| 05/01/2014 17h49min
No sábado, dia 4, quando a água começava a escorrer vagarosamente pelas torneiras após uma tortuosa semana de seca, o dono da empresa de caminhões pipa Só Água Potável, Jaison Willian de Assunção, 24, resolveu doar 10 mil litros de água para a Favela do Siri _ uma das comunidades mais pobres do Norte da Ilha, que fica em Ingleses. As ruas estreitas e cheias de buracos onde correm esgoto nos cantes pareciam ser o principal desafio para fazer a ação, mas o problema era maior: quase ninguém tinha caixa de água.
Caso do seu José Lauro da Silva, que aos 63 anos cata latinhas para sobreviver e esmola água nas casas dos poucos vizinhos que têm reservatórios de água. Há 20 anos na Favela do Siri, era acostumado a beber água de poços, mas com a chegada da rede de abastecimento deixou de lado esta prática, pelo bem de sua saúde. A modernidade chegou na casa do catador, mas agora ele enfrenta um novo problema:
— Já faz uns verões que tá assim. Só que essa virada de ano foi a pior, só caia umas gotinhas poucas. Banho só de balde — diz o senhor enquanto coça seu bigode branco.
O vizinho de seu José, Adinaldo dos Santos Ribeiro, de 31 anos, também sofre com o mesmo problema. Mora há um mês na favela. Antes tinha casa no Rio Vermelho, mas saiu de lá por causa dos recorrentes problemas de falta de água. Ele, sua mulher e seus cinco filhos precisam encher baldes na casa dos vizinhos, já que mesmo com a volta do abastecimento, não há pressão suficiente para que a água suba até sua caixa.
— Vim para cá, parece que ficou pior — reclama Adinaldo, que, ironicamente, trabalha como instalador de piscinas.
Adinaldo fala que o problema de abastecimento não é exclusivo de sua vizinhança e mesmo os ricos que têm piscinas em casa também passam por problemas parecidos:
— Às vezes tenho que esperar quatro dias para encherem uma piscina. Se está ruim para eles, imagina para a gente que é pobre.
Apenas duas casas ficaram com as caixas d'água cheias por conta dos problemas encontrados. Por outro lado, seu José Lauro já está avisado que pode pegar um pouco da água que Adinaldo recebeu. Já Willian, fez sua parte.
Caminhão-pipa é serviço pesado
Apesar de ter 10 mil litros de água no caminhão, Willian não conseguiu doar tudo. A Favela do Siri é tão pobre que poucos têm condições para comprar uma caixa d'água. Não bastasse isso, vários moradores que tinham reservatórios moravam em vielas tão apertadas que caminhão algum entra. Ele se esforçou, chegou a entrar em uma viela, colocando os retrovisores a 2cm dos telhados das casas, mas não foi possível.
O trabalho de Willian é puxado. Ele faz uso de pesadas mangueiras com 30m de extensão e ainda precisa escalar algumas paredes quando necessário. Desde o dia 29 de dezembro que sua empresa não para. Durante 24 horas segue a rotina de encher os caminhões em um poço próprio em São José, levar até o cliente (enfrentando o pesado trânsito de verão), instalar as mangueiras, recolher tudo e voltar para reabastecer. Por dia gasta cerca de 800 litros de combustível nas viagens. Dia 3 de janeiro era seu aniversário. Comemorou dentro do caminhão, bem como a virada do ano.
— Todo mundo queria tomar banho para o Reveillon — conta Willian.
A doação da água surgiu junto com o irmão e parceiro de empresa Carlos Alexandre Marconcini, que estava de saco cheio com pessoas pedindo para abastecer piscinas enquanto tinha gente sem condições financeiras pedindo por água. A temporada de verão é onde os dois faturam pelo ano inteiro. Podiam ganhar mais, não fosse o trânsito da Grande Florianópolis.
Para se ter uma ideia, somente no sábado em que Willian foi até a Favela do Siri, ele demorou 1h30 para chegar de São José até Ingleses, mais 1h descarregando água e outra 1h30 para voltar. Durante a reportagem, ele atendeu o telefone por quatro vezes para atender clientes. A resposta era sempre a mesma:
— A agenda tá lotada até amanhã de noite. Só posso levar água depois de amanhã.
Um dos moradores da Favela do Siri a receber a água foi o instalador de piscinas Adinaldo dos Santos Ribeiro
Foto:
Marco Favero
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