Entrevista
maÍlson da nóbrega Economista, ex-ministro da Fazenda
O sistema financeiro é sólido

inflação de dois dígitos, recessão e crise política: o economista maílson da nóbrega observa agora alguns pontos semelhantes à recessão que o brasil enfrentou na década de 1980. a boa notícia é que, na avaliação dele, estamos melhor agora. com um mercado bem estruturado, mercado menos fechado, indústria mais moderna e agronegócio consolidado, as bases da recuperação estão asseguradas, afirma

Estamos vivendo a volta da inflação de dois dígitos, retração do emprego e do crescimento econômico. O senhor já declarou que o Brasil vive um cenário muito parecido com a recessão dos anos 1980. Quais são as diferenças e semelhanças entre esses dois momentos?

Na verdade, declarei que o cenário atual tem semelhanças com o do governo Sarney, particularmente na dificuldade de aprovar medidas para enfrentar a crise econômica. Resta ao governo conduzir a economia de modo a evitar danos maiores e preservar o mínimo de normalidade. No geral, felizmente, a situação é muito melhor hoje do que antes.

 

Apenas na área política é pior, pois o presidente Sarney, embora fragilizado, mantinha capacidade de articulação muito melhor do que a de Dilma. No campo econômico, estamos bem melhores. Não há hiperinflação, o sistema financeiro é sólido e sofisticado, a economia é menos fechada, a indústria é mais moderna e o agronegócio se consolidou como um dos segmentos mais avançados e competitivos do país. Além disso, apesar de suas deficiências, a educação é bem melhor, incluindo um tempo de escolaridade que é quase o dobro daquela época. Finalmente, o país construiu instituições sólidas desde então.

 

O governo vem apostando na elevação da taxa de juros como uma ferramenta para controlar a inflação. Mas, aparentemente, o remédio está matando o doente. Essa fórmula se esgotou?

A meu ver, o Banco Central sinaliza que não vai haver elevação da taxa de juros. Promete manter a Selic nos atuais 14,25% por muito tempo. Não vejo necessidade de nova elevação. Não se pode descartar, todavia, uma redução até o fim do ano para algo como 13%, por pressão política sobre o Banco Central, que neste governo parece ter perdido sua autonomia.

 

Santa Catarina é um Estado industrializado e que tem boa parte da produção voltada para o comércio exterior. Em 2015, fechou com uma queda nos embarques na ordem de 15%, não muito diferente da média do país. Como o senhor vê o ano de 2016 para a indústria?

A indústria brasileira deve continuar a amargar o declínio de sua atividade em 2016. O PIB do setor pode cair de 5% a 6%. Seria pior se não fossem os ganhos de competitividade decorrentes da expressiva desvalorização do real. Os ganhos de comércio – aumento das exportações e queda das importações – devem contribuir para estabilizar a economia a partir do segundo semestre. Para quem exporta ou pode substituir importações na cadeia produtiva, o ano de 2016 será positivo ou menos desastroso.

 

O crescimento econômico que o país experimentou nos últimos anos esteve, em grande parte, atrelado à expansão do poder de consumo das famílias. Essa fórmula chegou ao limite?

A expansão do consumo é importante para animar a economia, mas o crescimento, particularmente nos anos do governo Lula, decorreu de um maná dos céus, isto é, os ganhos de comércio resultantes das exportações de commodities a preços muito favoráveis, e dos efeitos retardados das reformas de governos anteriores, em especial do FHC, que geraram ganhos expressivos de produtividade. Como costuma dizer o prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, “a produtividade não é tudo na economia. É quase tudo”. O estímulo ao consumo dos últimos anos foi excessivo e explica em grande parte a atual crise econômica. Expandir o consumo sem aumentar a oferta é contratar mais inflação, mais importações e menos exportações, exatamente o que aconteceu, em especial pelo efeito da desastrada Nova Matriz Econômica do governo Dilma.

 

Qual é a sua aposta para 2016? O país voltará neste ano a crescer ou ainda precisaremos ter paciência?

Creio que 2016 ainda será um ano difícil, recessivo, com queda de 4% do PIB, desemprego de 12% a 13% e inflação de 7,5% ou mais. A confiança de empresários e consumidores continuará baixa. O dado positivo é a recuperação do setor externo que pode contribuir com dois pontos de percentagem ou mais para o crescimento do PIB. O lado doméstico – consumo das famílias, investimentos e gastos do governo – deve cair mais de 6%. Como disse o economista-chefe do Banco Itaú, Ilan Goldfajn, a “sensação térmica” será maior do que a indicada no desempenho do PIB.