estariam se aproveitando da urgência em duplicar a BR-101 para pressionar o governo federal a demarcar uma terra indígena em Morro dos Cavalos.
RECONHECIMENTO
Ministério da Justiça reconhece a área como terra indígena. Mas, para que processo seja finalizado, ainda depende de homologação da presidência da República.
NOVAS LEVAS
Um ano antes, indígenas de Morro dos Cavalos haviam sido transferidos para uma área em Major Gercino, na Grande Florianópolis. Ainda assim é registrada a presença de população indígena no local.
CONTESTAÇÃO
Estado de Santa Catarina pede a anulação do processo de demarcação da terra indígena. Por três motivos: questiona a ocupação tradicional das terras, contesta os laudos antropológicos e argumenta que o Estado não teve participação nos estudos.
Em relatório, Tribunal de Contas da União (TCU) associa a intenção de obras com o aumento da população de índios.
Primeiro estudo de impacto ambiental das obras é apresentado. Dnit propõe construir um túnel. Funai considera os estudos insuficientes e solicita que sejam complementados. Túnel é então descartado e licença prévia para a construção de viadutos chega a ser emitida.
Com a ampliação da área em 16 vezes, o viaduto que passaria por fora da reserva acaba ficando dentro da área demarcada.
Há interferência do TCU sobre a escolha do projeto de duplicação para o trecho e se define por dois túneis.
Permanece o impasse sobre as obras de duplicação no trecho de Morro dos Cavalos. Funai só libera a construção se processo de demarcação for finalizado.
Área 120% maior do que a pleiteada
Estudos que constam no processo de demarcação revelam que a primeira família de índios a se instalar no Litoral de SC migrou do Paraguai
Da Província de Misiones, na Argentina, teriam migrado grupos indígenas que começaram a chegar ao Litoral nos anos 1990
<
>
1 - Conexão histórica entre os índios carijós, que habitaram a região na época da colonização, com os grupos guaranis registrados em morro dos cavalos
- O que diz o processo de demarcação: defende que se trata do mesmo grupo.
- O que diz o laudo: não há qualquer ligação histórica possível. Eles pertenciam a grupos de troncos linguísticos diferentes e com histórias distintas. A conexão entre os grupos estaria sendo usada para legitimar a presença indígena no local.
2 - Ocupação da terra indígena
- O que diz o processo de demarcação: defende que a aldeia de Morro dos Cavalos possa ser ainda mais antiga e histórica que a chegada da família Moreira, na década de 1960. Cita que a aldeia teria sido cortada pela BR-101 na época do asfaltamento da rodovia.
- O que diz o laudo: a procedência original dos patriarcas de grupos e famílias que já passaram por Morro dos Cavalos seria toda do Paraguai, Argentina ou áreas a oeste dos Estados do Sul do Brasil. A primeira família a ocupar a região seria a de Júlio Moreira, que teria chegado na mesma época do asfaltamento, fim dos anos 1960, e inclusive trabalhado nas obras.
3 - Permanência de indígenas na região
- O que diz o processo de demarcação: defende a tradicionalidade indígena na terra, sem citar possíveis evasões. Morro dos Cavalos nunca foi desocupado depois da chegada da primeira família guarani, no fim da década de 1960.
- O que diz o laudo: não há habitação permanente. A área passou quase todo o século 20 desocupada por qualquer elemento indígena. E depois da ocupação de uma família guarani vinda do Paraguai, no fim da década de 1960 teve nova evasão: após a morte do patriarca, a família teria se separado - as mulheres casam com homens brancos e o único filho homem teria partido em busca de parentes no Rio Grande do Sul _ o local teria ficado desabitado entre 1987 e 1993.
4 - Migração de populações indígenas
- O que diz o processo de demarcação: caracteriza como ciclo migratório típico da etnia.
- O que diz o laudo: mobilização artificial promovida e estimulada por ONGs indigenistas. Não há equilíbrio no fluxo de circulação entre Paraguai, Argentina e Brasil _ há somente transferência de população indígena para o território brasileiro. Além disso, não há informações no processo sobre a chegada dos grupos indígenas que não pertencem à família Moreira, a partir de 1994.
5 - Expansão da área indígena
- O que diz o processo de demarcação: sustenta que a área do lado oeste da BR-101 Sul, que avança pelo Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, também é área de ocupação tradicional indígena e necessária para a reprodução física do grupo.
- O que diz o laudo: não há sustentação sob qualquer perspectiva histórica, técnica, antropológica, socioambiental ou jurídica.
6 - Recursos ambientais
- O que diz o processo de demarcação: sustenta que a área oferece recursos ambientais adequados e suficientes para permitir o bem-estar e a reprodução física e cultural do grupo segundo seus costumes e tradições.
- O que diz o laudo: a área não apresenta condições mínimas para o bem-estar do grupo indígena. É pouco utilizada para atividades produtivas, em função de aclive e declive. O grupo é quase que inteiramente assegurado por programas sociais do governo brasileiro, como o Bolsa Família. Além disso, a aldeia é muito próxima à rodovia (as casas estão localizadas a menos de 20 metros da pista).
Diário Catarinense - No primeiro laudo antropológico sobre a terra indígena Morro dos Cavalos, em 1995, a proposta era de demarcar uma área de 121 hectares. Em 2002 foi feito um novo estudo, que ampliou a demarcação para 1.988 hectares. Por que a diferença?
Maria Augusta Assirati - A área foi declarada (terra indígena) em 2008 com base no segundo estudo. Muitas vezes a Funai inicia o processo de estudo de identificação e delimitação de uma terra indígena e ficam faltando alguns elementos por diversas razões, o que pode motivar um novo estudo de campo para que a Funai reúna mais elementos e faça uma proposta de limite definitiva.
DC - O primeiro estudo teve problemas? Estava incompleto?
Maria Augusta - Exatamente, mas falo no geral dos estudos. Muitas vezes acontece de termos perda de equipe, porque os estudos são muitos logos. O que efetivamente reconhece a área é a portaria declaratória. A atual de Morro dos Cavalos leva em conta o estudo de 2008, com 1.988 hectares.
DC - Segundo a Constituição, para demarcar terras indígenas deve-se levar em conta a realidade de 1988. Por que então se basear nos estudos de 2002?
Maria Augusta - Não estamos falando de revisão, falamos de complementação de estudos.
DC - O processo de demarcação se iniciou a partir da família de Júlio Moreira, um índio do Paraguai que se instalou na região no fim da década de 1960. Atualmente, nenhum dos índios que vive em Morro dos Cavalos é membro da família. Quem são os indígenas que habitam a região e de onde eles vieram?
Maria Augusta - Os indígenas pertencem ao povo guarani mbya e quando foi feito estudo de identificação e delimitação na área (2002), foi possível identificar cerca de 200 indígenas na região como pertencentes aquele povo.
DC - É normal demarcar áreas que foram povoadas por indígenas de outros países, como o paraguaio Júlio Moreira? Existe um controle da migração indígena?
Maria Augusta - Particularmente, desconheço a história do primeiro indígena. O fato de um indígena ter vindo de outro país não significa que ele não possa pertencer ao povo indígena guarani, pois falamos de uma região em que existe migração entre povos que são transfronteiriços. Então, isso não seria um argumento sólido para descaracterizar a ocupação do povo guarani daquela área.
DC - Para demarcar a área, a ocupação tradicional precisa remontar a qual período histórico?
Maria Augusta - A Funai faz um estudo etno-histórico da presença daquele povo na região, então você analisa se existem elementos da relação daquele povo com aquela terra. São muitas variáveis, como relação com ambiente, recursos naturais, se existem ancestrais na área, se a ocupação é mais ou menos recente, se o povo para sobreviver física e culturalmente precisa da área ou não. São dados etnográficos, fundiários, ambientais. É estudo complexo, que não se baseia apenas em laudos antropológicos.
DC - O momento em que os primeiros indígenas chegam à área não é decisivo para a demarcação?
Maria Augusta - Veja, o que caracteriza a ocupação tradicional é o fato de o povo pertencer àquele território em um período muito anterior à formação da nossa sociedade. Acontece que, com toda colonização e processo de modernização, com a chegada de novos elementos sociais naquele território, muitas vezes você teve o confinamento de um povo ou parte dele em uma área específica. Ou seja, muitas vezes os povos são obrigados a sair daquele território. Sobretudo o povo guarani. Mesmo quando retirados dos locais, eles têm a característica de voltar para sua área tradicional.
DC - O território original dos indígenas seria maior?
Maria Augusta - Digo isso de maneira geral para explicar que muitas vezes os indígenas têm uma mobilidade porque, em algum momento, tiveram de ser confinados em uma área particular de sua terra. Eles voltam às áreas, ainda que a gente não consiga caracterizar todo o território como de ocupação tradicional. Como os povos eram maiores, se a gente fosse remontar à ocupação fiel, anterior à colonização, o Brasil inteiro seria um território indígena.
DC - Laudos indicam que ONGs interferiram na migração de indígenas para a região de Morro dos Cavalos. Isso aconteceu? É legal?
Maria Augusta - Se aconteceu, desconheço. Prefiro não comentar esse tipo de afirmação.
DC - Mas o mesmo laudo antropológico, apresentado pela Fatma, cita participação da Funai.
Maria Augusta - A colocação é fantasiosa, faz parte da criação de um estereótipo indevido do trabalho da Funai e não corresponde à verdade, ao trabalho de um órgão público que integra o governo federal, pautado por leis, ordenamento jurídico e ordenação ética que merece respeito por parte da sociedade.
DC - Os estudos da antropóloga Maria Inês Ladeira, do CTI, influenciaram praticamente todo o processo de demarcação. Foi ela quem enviou a solicitação, embasou o relatório de 1995 e foi contratada pela Funai para coordenar o grupo técnico em 2002. Esta relação não tira a isenção do laudo demarcatório?
Maria Augusta - Toda reivindicação que a gente abre para um processo de estudo de identificação tem como base uma demanda assinada por um conjunto de lideranças indígenas. Muitas vezes isso pode ser reforçado por um indigenista que trabalha na área, mas a demanda sempre se origina na comunidade. Isso não significa um problema.
DC - Então o laudo permanece isento, mesmo que a antropóloga tenha iniciado a mobilização e realizado os estudos?
Maria Augusta - Essa demanda não partiu de uma antropóloga, ela partiu da comunidade indígena. A antropóloga pode ter corroborado.
DC - Por que o Estado de Santa Catarina não foi consultado durante o processo de demarcação? A opinião do governo não é levada em conta?
Maria Augusta - O governo estadual é parte da discussão. Hoje existe uma portaria que determina que devem ser ouvidos os entes federados envolvidos na área que está sendo estudada. Isso é cumprido pela Funai. Na época do estudo, a portaria não existia ainda. A legislação era outra.
Diário Catarinense - A senhora participou de praticamente todos os estudos do processo de demarcação.
Maria Inês Ladeira (interrompe) - Não, eu só coordenei o GT (grupo de trabalho) de identificação.
DC - No processo de demarcação consta documento enviado pela senhora para a Funai informando sobre a existência de uma família de índios no litoral de Santa Catarina, em 1992. Depois, em 1995, o primeiro relatório divulgado pela Funai tem como base documentos que a senhora enviou para a Funai.
Maria Inês - Que estudos? Eu enviei uma carta de solicitação.
DC - O relatório cita um documento da senhora informando que havia mais índios do que o constatado pela equipe que foi a campo. Foi o que deu origem à proposta de demarcar 121 hectares em Morro dos Cavalos.
Gilberto Azanha - Tinha um decreto do Collor que dizia como a Funai tinha que reconhecer uma terra indígena. Então tem que se basear nesta portaria. Provavelmente a Funai considerou esta delimitação insubstancial e fez um novo GT, como permite a legislação.
Maria Inês - E levou tempo, foi no final de 2001. Era muito urgente em função das obras de duplicação. Eu estou te falando desta carta porque a Funai até hoje, para iniciar um processo de demarcação, precisa ter uma demanda de uma instituição ou dos próprios índios. Eu estou te falando de Morro dos Cavalos, mas na época havia 300 aldeias e nós fizemos levantamentos, visitamos. Foi Santa Catarina, não Morro dos Cavalos. Nós visitamos e eles manifestaram o desejo de que a terra fosse regularizada. Então o que nós fizemos foi encaminhar a localização, onde estava essa aldeia. Mas não foi nenhum relatório, foi uma solicitação
DC - Como a senhora teve acesso aos índios que habitavam o litoral de Santa Catarina no início dos anos 1990?
Maria Inês - Eu trabalho no CTI, o CTI é uma ONG indigenista. É só entrar no site e ver como a gente trabalha.
Azanha - Mas alguém te informou?
Maria Inês - Os índios. O nosso trabalho sempre foi com os índios, em São Paulo, no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná. Não é só em Santa Catarina. Eles se comunicam entre eles, dão notícias. Eu tinha feito um estudo profundo no litoral do Paraná (onde também diziam que não existiam índios). E foram eles que me levaram às aldeias de Santa Catarina. Foram eles que falaram da importância de regularizar a terra. Eu encaminhei para a Funai.
DC - Qual foi o envolvimento da senhora no caso entre os anos 1990, quando a senhora enviou solicitação à Funai, e o início dos anos 2000, quando coordenou o estudo de delimitação de Morro dos Cavalos?
Maria Inês - Acompanhava de longe. Mas não participei e nem vi os estudos de 1995. Em 2001 eu fui fazer. Afinal a gente trabalha para isso, é como um médico, não vai se negar a atender. Faz, acredita, gosta, é importante. A estrada já tinha cortado nos anos 1950 a terra indígena. E naquela época já se discutia o processo de demarcação.
DC - A Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina questiona a ampliação da aldeia. Em 1992 eram 16,4 hectares, em 1995 passou para 121 e em 2002, no seu último estudo, foi para 1.988 hectares (são 120 vezes mais do que a proposta inicial).
Maria Inês - O que eu poderia ter feito se o estudo que eu acompanhei cumpria todos os itens das normas regulamentares e os índios participaram? Porque os índios têm que participar e têm que opinar e eles que identificam. Eles que mostram os lugares da ocupação.
Azanha - Tu estás falando que ela passou de 121 para 1.988, mas eu, nos terenas (grupo indígena de outra etnia, que habita Mato Grosso do Sul), passei de mil para 17 mil hectares. Eu assinei um relatório que fiz com os índios durante dois anos, tem uma história. E tentam derrubar. Tentam derrubar, mas não derrubam. Porque tem que ter fato, é o fato da ocupação indígena. Está na lei. Mas ficam inventando história porque vai tomar terra de particulares. Os fazendeiros e os proprietários não são culpados, eles não podem perder por omissão do Estado. Quem deu um título falso, porque incide em terra indígena – e pelo que diz a lei são nulos – foi o Estado, que agora não quer pagar a conta. Então a União, que sempre foi omissa, que pague aos fazendeiros.
DC - O Estado de Santa Catarina questiona se Morro dos Cavalos é terra tradicional indígena, porque a realidade em 1988 (época da Constituição) não era a de hoje. Não existiam 200 índios naquele local.
Azanha - Isso é o STF quem vai decidir.
Maria Inês - Mas é preciso ver os documentos. A Fatma (Fundação do Meio Ambiente) foi um dos que contestaram a demarcação, mesmo tendo cedido o material. No decreto de criação do Parque da Serra do Tabuleiro constam estudos feitos pela Universidade Federal de Santa Catarina e eu cito no meu relatório. Houve grandes expedições porque viam acampamentos indígenas, mais uma série de sinais, e acreditavam que existiam índios isolados. E a família dos Moreira, que eram os nhandeva (primeiros ocupantes de Morro dos Cavalos), diziam que recebiam os mbyá (grupo indígena que migrou para o litoral nos anos 1990), que caçavam, faziam incursões na mata. Então aquilo se tratava de acampamento dos próprios guaranis. Na época tinha um pequeno relatório sobre Morro dos Cavalos. E a própria família dos nhandeva foi ignorada, ninguém respeitou. Guarani sempre foi considerado aculturado.
DC - Por que o seu grupo de trabalho realizou os estudos sem a participação do Estado de Santa Catarina?
Maria Inês - Foi a Fatma que nos cedeu todos os mapas para o processo de demarcação e quando fizemos o relatório a Fatma foi consultada. Nós pedimos indicação do governo do Estado e eles não indicaram. É por isso que não tinham representantes do governo de Santa Catarina. Poderia ser alguém da secretaria de Agricultura ou de Meio Ambiente. E depois tem outra coisa, esse argumento da data de 1988 já foi derrubado. Foi usado somente no caso da Raposa Serra do Sol (terra indígena em Roraima). Não dá para ser aplicado genericamente.
DC - Em 2002 a realidade era diferente da que a senhora encontrou no início dos anos 1990?
Maria Inês - Se a realidade era diferente? De famílias? Aí eu teria que falar o que eu já cansei de falar sobre esse processo. Faz parte da dinâmica guarani. Eles têm um território vasto e as aldeias são todas interligadas. As aldeias de São Paulo, quando eu conheci na década de 70, também oscilavam em número de pessoas, entre 40 e 60, e hoje têm 800. Outras eram mais populosas e a população decresceu. Tem a ver com a dinâmica social, os parentescos, os casamentos.
Azanha - Os guaranis têm um território que vai do Espírito Santo até sul do Rio Grande do Sul, pelo litoral, só que não está reconhecido. Mas a dinâmica das aldeias é a mesma das que estão em áreas contínuas e já reconhecidas na Amazônia, por exemplo.
Maria Inês - É que eles estão demarcados em ilhas, não tem como demarcar um território contínuo.
DC - No estudo a senhora fala que os índios guaranis ocupavam o território na época da conquista, em 1500. Outros estudos falam em índios carijós. Qual a ligação entre os dois grupos?
Maria Inês - Os guaranis são os mesmos carijós ou os carijós é que eram os guaranis? É o mesmo povo, a mesma nação, a mesma língua. Essa questão das classificações é outra coisa que eu também discuto no meu relatório. O que se tenta fazer hoje, com alguns povos e com os guaranis especificamente, é dizer que estes de hoje não têm direito porque a classificação não corresponde a dos guaranis históricos. Mas você encontra documentos sobre isso, documentos dos primeiros viajantes já designavam o território guarani inteiro. Então uns chamavam de carijós, outros de guaranis.
DC - No início dos anos 1990 havia apenas descendentes da família Moreira e no seu estudo, em 2002, são centenas de índios e nenhum deles é da família que deu origem ao processo de demarcação. Quem são os índios de Morro dos Cavalos?
Maria Inês - Em um relatório de identificação consta a genealogia de cada um, com quem eles estão ligados, a relação de parentesco, a família dos nhandeva, dos Moreira, e dos mbyá, os novos casamentos. Esta é a dinâmica toda. Nos estudos é superimportante fazer isso, ainda mais com o guarani, que tem várias aldeias. A gente consegue ver as áreas que eles estão mais conectados, onde funcionam mais as trocas e a reciprocidade.
DC - O aumento então está relacionado aos casamentos?
Maria Inês - É a dinâmica deles. Casamentos e outras relações, como a de receber parentes. (ironiza) Não, é porque a gente foi no Paraguai, fretou uma frota de ônibus. Nós temos contato com uma agência, pode por aí, um ônibus bem colorido daqueles da Argentina. E a cada ano o CTI vai lá, dá uma grana e fala para os ônibus trazer os guaranis para cá. Nós temos interesse no minério que está escondido no Morro dos Cavalos e só existe lá. Eu tenho vontade de escrever uma ficção com o que falam. É leviano acusar sem documento nenhum. Tinham que mostrar pelo menos as notas fiscais das empresas que trouxeram os índios.
DC - Documentos incluídos no processo de demarcação citam que os índios migraram do Paraguai, da Argentina e oeste do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Azanha - Como tem vários brasileiros que foram para a Argentina e a Argentina não reclama deles. Tem gente que nasceu no Espírito Santo e hoje não mora mais lá
Maria Inês - A Argentina e o Brasil eram tudo Paraguai, tudo era território guarani. As fronteiras nacionais é que se sobrepuseram à nação guarani. Era um território tradicional. Para eles, território não tem essa fronteira nacional que se sobrepôs ao território deles. Eles não têm culpa.
Azanha - Eles falam com sotaque, mas é um sotaque da língua guarani. Na Argentina e no Paraguai é a mesma coisa.
DC - Vocês estão dizendo que se trata de uma migração natural?
Maria Inês - É uma dinâmica. Eles não se dividem em paraguaios ou brasileiros, eles são guaranis. Tem famílias que estão há muito tempo aqui, outras há muito tempo no Paraguai. Mas não dá pra dividir assim. É história pessoal de vida. Não dá para ser por essas fronteiras.
Azanha - Se fosse fazer isso no nordeste então, como ficaria? São Paulo tem 80% de nordestinos, vai mandar todo mundo de volta?
Maria Inês - Essa história de que o cacique falou não dá. É preciso fazer a genealogia para saber. É difícil, a gente percebe que há uma intenção, uma coisa tendenciosa, que está por trás de algum outro tipo de interesse.
Azanha - Os índios atrapalham esse país desde 1500, só que antes matavam e agora não se pode mais matar (ironiza).
DC - Quando teve acesso aos índios que habitavam o litoral de Santa Catarina, a senhora já coordenava um programa que inclui auxílio à regularização fundiária. O laudo apresentado pela Fatma cita que Morro dos Cavalos é um exemplo de que como o programa funciona na prática.
Maria Inês - O objetivo do projeto é o de recolonizar o litoral com índios? Olha, é um belo projeto (risos).
DC - O programa existe?
Maria Inês - É só entrar no site e ver, está tudo aí. O CTI, se você entrar no site vai ver, tem uma série de programas. Eles (contrários à terra indígena) já fazem a ficção, a gente não precisa fazer.
Azanha - É curioso, é extremamente político. São Paulo tinha um monte de aldeias guaranis que o Estado não reconhecia. Então o governo fez um convênio com a Funai para demarcar estas terras. O governo daqui encampou. Aí em santa Catarina tem essa bronca com os índios. Acho que é uma questão política, eles não querem os guaranis lá. E aí ficam inventando que os índios não são de lá e que a gente traz.