A Coletiva de Artistas de Joinville, criada em 1971, caminhava para sua sexta edição oxigenada pela crítica, que considerava o grupo de joinvilenses o mais significativo da vanguarda catarinense. Não à toa, os artistas daquela época tinham objetivos que ultrapassavam a preocupação com a criação de suas obras. O espaço adequado para exposições era artigo de luxo e eles se viam tendo que improvisar para mostrar o trabalho que chegou a estampar revistas nacionais.
Na falta de um museu de arte, a Coletiva acontecia na Casa da Cultura. Nilson Delai relembra que espaços como o Hotel Colon e o prédio onde hoje funciona o Ipreville, na praça Nereu Ramos, chegavam a receber as exposições.
Amparados pelo porta-voz, o espanhol Antônio Mir, os artistas reivindicavam uma iniciativa da Prefeitura, que havia desapropriado o casarão de Ottokar após o morte de Helene Trinks Lepper, em 1973. Para Moacir Moreira (o Môa), foi o fácil acesso de Mir ao prefeito Pedro Ivo Campos o responsável por transformar o espaço no tão esperado Museu de Arte de Joinville em 1976. Antes disso, o imóvel abrigou provisoriamente o Arquivo Histórico e a Escola de Música Villa-Lobos.
A criação do MAJ se deu bem antes da mudança efetiva. A lei municipal que instituiu o museu é de maio de 1973. Primeiro diretor do MAJ, Edson Busch Machado participou dos trâmites para transformar a antiga residência em morada da arte.
Ao lado de Dagoberto Koenthopp, Afonso Imhof e Alcides Buss, integrei a comissão instituída pelo então prefeito, o visionário Pedro Ivo Campos, para sua implantação, organização, adequação arquitetônica e, posteriormente, como primeiro diretor do MAJ, visitei inúmeros ateliês de artistas brasileiros e estrangeiros numa campanha para doação de obras ao acervo, contatos com instituições culturais articulando intercâmbios, e sua normatização gestora sob critérios museológicos e museográficos mundiais.
Edson Machado, na época diretor do MAJ
A primeira exposição no casarão homenageou três expoentes das artes catarinenses. Obras de Martinho de Haro, Elke Hering e Mário Avancini inauguraram a sala de exposições temporárias. Posteriormente, duas salas foram batizadas com o nome de Hamilton Machado e Luiz Henrique Schwanke, e a biblioteca, de Harry Laus.
Se formos pensar, o MAJ foi a última grande ação feita pelas artes plásticas em Joinville reflete Delai.
Apesar de pequeno, se comparado aos museus das capitais, e com as limitações de uma residência tombada pelo Patrimônio Histórico catarinense, o imóvel se tornou um divisor de águas para a cultura, como define a jornalista Néri Pedroso no livro Coletiva de Artistas de Joinville: Construções Mínimas de Memória.
O MAJ foi responsável por uma nova consciência de museu como parte vital de nossa sociedade, impulsionando o surgimento de novas exigências culturais na comunidade conclui Edson.
Quando chegou a Joinville, em 1970, Marina Mosimann encontrou um cenário estimulante para quem pretendia viver da comercialização da arte: profissionais engajados, uma coletiva que nascia fortalecida e um espaço público para abrigar obras próximo de se tornar real. Poucos meses separam a inauguração da primeira galeria de Joinville, a Lascaux, que Marina manteve até 2000, e a abertura do Museu de Arte.
Havia uma parceria entre a galeria e o museu. A coletiva do grupo de Bagé (formado por Carlos Scliar, Glênio Biachetti, Danúbio Gonçalves e Glauco Rodrigues) é um dos exemplos dessa comunhão recorda Marina.
De marchande e apoiadora das artes, Marina foi convidada a ser diretora do museu, cargo que ocupou de 1989 a 1993, e de 2003 a 2008. Contabilizando os anos, ela foi a diretora que mais tempo permaneceu à frente do espaço. O primeiro período de experiência coincidiu com o que Marina chama da época de ouro de Joinville.
Entre 1980 e 1990, as coisas eram diferentes. As grandes empresas da cidade ainda eram familiares, e conseguir apoio delas para os projetos era mais fácil.
Foi na parceria com a iniciativa privada que o Museu de Arte fez história no País: um dos poucos espaços a conseguir o empréstimo dos oito painéis da Série Bíblica de Cândido Portinari, que pertencem ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1990. O patrocínio de uma seguradora, na época no valor de 25 mil dólares, foi decisivo para o acordo. Os painéis ocuparam todas as salas do casarão e resultaram em uma operação militar nos arredores durante os 30 dias de exposição. O porão foi equipado com metralhadoras e passou a ser usado como bunker pelos policiais militares, que faziam vigia 24 horas por dia.
Eu não saía do museu de tanta preocupação. Era muita responsabilidade conta a ex-diretora.
Com as oito esculturas do francês Edgar Degas (1992), a coleção de Camille Claudel (2007) e as aquarelas de Victor Meirelles (2006), a cena se repetiu.A coleção de bailarinas de Degas ainda precisou de um grande suporte técnico para chegar a Joinville. Marina lembra que foi necessária a fabricação de uma grande caixa de vidro de 8 mm de espessura.
Todas as lembranças estão documentadas em pastas. Entre recortes de jornais, documentos e catálogos, Marina prefere ficar com o registro visual.
Aquelas filas de pessoas que iam até a rua para ver as exposição. Isso não acontece mais.
Se tivessem ouvidos, as paredes do casarão teriam registrado mais do que conversas familiares e análises artísticas. O porão, que por um tempo funcionou como bar, serviu de refúgio para as ideias de um grupo de artistas, escritores e jornalistas. Tratava-se do Cordão, conjunto formado em meados da década de 1970 que, entre outros objetivos, buscava uma produção livre das amarras da ditadura.
Um dos fundadores do grupo, Carlos Adauto Vieira lembra que outros nomes, como Apolinário Ternes, Alcides Buss, Ildo Campello e Borges de Garuva, faziam parte das reuniões semanais sob os tijolos do porão do recém-inaugurado MAJ.
Era lá que nos encontrávamos todas as quartas-feiras à noite. Não precisava nem de avisos recorda Carlos.
Embora a escolha do museu para as reuniões fosse por questões estratégicas o local era considerado fora da região central na época , a repressão do período político não chegou a bater à porta do Cordão durante os quase quatro anos em que atuou na cidade. O grupo lançou seis revistas literárias, e algumas edições foram até para fora do País.
Todo o pessoal que participou do grupo deu continuidade às atividades culturais na cidade. Foi um período muito marcante define o advogado.
Prova máxima de que o casarão foi adotado pela classe artística, e não só a do setor visual, a Tertúlia é lembrada com saudade por aqueles que compartilharam, entre 1990 e meados da primeira década de 2000, a manifestação independente que acontecia a cada estação do ano, aos domingos, no entorno do MAJ.
Não era um evento formal e nem havia hora certa para começar. Nos cartazes espalhados pela cidade e nas fichas de inscrição deixadas no museu e na Casa da Cultura, a data é a única certeza. O que poderia se encontrar lá, os organizadores só saberiam quando recolhessem as fichas no dia anterior à reunião. O artista Nilton Tirotti foi um dos que estiveram à frente da Tertúlia, conhecida por ele no mesmo ano de sua chegada a Joinville, em 1993.
Os artistas usavam o espaço para falar sobre a sua produção, sobre o que ainda estava em fase de concepção. Não era um espetáculo conta Tirotti.
O coral Boca da Noite era presença certa, assim como os esquetes do grupo de teatro Dionisos. Mas nada de palco. No máximo, os artistas contavam com um megafone, apelidado de Tertúlia-fone, para apresentar as atrações, que poderiam acontecer simultaneamente no jardim, estacionamento e terraço do casarão. A Tertúlia fez a felicidade do público, mas também foi espaço para discussões, como a da possível mudança de nome do MAJ para Museu de Arte Luiz Henrique Schwanke.
O primeiro sinal dos tempos foi sentido na redução de quatro para um encontro anual. Depois, em 2007, veio a morte de Ruth Laus, irmã de Harry Laus, figura sempre presente, ora lançando, ora reeditando as obras do irmão e as distribuindo nos encontros. Enfim, a Tertúlia perdeu no cabo de guerra contra a rotina frenética.
Com o Simdec, muitos artistas passaram a se dedicar aos projetos pessoais. Não havia mais a conversa sobre o experimental, o incipiente Tirotti.