Loteamento nasce sobre

restos de dragagem

Obra criou terreno ocupado hoje por 110

famílias no Fátima. Justiça condena Prefeitura

e empresa a recuperar área, além da

realocação das pessoas pelo poder público

Uma obra de dragagem e desassoreamento dos leitos dos rios Itaum e Itaum-mirim, entre as ruas Guanabara e Florianópolis, no bairro Fátima, que deveria servir apenas para evitar enchentes, transformou-se em um problema que se arrasta há 18 anos na Justiça. Em 1997 (gestão Luiz Henrique da Silveira), a Prefeitura de Joinville contratou a Empreiteira Fortunato para executar a obra que foi licenciada pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma). Quando o trabalho estava quase pronto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fez uma vistoria no local e constatou degradação ao meio ambiente em área de mata ciliar. O órgão emitiu um auto de infração e embargou a obra.

Nos autos do processo, a Prefeitura alega que a obra foi mal executada. Já a empresa diz que o erro estava no projeto apresentado pela Prefeitura e que a empreiteira apenas cumpriu o contrato. O fato é que a obra modificou o leito do rio e ainda propiciou o desenvolvimento de um aterro nas margens com o material retirado na dragagem. A superfície plana e limpa chamou a atenção de pessoas que procuravam um local para morar. Iniciava-se ali uma ocupação irregular em área de preservação permanente (APP) que hoje abriga 110 famílias.

No mesmo ano, a Prefeitura se comprometeu a apresentar medidas compensatórias ao impacto ambiental, providenciar a realocação das famílias que já haviam se instalado na área e evitar novas ocupações. Dois anos depois, como o acordo ainda não havia sido cumprido, o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra a Prefeitura, a empreiteira e a Fatma. A ação se arrastou por mais dez anos até que, em 2009, foi proferida uma sentença sobre o caso, assinada pela juíza federal Giovana Guimarães Cortez.

Com base nos documentos que constavam nos autos, a juíza entendeu que não era mais possível retomar o estado original dos leitos e condenou a Prefeitura de Joinville e a Empreiteira Fortunato a executarem ao menos um projeto de recuperação da área degrada com medidas de isolamento, proteção e recuperação das áreas de preservação permanente. A sentença ordenava ainda a realocação das famílias num prazo de dois anos.

Seis anos após a publicação da sentença, as famílias continuam ocupando a área de APP sem previsão de serem realocadas. Somente em 2015 a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) começou a cumprir a decisão, providenciando isolamento da margem desocupada, demolição de novas casas em fase de construção e algumas benfeitorias determinadas pelo Judiciário.

Os réus chegaram a recorrer da sentença na tentativa de evitar o pagamento de multas e indenizações. O MPF também pediu a condenação da Fatma por ter licenciado a obra. Em 2014, o juiz federal Loraci Flores de Lima decidiu manter a sentença para os réus e aceitou o pedido do MPF.

NA JUSTIÇA

Trechos de documentos nos quais a Justiça determina providências para a ocupação à beira do rio Itaum

LINHA DO TEMPO

O que diz a Prefeitura

 

Secretaria do Meio Ambiente

 

O secretário Juarez Tirelli afirma que a Prefeitura está tomando medidas para cumprir a sentença no que compete à Sema. Neste ano, foi providenciado o cercamento da margem do rio que não está ocupada – além da construção, há plantio de árvores adequadas àquela margem. As casas que estavam abandonadas ou em fase de construção foram demolidas. Dois acessos para embarcações estão sendo viabilizados em conjunto com a empreiteira, conforme determinou a Justiça.

– A sentença saiu cinco anos atrás e nada foi feito, exceto em 2015. Nos locais onde não havia necessidade de retirada de famílias, nós já fizemos (o cercamento). Também fizemos a notificação de todas as famílias que ocuparam de forma irregular essa área de preservação permanente. A desocupação será gradativa, à medida em que elas conseguirem entrar no plano de habitação.

Nós não temos disponibilidade de imóveis no momento. A secretaria está prospectando áreas para serem compradas pelo município. Até temos recursos no fundo para isso, mas essas áreas precisam passar por análise ambiental primeiro.

 

Bráulio Barbosa,

secretário de Habitação

"

Secretaria de Habitação

 

Segundo o secretário Bráulio Barbosa, a Secretaria da Habitação providenciou o levantamento social das famílias e constatou que pelo menos 35 delas precisam ser realocadas com mais urgência porque estão em área de risco. Mas, por enquanto, só há disponibilidade de oito lotes no bairro Paranaguamirim. Portanto, pelo menos oito famílias devem ser realocadas até final do ano.

- Nós não temos disponibilidade de imóveis no momento. A secretaria está prospectando áreas para serem compradas pelo município. Até temos recursos no fundo para isso, mas essas áreas precisam passar por análise ambiental.

“A gente vai levando até

quando Deus quiser”

 

Maria Aparecida da Silva, 58 anos, mora em Joinville há 14 anos. De Tubarão, no Sul do Estado, ela fugiu de uma enchente em que perdeu todos os bens. Acompanhada do marido, Rogério Voitt (já falecido), e dos três filhos pequenos, Maria migrou para o Norte do Estado e descobriu a ocupação no bairro Fátima. Ela e o marido montaram uma barraca às margens do rio Itaum. Permaneceram embaixo da lona por três anos, até conseguir material para construir uma casinha.

Rogério trabalhou por algum tempo com material reciclado e conseguiu uma vaga de serviços gerais em uma empresa. Cinco anos depois de chegar a Joinville, ele morreu de câncer. Hoje, Maria Aparecida sustenta sozinha os filhos já crescidos com uma pensão de R$ 500 que recebe do INSS.

No mês passado, ela conseguiu madeiras novas para substituir as velhas. A reforma na casa chamou a atenção dos fiscais que tentam impedir novas construções. Maria se esforça para não fraquejar na frente dos filhos e tenta esconder a insegurança atrás do sorriso.

– A minha preocupação de sair daqui é não ter um lugar pra ir. Onde vou botar os meus filhos e as coisinhas que a gente tem? Mas a vida da gente é assim, né, cheia de altos e baixos. A gente vai levando até quando Deus quiser. Não tenho marido, mas tenho Deus no coração e sou feliz.

Maria Aparecida com os filhos, que moram sob APP na zona Sul e esperam por realocação