| 10/11/2012 09h57min
Barricadas de viaturas em frente a delegacias. Policiais reclusos nas unidades com portas trancadas. Familiares angustiados com as mortes e a violência que ecoa contra a segurança pública. Uma nova realidade vivenciada na Grande Florianópolis após atentados ocorridos nas últimas semanas e que colocaram agentes e PMs de prontidão para proteger a vida
Os vidros ainda estão perfurados com as marcas dos tiros. São quase 2h da madrugada de quinta-feira. Há cinco policiais militares ao redor de três viaturas. Uma delas, um furgão, está posicionado em cima da calçada, na frente do posto da Polícia Militar na Vila Aparecida, parte Continental de Florianópolis.
Os PMs ficam dentro ou ao lado dos veículos. Conversam no silêncio da vila, onde revelam que há bocas de fumo e jovens que fazem o vaivém do morro no chamado tráfico formiguinha. Dizem suspeitar que o atentado a tiros foi ato de um ex-presidiário que ganhou a liberdade há pouco tempo.
- Temos ordem para ficar aqui a noite toda. Sabemos que é coisa dessa facção (Primeiro Grupo Catarinense, o PGC), que tenta se organizar e ameaça a gente a cada dia. O jeito é andar armado o tempo todo. Ninguém está livre de levar bala - diz um policial.
O colega ao lado, de semblante desconfiado, aos poucos narra o drama da família a cada noite que veste a farda e vai para o trabalho.
- Não bota o meu nome aí, mas minha mulher nem sabe que estou trabalhando aqui nessa base. Imagina se eu conto. Aí ela não dorme mais. E ligar para casa de madrugada, nem pensar. Ela tem um treco só de escutar o telefone tocar de madrugada imaginando o pior - descreve o PM.
"A gente sempre espera que aconteça"
A oito quilômetros dali, no Centro de Florianópolis, na Avenida Osmar Cunha, policiais ficam de portas fechadas no prédio que abriga a 1ª Delegacia de Polícia, Central de Polícia e Delegacia de Homicídios.
Entre uma conversa e outra, o plantonista confirma que ninguém mais tem sossego e que mesmo na área central, com dezenas de policiais de plantão, há receio de virar alvo.
- A gente sempre espera que aconteça (atentado) aqui também. Mas a família é que fica mais preocupada em casa -relata o agente depois de orientar um casal que pretendia fazer um "BO" por problemas no saque do caixa eletrônico.
Tem sido assim na Grande Florianópolis desde a execução da agente penitenciária Deise Alves, 30 anos, há duas semanas. A mulher do diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, Carlos Alves, foi morta a tiros quando chegava em casa, em São José.
Cinco dias depois, o clima ficou ainda mais tenso: o policial civil Gilmar Lopes, 53 anos, foi baleado com quatro tiros quando entregava uma intimação, na Vila União, no Norte da Ilha, em Florianópolis. Gilmar sobreviveu.
Na manhã do dia seguinte, um guarda municipal sofreu um assalto no seu apartamento, no Bairro Monte Cristo, e teve a pistola roubada. Passaram-se dois dias e nova ação intimidadora: 14 tiros foram disparados contra o posto da Polícia Militar na Vila Aparecida, no Continente. Um policial se jogou no chão e escapou de ser alvejado.
Em um giro pela madrugada, na quinta-feira, em 11 postos e delegacias da região, o DC constatou que a sucessão de ataques provoca uma mudança de comportamento dos policiais e também atinge alguns procedimentos policiais.
Os agentes da lei estão acuados, nervosos. É como se estivessem prontos para entrar em conflito e puxar o gatilho a qualquer instante. As notícias que vêm de São Paulo, onde há um violento confronto de criminosos com a Polícia Militar, em que ao menos 90 PMs foram assassinados desde o começo do ano, deixam os seus familiares ainda mais apreensivos.
A vulnerabilidade fica evidente quando viaturas são colocadas como escudos na frente dos distritos. Nas ruas silenciosas, a maioria dos agentes fica recluso no prédio, com portas chaveadas, como se quisesse se sentir em uma fortaleza.
Atendimento limitado a crimes graves
Cartazes nos vidros da 2ª Delegacia de Polícia, no Bairro Barreiros, em São José, orientam acompanhantes a permanecerem do lado de fora enquanto uma vítima de cada vez é atendida.
Da meia-noite às 8h, são recebidas somente conduções policiais e registrados boletins de ocorrência de crimes com violência, como assassinatos e roubos.
A 1h20min da madrugada, um homem e duas mulheres aguardam a vez sentados na frente da delegacia. Uma dor a mais para quem foi alvo de delito. Mas o motivo é compreensível. Dentro, estão policiais acuados com os atentados, que se sentem ameaçados e desprotegidos no próprio local de trabalho.
Os policiais autuam um empresário que se envolveu em um acidente de trânsito com morte, na BR-101. Nesse instante, dois jovens descalços resmungando queixas contra os policiais saem da delegacia e logo desaparecem em meio à escuridão.
"Cabeça de policial a R$ 5 mil"
No posto da PM em frente à Praça 15 e à Catedral, na Capital, dois carros da polícia guarnecem o lugar. Os PMs dizem que a madrugada está calma, sem ocorrências, mas não esquecem do alerta com as ameaças que dizem partir de criminosos que estão presos.
- Aqui arriscamos a vida todo o dia por R$ 2 mil. É um absurdo isso. Não quero desmerecer ninguém, mas cobrador de ônibus e guarda municipal ganham mais -reclama.
O colega encostado na viatura conta ter ouvido falar que cabeça de policial vale R$ 5 mil na região entre os criminosos. O PM continua o desabafo comentando que decidiu, nas últimas semanas, instalar cerca e alarme em casa.
A reportagem ruma para o Norte da Ilha. São 3h20min e a SC-401 está praticamente deserta. O destino é a 8ª Delegacia de Polícia, onde também fica a Central de Plantão Policial.
Policiais do Pelotão de Patrulhamento Tático (PPT) tinham acabado de fazer um flagrante de apreensão de drogas. Sobre a mesa, mais de 400 pedras de crack, dois sacos plásticos com cocaína e um tijolo de maconha. Ninguém foi preso. Os PMs afirmam que a droga foi deixada perto das dunas, na favela do Siri, conhecido ponto de tráfico da região.
- Tem muito mais ameaças rolando do que está sendo divulgado. Tem polícia que não andava de colete e agora não tira mais do corpo - ilustra um deles sobre os últimos acontecimentos.
Barricada de viaturas em Canasvieiras
A nove quilômetros, na 7ª Delegacia de Polícia, em Canasvieiras, o prédio está fechado. Na frente, os policiais montaram uma espécie de barricada com os carros da polícia para bloquear o acesso.
Na mesma noite, o DC passou também pelos postos da PM de Canasvieiras, Coqueiros, Córrego Grande e Santa Mônica e na 2ª DP do Saco dos Limões e 5ª DP, na Trindade. Os lugares estavam fechados com os policiais protegidos no interior.
A onda de ataques
26 de outubro:
A agente penitenciária Deise Alves é morta a tiros, no Bairro Roçado, em São José. A polícia afirma que a execução foi em represália ao marido dela, o agente penitenciário e diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, Carlos Alves.
31 de outubro:
O policial civil Gilmar Lopes, 53 anos, é alvejado com três tiros em plena tarde, quando entregava uma intimação na Vila União, Norte da Ilha, em Florianópolis. Não há relação com a morte da agente.
1º de novembro:
Pela manhã, um guarda municipal é assaltado no apartamento em que mora, no Bairro Monte Cristo, na Capital, e tem a pistola roubada.
3 de novembro:
De madrugada, criminosos disparam 14 tiros contra o posto da Polícia Militar na Vila Aparecida, em Florianópolis. A dupla foge numa moto e não é localizada.
EM ABRIL
3 de abril:
A 2ª DP, em São José, é atingida com 25 tiros na madrugada. Três policiais estavam na delegacia, mas não foram atingidos.
16 de abril:
O alvo é a base da PM na Vila Aparecida, atingida por quatro tiros.
27 de abril:
Dois homens em uma moto disparam três tiros no prédio do Departamento de Administração Prisional (Deap), na Avenida Ivo Silveira, parte Continental de Florianópolis.
DIÁRIO CATARINENSE
Barricada em frente a delegacia durante a madrugada expõe temor
Foto:
Cristiano Estrela
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