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Diário Catarinense - Por que o senhor começou a investigar processos de demarcação?
Edward Luz - Porque eu fui diretamente envolvido numa fraude, na demarcação do Baixo Rio Negro (Amazonas). O cenário indigenista era falso e estava todo armado, só faltava um antropólogo para o carimbo técnico. Isso aconteceu em 2007, quando eu fui aprovado num concurso de demarcação da terra indígena. Fui como antropólogo enviado pela Funai. De repente eu descobri que estava vivendo e agindo como um idiota útil. Eu achava que estava fazendo o certo, mas na verdade era um peão que fazia parte de uma articulação muito maior, mais ampla e que visava demarcar um território enorme dentro do Brasil. Os motivos com certeza não eram preservação cultural nem a proteção dos indígenas. Pelo contrário, descobri que os verdadeiros motivos atendiam aos interesses das ONGs "inter"nacionais.
DC - O que o senhor viu lá?
Luz - Eu me deparei com um esquema armado, onde havia uma associação indígena. Era ela quem tinha acionado originalmente a Funai. Eu descobri que essa associação estava comprada e era parceira de uma ONG nacional, que por sua vez estava comprada e era parceira de duas ONGs internacionais. Estas organizações internacionais tinham repassado R$ 2,3 milhões para que fosse feito um levantamento indígena. Foi feita uma catequese ao contrário, para que se convertesse não indígenas em indígenas.
DC - Qual era o objetivo?
Luz - A ONG nacional enviou índios – o mesmo que a CTI fez em Santa Catarina – do Alto Rio Negro, que já tinham as suas terras regularizadas, para o Baixo Rio Negro. Havia lugares em que toda a população era cabocla, ribeirinha. Eu vi isso, eram 120 não indígenas e só dois indígenas e por causa desses dois se reivindicava terra.
DC - Como o senhor tem certeza que não eram índios?
Luz - Eu cheguei numa comunidade onde tinha uma senhora chamada Jardelina, o nome já me chamou a atenção (Jardélina, no sotaque deles, é nome nordestino). Então eu perguntei pra ela: ‘A senhora que é a dona Jardelina?’. E ela respondeu: ‘Sou eu, sim sinhô’. Eu falei: ‘Então vocês que são os índios daqui, os índios baré?’. E ela disse: ‘Pois é, foi isso que disseram pra gente dizer pro senhor’. Eu seria muito estúpido se não percebesse os fatos.
DC - E o que o senhor fez?
Luz - No início eu não sabia para quem denunciar. Eu tentei primeiro na Funai, sem efeito, e de lá fui direto para Abin. Esse caso fez parte de um dossiê que foi entregue ao presidente Lula em 2009. Então comecei a desconfiar que não era um caso isolado, que os casos se repetiam. E esta hipótese se confirmou. Descobri pelo menos outros 17 casos (entre eles Morro dos Cavalos), estive em campo e constatei a fraude.
DC - O que aconteceu quando o senhor denunciou o caso à Funai?
Luz - O dia em que denunciei foi exatamente quando mudaram as pessoas que estavam na coordenação. Eu vi a pessoa com quem lidava diretamente arrumando a mesa e saindo e depois fui entender que todos estavam saindo (inclusive o presidente da época, Mércio Gomes). Dois dias depois eu fui chamado a prestar o relatório de campo (que geralmente se tem de uma semana a 15 dias para prestar). Quem me recebeu foi Aluisio Azanha e Maria Auxiliadora Cruz de Sá Leão, em abril de 2007. A resposta deles foi que eu precisava entender a importância de um processo de demarcação de terra indígena.
DC - E o que o senhor respondeu?
Luz - Consegui mais 15 dias de campo. Retornei para a região em julho de 2007. E foi aí que descobri tudo, descobri que existia uma grande tentativa de fraude. E foi por isso que comecei a me envolver com as investigações.
DC - O senhor está dizendo que a Funai era conivente com a fraude?
Luz - Absolutamente, do começo ao fim. E descobri depois que a Funai está cada vez mais conivente. As ONGs vieram aparelhando, a Funai foi aparelhada por ongueiros. A Funai está aparelhada.