A destituição
Ex-sócio questiona
exclusão da empresa
Múcio Brandão Madureira alega que foi tirado do quadro societário da Glória de maneira irregular
C
erca de um ano depois da oficialização da venda de três das quatro holdings que formam a Glória, a polêmica em torno da situação da empresa ganhou um novo capítulo: a destituição do sócio minoritário Múcio Brandão Madureira.
Em documento assinado em 8 de setembro de 2014, José Eustáquio Ribeiro de Urzedo convoca os sócios da Glória para assembleia que iria deliberar sobre a destituição de Múcio da sociedade. A movimentação, confirmada na 27ª alteração contratual da empresa em 11 de setembro de 2014, foi considerada “irregular, arbitrária e fora da lei” pelo advogado de Múcio, Alexandro Maba.
Os artigos 1.085 e 1.152 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, determinam que o anúncio de convocação para uma assembleia de sócios deve ser publicado pelo menos três vezes e que o prazo entre a data da primeira publicação e o encontro em si deve ser de, no mínimo, oito dias. Mas, segundo Maba, o encontro, que culminou na destituição de Múcio, ocorreu no dia 11 de setembro de 2014, apenas três dias depois da data de convocação. Ainda de acordo com Maba, a reunião deveria ser feita na sede da Glória com a presença de todos os sócios, mas teria ocorrido sem a participação de Múcio e na casa de Humberto Jorge Sackl, o Betinho, que até então não era sócio da empresa.
Documentos cedidos à reportagem pelo próprio advogado mostram, no entanto, que a convocação solicitava a presença de Múcio na Rua Pastor Stutzer, bairro Jardim Blumenau, endereço do escritório do advogado da Glória e do Consórcio Siga, Antônio Carlos Marchiori. Maba, no entanto, não apresentou provas de que a assembleia teria ocorrido na casa de Betinho.
Oficialmente, Betinho deixou o quadro societário da Glória no dia 19 de novembro de 2013 ao vender suas cotas na Sackl Participações Ltda. a José Eustáquio. Em 16 de junho de 2014, uma alteração contratual permitiu à empresa indicar um integrante não quotista para o cargo de administrador. Betinho foi nomeado. No papel, no entanto, ele só voltou a ser sócio do negócio em 25 de novembro de 2014 após adquirir cotas da holding MKF Participações, apesar de ter mantido, durante esse período, uma rotina normal de atividades dentro da companhia.
O suposto motivo
A descoberta de uma suposta alienação de 15% das cotas da Glória à construtora curitibana De Amorim em troca de dois empréstimos, que somados atingiriam cerca de R$ 1 milhão, teria sido o motivo pelo qual Múcio Brandão Madureira foi destituído da sociedade, segundo o advogado dele, Alexandro Maba.
O dinheiro dos empréstimos seria usado para honrar a folha de pagamento do 13º salário dos funcionários da Glória. Entretanto, segundo Maba, o ato de alienar as cotas ao empréstimo seria irregular, já que a ação poderia ser caracterizada como venda, o que também é ilegal.
Maba afirma que a suposta irregularidade no empréstimo foi identificada por Múcio em dezembro de 2013, mas a destituição, conforme mostra a 27ª alteração social contratual da Glória, ocorreu nove meses depois, em 11 de setembro de 2014. Durante todo este tempo, Múcio não teria identificado nenhuma outra irregularidade na gestão de José Eustáquio Ribeiro de Urzedo.
O advogado da Glória e do Consórcio Siga, Antônio Carlos Marchiori, refuta a hipótese de que as cotas foram alienadas à De Amorim.
– Não se pode alienar cotas a terceiros sem antes oferecer isso às empresas consorciadas – diz.
Veículos da frota da Glória com placas de Curitiba foram alugados pela De Amorim
Rafaela Martins, BD, 22/10/2015
Contestado, aluguel de ônibus é legal, diz Seterb
Outro fato ligado a De Amorim relatado por Alexandro Maba, advogado de Múcio Brandão Madureira, é o aluguel de 10 ônibus para a Glória, em 2013. Maba questiona o fato de uma empresa que atua no ramo da construção civil ter essa quantidade de veículos disponíveis para locação.
– Como uma empresa de construção civil compra 10 ônibus? A finalidade dela é comprar ônibus? Ela só fez isso porque ia ficar sócia da Glória com 15% – acusa Maba.
Os sócios da De Amorim a quem Maba se refere são Gilson e Luiz de Amorim. Pai e filho, entretanto, não foram encontrados para comentar os empréstimos e o aluguel dos ônibus da Glória. Na ausência deles, o gerente administrativo da empresa, João Afonso, afirmou que a De Amorim é uma construtora na área de terraplanagem, pavimentação e locação de equipamentos e que apenas a Glória poderia dar mais esclarecimentos sobre o caso.
O advogado da Glória, Antônio Carlos Marchiori, diz que, por conta das dificuldades para captar recursos no mercado financeiro, a empresa opta por buscar dinheiro em outros locais. Ele confirma que a companhia realmente fez empréstimos com empresas, mas não soube dizer se a De Amorim estaria entre elas.
– Houve o empréstimo de recursos para fazer frente à folha de pagamento do 13º salário. Isto está sendo pago, mas não com cotas – esclarece.
Sobre o suposto aluguel dos 10 ônibus, Marchiori afirma que os veículos, na verdade, foram comprados. Segundo ele, nesta situação, a Glória paga para a empresa e a empresa repassa o pagamento ao banco.
– Esse ano houve um atraso. Uma empresa não pagou o banco e ele (o banco) veio tomar esses ônibus, mas a Glória evitou a apreensão e regularizou a situação. Agora os ônibus estão alienados com o banco, não mais com a empresa – explica.
Contrariando a afirmação de Marchiori, o presidente do Seterb, Carlos Lange, confirmou por e-mail à reportagem que os ônibus foram realmente alugados da De Amorim. Segundo ele, a autarquia estava ciente da situação desses veículos. Lange reiterou que o aluguel não é irregular, já que há uma cláusula do contrato de concessão que trata sobre a propriedade e posse ou apenas posse de veículos, dando à Glória e às demais empresas consorciadas o poder de alugar ou arrendar ônibus.
Lange assegurou ainda que todos os termos de posse dos ônibus foram comprovados e a documentação sobre a inclusão desses veículos na frota está arquivada em um processo administrativo datado de janeiro de 2014.
Uma questão de honra
Ao deixar, na manhã do dia 9 de novembro, a sala que ocupava na sede da Glória na Rua 2 de Setembro, no bairro Itoupava Norte, o sócio majoritário da empresa, José Eustáquio Ribeiro de Urzedo, revelou que as dívidas da companhia somam R$ 128 milhões. Apesar das dificuldades financeiras, evidenciadas com a intervenção anunciada na semana passada, o ex-sócio Múcio Brandão Madureira faz questão de retornar à sociedade.
– O Múcio quer reaver os valores dele. Ele tem um nome a zelar – diz Alexandro Maba, advogado de Múcio.
De acordo com Maba, Múcio não teria conhecimento prévio do histórico de José Eustáquio no momento em que foi convidado para participar da sociedade. Ainda segundo o advogado, por conta de um suposto parentesco, o seu cliente não teria se preocupado com isso.
Para Maba, Múcio, por ter o nome limpo, teria sido usado como laranja e bode expiatório na compra das holdings que compõem a Glória, já que, por conta de supostas restrições tributárias, José Eustáquio não poderia exercer a função de administrador da companhia.
A afirmação, no entanto, é refutada pelo advogado do Consórcio Siga e da Glória, Antônio Carlos Marchiori. Marchiori, que também representa José Eustáquio, esclarece que Múcio foi convidado a compor o quadro societário da Glória por conta de burocracias.
– Como naquela ocasião a sociedade tinha que ser formada por no mínimo duas pessoas, ele (Múcio) acabou sendo convidado para fazer parte da sociedade – disse.
Briga para retomar o posto
Ex-sócio pede na Justiça o direito de voltar ao quadro societário da Glória
Buscando reverter a destituição de seu cliente, o advogado Alexandro Maba entrou com uma ação cautelar pedindo a reintegração de Múcio Brandão Madureira ao quadro societário da Glória. No documento, entre os argumentos usados, ele menciona que a empresa estaria endividada. Isso, segundo Maba, serviria de evidência para prever que a companhia estaria prestes a ser vítima de um “grande golpe”. O pedido liminar, entretanto, foi indeferido pelo juiz Osmar Tomazoni, da 2ª Vara Cível de Blumenau, em 15 de setembro de 2014.
Na decisão, Tomazoni afirmou, entre outros motivos, que não havia provas suficientes de que Múcio estava impedido de exercer suas funções administrativas e societárias, salvo uma notificação escrita pelo próprio advogado. No documento, o juiz ainda ressalta que, neste caso, seria fundamental ouvir a parte contrária.
Oito meses depois, em maio de 2015, Maba entrou com um pedido de reconsideração da decisão afirmando que seu cliente precisaria “ser reiterado como administrador da empresa, pois os malfeitos administrativos e tributários seriam sua corresponsabilidade”.
Maba afirma que, para protocolar o pedido, investigou o nome de José Eustáquio durante um mês e meio e teria compilado provas sobre a suposta má administração dele na Glória. Entre os documentos anexados ao processo estão a 27ª alteração contratual da Glória, para provar que Múcio foi excluído da sociedade; a relação dos CNPJs ligados ao nome de Múcio, para provar que ele era de fato sócio da Glória quando comprou 1% das cotas de três das quatro holdings que formam a empresa, mas que hoje já não tem mais vínculo com o negócio; a quinta alteração contratual da MKF Participações Ltda., para provar que Humberto Jorge Sackl, o Betinho, só voltou a ter relação societária com a empresa em novembro de 2014; e um levantamento que mostra que o total de protestos estaduais da Glória somavam cerca de R$ 1,7 milhão na época.
O processo, também de responsabilidade do juiz Osmar Tomazoni, aguarda despacho na 2ª Vara Cível de Blumenau desde o dia 5 de junho de 2015.
Novo pedido de ajuda
Com o pedido de reconsideração da decisão que destituiu Múcio Brandão do quadro societário da Glória parado na 2ª Vara Cível de Blumenau, o advogado dele, Alexandro Maba, recorreu ao promotor de Moralidade Administrativa, Gustavo Mereles Ruiz Diaz. De acordo com Maba, todos os documentos anexados ao processo foram apresentados para Ruiz Diaz.
O promotor confirmou à reportagem que Múcio, junto com o advogado Alexandro Maba, esteve na promotoria nos dias que antecederam o envio da notificação ao prefeito Napoleão Bernardes, assinada em 24 de junho de 2015. Segundo Ruiz Diaz, na época Múcio ficou de encaminhar novos documentos e informações sobre o caso, mas até o começo de outubro a promotoria ainda não havia recebido nada. Por telefone, o promotor afirmou na última quarta-feira que desde a emissão da notificação não teve mais contato com os dois.
Glória diz que não há irregularidades
Questionado sobre as possíveis irregularidades nas alterações contratuais envolvendo Múcio Brandão Madureira, Humbero Jorge Sackl, o Betinho, diz que nada do que Alexandro Maba, advogado de Múcio, diz tem fundamento.
– Na verdade ele (Múcio) quis extorquir o Eustáquio e se deu mal. Ele tá no desespero – disse, ao ressaltar que Múcio deveria ter contribuído financeiramente na sociedade, mas que não teria aportado quantia alguma.
Maba confirma que Múcio realmente não aportou dinheiro na Glória, mas justifica que seu cliente teria assumido, junto com José Eustáquio, todas as dívidas da empresa. O advogado ainda rebate a acusação ao afirmar que José Eustáquio, assim como Múcio, não injetou recursos na companhia.
O advogado da Glória e do Siga, Antônio Carlos Marchiori, diz que Múcio era encarregado do tráfego e, simultaneamente, sócio da empresa com 1% das cotas, mas nunca administrou a companhia. A presença dele no quadro societário, ainda de acordo com Marchiori, se deu por conta de uma relação de parentesco que
Múcio tinha com a esposa de José Eustáquio.
– Não houve nada de irregular. O sócio majoritário decidiu que o Múcio não deveria mais permanecer na empresa, o notificaram e ele foi excluído da sociedade. Ele nunca foi sócio administrador. Essa é a verdade – reitera.
Marchiori ainda afirma que o quadro de desgoverno e má gestão da Glória retratado pelo advogado de Múcio é “completamente ilusório e fictício”.
– Não é segredo para ninguém que a Glória não está vivendo um bom momento. A crise financeira é evidente, mas nada que não possa ser administrado, como foi até aqui. Estas situações descritas por ele são irreais, tanto que ele não teve sucesso nas ações que propôs até agora – conclui Marchiori.
Mesmo com a intervenção, Marchiori afirma que os problemas que a Glória enfrenta não são motivados por uma má gestão. Na opinião do advogado, o que acontece hoje na empresa acontece em todo o Consórcio:
– Isso tudo foi motivado pela ausência de remuneração adequada, de fixar uma tarifa adequada. As pessoas acham que isso é só um detalhe, que é uma coisa pequena, mas não é. A remuneração adequada é a questão principal.
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