Ameaça de demolição
em Pirabeiraba
Ocupação chamada de Morro do Borba,
em que vivem mais de 40 famílias em
Pirabeiraba, é alvo de ação na qual Justiça
quer a retomada da área até 20 de dezembro
A área de morro de pouco mais de 84 mil metros quadrados às margens da BR-101, no distrito de Pirabeiraba, foi ocupada na década de 1970 pela família do já falecido João Manoel Borba. A ocupação é conhecida como Morro do Borba. Dois filhos continuam morando no local com mais 40 famílias que se instalaram ao longo do tempo.
O caso foi parar na Justiça em 2003, quando a própria Prefeitura de Joinville – era a gestão Marco Tebaldi (PSDB) – denunciou ao Ministério Público de SC a existência da ocupação irregular. Um laudo foi assinado pela extinta Fundação do Meio Ambiente afirmando que se tratava de uma área de preservação permanente (APP) e que havia risco de desmoronamento.
Três anos depois, João Manoel Borba entrou com uma ação de usucapião da terra. No documento ao qual “A Notícia” teve acesso, Borba argumenta que adquiriu o terreno em junho de 1975 por meio de um contrato de compromisso de compra e venda do proprietário Norberto Lutke.
– Desde a data da assinatura do contrato, a posse do imóvel usucapiendo foi transmitida ao requerente (Borba), e vem se estendendo por 31 anos, de forma mansa e pacífica, contínua e ininterrupta, sem qualquer contestação de quem quer que seja – destaca o documento de junho de 2006.
No ano seguinte, o MP moveu uma ação civil pública por meio da então promotora de justiça do meio ambiente, Thais Cristina Scheffer, contra a administração pública – órgão encarregado de fiscalizar as áreas de APP. O MP enfatizou a responsabilidade da Prefeitura no desenvolvimento daquela comunidade por ter garantido a implantação da rua de acesso, denominada Pentecostal, e a instalação de energia elétrica.
A ação resultou em decisão liminar assinada pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública da época, Carlos Adilson Silva, determinando ao município a fiscalização contínua da área para evitar novas construções, relatório técnico classificando áreas de risco com soluções que incluíssem a transferência de famílias para outras localidades, estrutura de contenção junto a encosta e plano de intervenção e recuperação urbanística e ambiental.
Oito anos se passaram sem que a liminar fosse cumprida. Neste período, houve três gestões municipais – reeleição de Tebaldi, um mandato de Carlito Merss (PT) e quase três anos de gestão de Udo Döhler (PMDB).
Apenas quando a sentença foi proferida pelo atual juiz da 2ª Vara da Fazenda, Roberto Lepper, em maio de 2015, é que o município providenciou fiscalizações na área, embora não tenha um plano de habitação que contemple as famílias da ocupação do Morro do Borba.
O juiz que assumiu o caso tomou uma decisão enérgica. Lepper manteve a determinação de fiscalização contínua da área e não incorporou a intervenção urbanística prevista na liminar de 2007. A sentença determina a demolição das casas em 180 dias e a recuperação da área desmatada. O prazo termina no dia 20 de dezembro. Ainda que a sentença não determine a realocação das famílias, o atual promotor do meio ambiente, Marcelo Mengarda, ressalta que esta é uma obrigação da administração pública, independentemente de determinação judicial.
– Existe a necessidade de recuperar aquela área, de acordo com o juiz, e obviamente que é obrigação do município promover a realocação dessas famílias. O poder público já tomou conhecimento dessa ação em junho de 2007, quando houve antecipação de tutela do juiz determinando várias medidas.
NA JUSTIÇA
Trechos da ação que busca solução para a ocupação de área de morro de pouco mais de 84 mil m2 na zona rural de Joinville
LINHA DO TEMPO
1970
Início da ocupação. Família Borba adquire propriedade por meio de contrato de compra e venda.
2003
Prefeitura denuncia ocupação irregular em área de preservação permanente ao Ministério Público.
2006
João Manoel de Borba ajuíza ação de usucapião.
2007
MPSC ajuíza ação civil pública contra a Prefeitura de Joinville, que deveria impedir a ocupação em APP.
1ª Vara da Fazenda Pública determina à Prefeitura, por decisão liminar, a fiscalização da área para evitar novas construções, parecer técnico das áreas de risco e a transferência das famílias para outras localidades.
2015
2ª Vara da Fazenda Pública profere sentença contra o município determinando a fiscalização contínua e a demolição das casas num prazo de 180 dias. Prazo encerra em 20 de dezembro de 2015.
Defensoria Pública atua pelos moradores
A Defensoria Pública de Santa Catarina entrou com recurso de apelação em julho pedindo para o juiz suspender a decisão de desalojamento das famílias até que o recurso seja julgado no Tribunal de Justiça. O juiz Roberto Lepper recebeu o documento, mas não suspendeu a decisão por entender que os imóveis foram construídos em área de preservação permanente, "cujo local jamais poderia ter sido habitado". A defensoria estuda ainda a opção de recurso por meio do TJ, mas o tempo é curto para conseguir suspender a decisão em primeira instância.
- Tivemos o primeiro contato com as pessoas em uma audiência pública. Depois fomos até lá (Morro do Borba), conversamos com os moradores e decidimos atuar em defesa deles. Simplesmente não se pode dar seis meses para as pessoas que moram a vida inteira num lugar irem embora, não soa digno - contesta o defensor Djoni Luiz Gilgen Benedete.
O que diz a Prefeitura
Meio Ambiente
Segundo o secretário do Meio Ambiente, Juarez Tirelli, os contratos da família Borba e dos demais ocupantes da área não têm alvará de construção e registro em cartório. Ele confirma que a rua Pentecostal foi regularizada por gestões anteriores, que também autorizaram a ligação de energia elétrica. A coleta de lixo é outro serviço público que funciona no Morro do Borba. Desta vez, o secretário garante que a administração pública está cumprindo a decisão judicial.
– A fiscalização continuada está sendo rigorosamente cumprida. Eu mesmo fiz duas visitas acompanhado dos fiscais. A determinação de demolição em 180 dias está no prazo ainda e os moradores também têm a determinação de desocupar.
Com a finalidade de evitar uma instabilidade social, a Prefeitura procura alternativas para adiar o despejo das famílias. Técnicos da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) estão fazendo um estudo geológico para verificar se há possibilidade de estabilizar o terreno.
– Se isto for comprovado, teremos uma possibilidade de regularização fundiária. Mas nada é decisão final, está em análise – frisa Tirelli.
A Sema pretende recorrer ao Ministério Público e solicitar apoio na tentativa de adiar a data de desocupação estipulada pela Justiça.
A fiscalização continuada está sendo rigorosamente cumprida. Eu mesmo fiz duas visitas acompanhado dos fiscais. A determinação de demolição em 180 dias está no prazo ainda e os moradores também têm a determinação de desocupar.
Juarez Tirelli, secretário
do Meio Ambiente
Habitação
A Secretaria de Habitação de Joinville não tem um plano para receber as famílias do Morro do Borba. Segundo o secretário Bráulio Barbosa, está sendo avaliada a possibilidade de comprar um imóvel urbanizado com 30 lotes no Rio Bonito, em Pirabeiraba, onde poderiam ser realocadas algumas famílias. Porém, o valor elevado do terreno particular é obstáculo.
Como não há previsão para adquirir o imóvel, não há planejamento para realocar as 42 famílias. Segundo a secretaria, todas possuem renda até seis salários mínimos e automaticamente se enquadram em programas sociais de habitação, embora a prioridade seja para famílias com renda até três salários mínimos. No entanto, ainda assim, não há previsão de realocação a curto prazo.
“Posso encontrar um trator
pronto para demolir minha casa”
Santiago Borba, 41 anos, mora com seu caçula de 14 anos no Morro do Borba. Filho do seu João Manoel Borba, que morreu aos 72 anos, mudou-se ainda pequeno com o pai e mais 11 irmãos para o morro. Lá, plantaram, cresceram e construíram a história da família.
– Meus pais compraram essa terreno do seu Norberto e dona Elzinha Lutke. Foi aqui que nós crescemos e criamos nossos filhos.
Segundo Santiago, a própria Prefeitura teria recomendado a venda de outros lotes para possibilitar a instalação de energia elétrica. Existe um trecho da ação civil pública de 2007 que destaca o suposto incentivo da administração na época.
– Meu pai vendeu (lotes) por um preço simbólico porque a Prefeitura pediu. Era preciso no mínimo cinco casas para que a luz elétrica viesse – afirmou.
Santiago, o irmão e as outras famílias já foram notificados para deixarem as suas casas. Mas, ninguém teve coragem de sair. Eles buscam apoio no Centro de Direitos Humanos e procuram comover as autoridades com manifestações. A última aconteceu em outubro, quando famílias de quatro loteamentos irregulares se reuniram em frente à Prefeitura.
– Como é que eu vou deitar a cabeça no meu travesseiro sabendo que mais tarde posso encontrar com um trator pronto para demolir a minha casa, sendo que aqui somos cidadãos que trabalham, têm famílias com crianças, deficientes e idosos? É uma tortura. Se tem uma coisa digna é trabalhar, voltar para casa e encontrar a sua família.
Santiago é filho do comprador da área e mora na APP desde criança