Textos: Carlos Wagner
carlos.wagner@zerohora.com.br

Fotos: Mauro Vieira
mauro.vieira@zerohora.com.br















O Brasil de Bombachas está em transformação. Os pioneiros que deixaram o Rio Grande do Sul na pobreza para se tornarem fazendeiros estão deixando os negócios para filhos e netos, a soja passou a conviver com outras culturas e formas de aumentar o dinheiro, o tererê avança sobre o território do chimarrão e os Centros de Tradições Gauchescas atraem cada vez mais gente, de origem riograndense ou não. Após 16 anos, Zero Hora voltou à estrada, novamente com o patrocínio da New Holland, para ver como está a nação que os gaúchos criaram fora dos limites do Rio Grande do Sul.

O traçado deste país imaginário, erguido a partir da década de 70 e revelado em uma série de reportagens de 1995, inicia-se no Uruguai, passa pela Argentina, entra no Paraguai, estendendo-se pelos Estados brasileiros do Oeste, do Centro-Oeste, do Sul, em parte do Nordeste e termina nas barrancas do Rio Madeira, no Amazonas. Para revisitar o Brasil de Bombachas (nome dado em referência à principal indumentária do homem do Sul), Zero Hora usou 30 dias, trilhou 16 mil quilômetros de estradas, avenidas, ruas, picadas e pinguelas e nove Estados. Um lugar onde, se não houvesse diferentes fusos horários, vários tipos de clima e placas delimitando divisas e fronteiras, ficaria difícil saber tratar-se de uma área fora dos limites geográficos do Rio Grande do Sul, tal é a presença da marca do gaúcho encontrada na comida, na música, no nome das ruas, nas palavras usadas nas conversas e na obsessão pelo trabalho.

Nos últimos 16 anos, na convivência com os moradores das regiões povoadas, o modo de vida dos gaúchos não os isolou. Muito pelo contrário. Somou-se às outras culturas e está sendo enriquecido. É uma realidade que se consolida. Nos anos 90, existia um demarcador bem nítido: gaúcho tomava chimarrão, e os paraguaios e os mato-grossenses, tererê (mate gelado). Ajudado pelo clima quente, o tererê divide espaço com o chimarrão na casa dos gaúchos. É já avança rumo ao Rio Uruguai, que divide o norte do Estado com o oeste catarinense. – Cedo da manhã e à noite, quando o clima é mais fresco, nós tomamos chimarrão. No resto do dia, tererê – observou João Ermelino de Mello, um semeador de centros de tradições gaúchas (CTGs), que migrou para o Mato Grosso do Sul. Aliás, aumentou o número de CTGs fora do Rio Grande do Sul. Eram 1,5 mil, e hoje são 1,7 mil, sendo 12 no Exterior. Há pelo menos 3 milhões de pessoas associadas. Muitos dos sócios sequer filhos de gaúchos são. A foto da família também está mudando. Até pouco tempo, a maioria dos casamentos acontecia entre gaúchos e gaúchas. – Hoje, estão se misturando. Mas o índio tem que ir no CTG para ganhar a mão da guria – brinca João Rohleder, um missioneiro que migrou nos 70 para Humaitá (AM). A saudade que antes era um peso para quem migrava hoje é compensada pela facilidade nas comunicações e no transporte.



Mas há um setor na vida desses migrantes que não mudou: o modo de trabalhar. Igual aos seus parentes no Rio Grande do Sul, eles continuam plantando soja, que, por ser um grão de larga utilização industrial, é consumido ao redor do mundo. A economia avançou. A promessa da diversificação da produção, que era um sonho nos anos 90, hoje é uma realidade. Ela trouxe as agroindústrias para regiões onde, até uma década, jamais se poderia imaginar ver uma chaminé de fábrica contrastando com a Floresta Amazônica. Hoje há dezenas delas espalhadas por Lucas do Rio Verde (MT). Um fato interessante. Como a maioria dos municípios no Brasil de Bombachas foi fundada e desenvolvida pelos sulistas, eles estão investindo os seus lucros nesses lugares. O que acaba resultando em melhorias bem acentuadas na qualidade de vida das comunidades. Esse novo rumo dos negócios resultou em uma situação complexa na administração dos bens. Já não basta apenas saber plantar. Hoje, é necessário entender de investir os lucros. Essa tarefa está sendo passada para a nova geração. A sucessão é o assunto do momento no Brasil de Bombachas.