| 03/08/2006 16h24min
Segundo o historiador Voltaire Schilling, o lendário Fidel Castro não é um exemplo a ser imitado pela sociedade latino-americana. Em entrevista concedida ao clicRBS sobre a situação de Cuba com a doença e o afastamento do comandante, o estudioso afirmou aos internautas que o presidente cubano despertou esperanças nos primeiros tempos da revolução, mas depois, ficou cercado e isolado.
Há três dias, o país é governado pelo irmão mais novo de Fidel, Raúl, depois de uma cirurgia de emergência e a internação do primogênito. Voltaire considera que a aposentadoria do líder representa o fim de uma época, e que a ilha deverá voltar lentamente ao caminho da democracia. O povo gostaria de integrar-se ao continente e desfrutar da sociedade de consumo.
O historiador é sintético ao afirmar que quem governa um país mais de 40 anos sempre será um ditador, por mais popular. Segundo ele, o regime de Fidel não e falido, mas inviável para o restante da América.
Sobre a trajetória do governante, Voltaire Schilling diz que fez dele um totem nacional, principalmente por resistir e manter vivo seu regime, mesmo com os boicotes externos, inclusive depois do fim da União Soviética, que o apoiava. Entretanto, diz que hoje, ele, que representou “o passado, as esperanças dos anos 60, dos anos da descolonização e dos sonhos da revolução social”, não significa mais nada para a esquerda mundial, e que “o carisma esvaziou-se”.
A entrevista online foi conduzida pelo jornalista Amauri Knevitz Jr. e moderada pela produtora Samantha Bonnel.
Confira a íntegra da conversa:
Pergunta de internauta – Há o risco de uma união entre Cuba, Venezuela e Bolívia? E qual a força deste pacto?
Voltaire Schilling – Risco para quem? Grande parte da América Latina não quer nenhum tipo de enfrentamento com os EUA, basta ver que os maiores países da região (Argentina, Brasil e México não querem saber de confusão com Bush)
clicRBS – O que representa para Cuba o afastamento de Fidel?
Voltaire Schilling – A doença de Fidel e sua aposentadoria representa o fim de uma época. Provavelmente Cuba voltará lentamente ao caminho da democracia.
clicRBS – Fidel é ou não um ditador? Por quê?
Voltaire Schilling – Quem governa mais de 40 anos um país sempre será um ditador, não importa quão popular ele possa ser.
clicRBS – O que mudaria no contexto internacional e na relação com os Estados Unidos, com uma saída definitiva do líder?
Pergunta de internauta – E você acredita que voltará a ser um “quintal” americano?
Voltaire Schilling – No presente momento, não se espera grandes mudanças. No futuro, sim, elas serão inevitáveis, mas não com um presidente americano do partido republicano.
Pergunta de internauta – Boa tarde! Há interesse do status quo cubano em mudar a administração política local, ou tenderão a preservar seus privilégios?
Voltaire Schilling – Uma coisa é Cuba com Fidel, outra é ficar sem ele. Seguramente o país conhecerá uma "desfidelização", como resultado do desaparecimento do caudilho.
clicRBS – Se for efetivado no poder, o irmão Raúl Castro manterá as mesmas políticas do antecessor?
Voltaire Schilling – Ninguém no presente pode vaticinar qual será a política do sucessor de Fidel. Teremos que esperar ainda algum tempo.
clicRBS – Se a situação de Cuba ficar como a de Israel, com o premiê Ariel Sharon afastado há um longo tempo, o senhor acha que será instituída a sucessão?
Voltaire Schilling – Em Cuba, a sucessão já foi acertada. Um exemplo claro de nepotismo caudilhista. O ditador transfere o poder para o irmão, como se fora numa monarquia.
clicRBS – Cuba não tem vice-presidente?
Voltaire Schilling – Tem vice-presidente, ainda que com outro título: é Raúl Castro, que acumula seis funções de poder.
Pergunta de internauta – Que avaliação o senhor faria deste período de quase 50 anos no poder de Fidel Castro?
Voltaire Schilling – Fidel despertou esperanças imensas nos primeiros tempos da revolução. Depois, cercado e isolado, optou por fechar ainda mais o regime. Hoje ele não é um exemplo a ser imitado pela sociedade latino-americana.
clicRBS – O que o senhor pensa da possibilidade de intervenção da Venezuela?
Voltaire Schilling – Não há a mínima possibilidade disso ocorrer. Os cubanos não lutaram meio século por sua independência para agora vir a sucumbir frente a um presidente da Venezuela.
Pergunta de internauta – A questão é o povo cubano. Fidel impôs um modelo de pensamento. O povo aceitou. A imagem do comandante não personificará a resistência?
Voltaire Schilling – O fato de Fidel Castro raramente aparecer em trajes civis mostra como ele e o regime se vêem em mobilização permanente contra os EUA.
Pergunta de internauta – O sistema imposto por Fidel durante esses anos todos é um regime falido?
Voltaire Schilling – Não diria falido, mas inviável para o restante da América Latina. Fidel tem que ser entendido no contexto da descolonização do Terceiro Mundo, um líder colocado ao lado de Nasser, de Mao, de Sukarno e de tantos outros que lutaram contra o domínio colonial.
clicRBS – Fidel disse que a revolução cubana sobreviveria a ele. O senhor concorda?
Voltaire Schilling – Sobre a sobrevivência da revolução pós-Fidel, o que se pode cogitar é que Cuba não voltará aos tempos de 1959.
Pergunta de internauta – Não importa o sistema, importa os resultados. Houve avanços, especialmente na Saúde e Educação. O povo teme mudanças?
Voltaire Schilling – Acredito que o povo cubano, submetido a um longo jejum, deseja integrar-se ao restante do continente, para também usufruir da sociedade de consumo.
clicRBS – O socialismo cubano é uma experiência bem-sucedida?
Voltaire Schilling – O socialismo cubano não gerou riqueza nem expectativas de ascensão social. A classe média, setor mais ativo e empreendedor do país, emigrou toda para a Flórida, onde goza de grande prosperidade.
clicRBS – O que Fidel representa para a esquerda internacional contemporânea?
Voltaire Schilling – Hoje, acredito que não representa mais nada. O carisma esvaziou-se com o tempo.
clicRBS – Como o regime cubano conseguiu sobreviver até hoje, apesar das sanções econômicas externas?
Voltaire Schilling – Este foi um dos feitos de Fidel. A outra razão é que quem podia mudar o regime, basicamente a gente da classe média, fugiu do país, foi para os EUA.
Pergunta de internauta – Não fosse a ajuda financeira dada pela União Soviética durante muitos anos, o regime teria condições de se sustentar por tanto tempo?
Voltaire Schilling – De fato, a URSS apoiou durante 30 anos a revolução. Mas Fidel conseguiu sobreviver mesmo sem o apoio dos russos. Ele é um totem nacional.
clicRBS – Pode haver alguma manifestação popular a favor da manutenção do regime? E contra?
Voltaire Schilling – Contra é difícil, Fidel continua muito popular e benquisto junto a população cubana.
Pergunta de internauta – O senhor não acredita que exista uma sociedade socialmente igual em Cuba, e que as pessoas gostem disto, apesar de não terem acesso ao consumo como aqui?
Voltaire Schilling – Se as pessoas gostassem do regime vigente em Cuba, não se arriscariam a navegar em balsas para a costa americana.
clicRBS – O senhor disse que, hoje, Fidel não representa mais nada para a esquerda. O que ele representou?
Voltaire Schilling – Representa o passado, as esperanças dos anos 60, dos anos da descolonização e dos sonhos da revolução social. Um passado que hoje parecer ter-se perdido no tempo.
clicRBS – Muito obrigado, professor Voltaire Schilling, pela atenção conosco e com os nossos internautas. Um abraço!
Internauta – Parabenizo o professor pelas opiniões lúcidas e esclarecidas. Posso não concordar com tudo, mas o debate contribuiu. Parabéns ao clic.
clicRBS – Obrigado!
Internauta – Foi um prazer. Espero que inteligências como esta sejam trazidas com freqüência.
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