Pátio de ônibus na sede da Glória: intervenção na empresa ocorreu no dia 8 de novembro
Gilmar de Souza
A intervenção
Tentativa para solucionar
os problemas
Diante da crise do transporte coletivo, poder público afastou administradores do Siga e da Glória
O
dia 8 de novembro de 2015 entrou para a história de Blumenau: em pleno domingo a população viu a prefeitura intervir, pela primeira vez, na concessão de um serviço público. A medida, considerada dura por advogados e promotores e firme pelo prefeito Napoleão Bernardes, foi colocada em prática depois de pelo menos três tentativas de restabelecer a normalidade no funcionamento do Consórcio Siga, responsável pelo transporte coletivo na cidade desde 2007. O caminho que resultou nas nomeações de Sérgio Chisté, ex-diretor-presidente do Seterb, e de Jardel Fabrício Rangel como interventores do Siga e da Glória, respectivamente, foi longo.
Paralisações de funcionários da Glória por falta de pagamento de salários, que evidenciaram o agravamento da situação financeira da empresa, fizeram a prefeitura criar uma força-tarefa para avaliar as possibilidades de atuação do poder público sobre o sistema, considerando o que diz a legislação em relação a um contrato de concessão. A prefeitura, segundo Napoleão, passou a ser mais firme no relacionamento com a companhia, aumentando a pressão para que os direitos trabalhistas fossem quitados em dia.
A medida não impediu que os trabalhadores, sem o dinheiro em suas contas no quinto dia útil do mês, cruzassem os braços em julho, agosto e setembro deste ano. Após a terceira paralisação seguida, a prefeitura anunciou a criação da Câmara Técnica. O grupo de trabalho, formado por profissionais das áreas de economia, direito e contabilidade, nasceu para monitorar a situação financeira tanto da Glória quanto do Siga.
O prefeito diz que a Câmara cumpriu seu papel por um determinado período. Em outubro os salários dos trabalhadores foram depositados em dia e não houve paralisações – resultado que o poder público atribuiu, na época, à atuação da estrutura. Apesar disso, a prefeitura temia que motoristas e cobradores voltassem a parar.
Mais pressão sobre o sistema
Por sugestão da Câmara Técnica, Napoleão notificou e, no dia 26 de outubro, deu prazo até o dia 5 de novembro para que o Siga e as três integrantes do consórcio – Glória, Rodovel e Verde Vale – apresentassem documentos que mostrassem a quitação de débitos trabalhistas e previdenciários e comprovassem as condições econômicas e financeiras das empresas para seguir operando o serviço de transporte coletivo na cidade.
– A Glória foi a única que não apresentou os documentos. Apenas fez uma defesa sobre a situação financeira.
Nenhuma comprovação das quitações trabalhistas foi entregue, porque evidentemente não há. Ela também não apresentou um plano de ação ou de recuperação que pudesse visar a saudar as suas dívidas com os trabalhadores – lembra o prefeito.
O não cumprimento da notificação e o anúncio de uma nova paralisação dos trabalhadores, motivada mais uma vez pelo atraso no pagamento dos salários, antecederam o afastamento de José Eustáquio Ribeiro de
Urzedo do comando da Glória e de Valdeci Roza, presidente do Siga, da administração do consórcio.
– Afastamos os gestores da Glória para fazer uma intervenção operacional, de acompanhamento financeiro, para garantir, mês a mês, que haja a destinação dos recursos do sistema para pagamento dos salários e dos encargos trabalhistas e previdenciários. Ao mesmo tempo a intervenção no Siga é estratégica para fazer o que, aparentemente, o Consórcio não faz desde 2007, que é trabalhar em conjunto – pontua Napoleão.
Apesar do anúncio da intervenção os trabalhadores da Glória não recuaram na decisão de paralisar parte do transporte coletivo e Blumenau amanheceu sem ônibus na última segunda-feira. A situação só foi completamente contornada na quarta, quando os salários do restante dos funcionários que ainda não haviam recebido foram depositados. Os recursos para honrar os débitos trabalhistas foram garantidos através de um financiamento feito pelo Consórcio Siga. O dinheiro, esclarece Napoleão, não saiu dos cofres da prefeitura.
– É bom deixar claro que não há investimento público nas empresas ou no Consórcio. Não vamos assumir passivo ou dívidas de nenhuma empresa. A ação vem para colocar ordem na casa e garantir o funcionamento do transporte. O sistema tem que ser autossuficiente e a intervenção vem com esse propósito – conclui Napoleão.
Prefeitura trabalha pela manutenção do consórcio
Válida inicialmente por 90 dias, a intervenção no transporte público coletivo de Blumenau ocorre em duas frentes. No Consórcio Siga a ação é considerada estratégica. De acordo com o prefeito Napoleão Bernardes, o principal objetivo é identificar oportunidades para otimizar o sistema. Ele cita o compartilhamento de linhas e horários e a realização de compras conjuntas entre Glória, Rodovel e Verde Vale, que possibilitariam descontos maiores, como alternativas para redução de custos e aumento da capacidade financeira das empresas.
Na Glória a ação é financeira. A prioridade é garantir receitas para o salário dos trabalhadores, combustível para os ônibus e manutenção da frota, itens essenciais para a continuidade do sistema.
O secretário de Gestão Governamental, Paulo Costa, lembra ainda que, além de dar conta desses três itens, a Glória tem parte da sua frota alienada a financiamentos bancários. O não pagamento desses débitos poderia resultar no recolhimento de veículos.
– Esta é uma grande equação que os interventores têm para resolver. Não se pode simplesmente afastar o credor e pedir que ele espere enquanto a gente dá prioridade ao pagamento dos salários – explica o secretário.
Para Costa, o ideal é, primeiro, tentar renegociar dívidas de curto prazo. Com a desoneração dessas obrigações, seria possível gerar recursos que garantiriam o pagamento de salários aos funcionários. Outra opção, sugere o presidente do Seterb, Carlos Lange, é fazer um remanejamento da operação.
Hoje a Glória responde por 66% dos quilômetros rodados de todo o Consórcio, enquanto a Rodovel e a Verde
Vale ficam com 21,5% e 12,5%, respectivamente. O poder público poderia recomendar, segundo Lange, que o sistema seja integrado por mais uma empresa.
– Legalmente não pode entrar uma quarta empresa no consórcio, mas poderia ter uma associação dessa empresa com as outras – esclarece o presidente do Seterb.
Apesar de não descartar a possibilidade de romper o contrato, a prefeitura trabalha pela manutenção do atual sistema do transporte público na cidade. A rescisão só aconteceria em últimos casos. Para Napoleão, uma eventual decisão neste sentido seria de curto prazo e não traria os resultados esperados.
– A regra geral é fazer a manutenção do contrato e buscar alternativas para a sustentabilidade do sistema dentro do contrato vigente. Nenhuma rescisão acontece do dia para a noite. No dia seguinte as pessoas esperam, em tese, que o sistema exista. Não haveria uma transição tão imediata assim, por isso uma rescisão é sempre muito traumática no curto prazo, porque teríamos a descontinuidade do sistema – avalia o prefeito.
Incertezas para dezembro
A intervenção do poder público na administração da Glória não representa uma garantia de que os funcionários da empresa receberão em dia em dezembro. O secretário de Gestão Governamental, Paulo Costa, reforça que a prioridade é viabilizar os compromissos dos trabalhadores, mas lembra que a companhia precisa renegociar dívidas com credores para desonerar a receita dessas obrigações e gerar sobras para os salários.
– Não dá para dizer que sim nem que não – disse Costa ao ser questionado pela reportagem sobre a possibilidade de novas paralisações no próximo mês.
Para o secretário, o desafio da empresa, neste momento, é conseguir uma negociação com os credores e gerar um fluxo de caixa maior. Com isso, ainda de acordo com Costa, o sistema teria reais possibilidades de arcar com as despesas fixas de dezembro, que seriam os pagamentos, os gastos com combustível e a manutenção da frota.
– A intervenção não significa fazer um milagre no sistema. Nesse momento a gente falar que essas questões estão equacionadas não seria uma verdade. O desafio é buscar soluções que estão sendo estudadas para solucionar as próximas questões, que são o próximo salário, o 13º salário. Mas hoje falar que isto está resolvido e que já existe uma linha de ação que garanta isso, não existe.
O prefeito Napoleão Bernardes admite que pode haver novas turbulências nesse momento de transição. Ele encara a intervenção como uma oportunidade de “virar a página” no transporte coletivo blumenauense, mas reconhece que não há “passe de mágica” e que a intervenção não vai resolver todos os problemas de maneira imediata.
– Defendemos o interesse público, que são os trabalhadores e a comunidade. Não terá, de nossa parte, nenhuma decisão demagógica que vá gerar aplausos a curto prazo, mas depois, a longo prazo, traga transtornos ao município – conclui.
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