o ver o primeiro dia de publicação, um dos meninos anônimos da foto ao lado da gari se identificou. E ele fez questão de contar a própria história. Depois de 16 anos distante do Bairro Restinga, de onde mudou-se com a família dois meses depois do registro fotográfico que foi capa do Diário Gaúcho em outubro de 2000, o técnico em Informática para Internet Stephen Sigal, 22 anos, voltou ao Renascer à convite do Diário Gaúcho.
Entre abraços e lágrimas, o reencontro mostrou a importância da "mãezona" no início da trilha da vida de Stephen. Foi um presente de formatura para ele, que na data concluía o curso técnico, e de Dia das Mães, para Rozeli.
Quando o carro da reportagem parou do outro lado da rua em frente à ong Renascer da Esperança, no Bairro Restinga, na manhã desta sexta-feira, Stephen, hoje morador do Bairro Hípica, olhou pela janela, respirou fundo e desceu a passos lentos. Era o retorno dele aos seis anos de idade, quando frequentou por um ano a entidade. Com os olhos marejados, ele viu Rozeli no portão da instituição, à espera dele. Foi o sinal para que apertasse a caminhada em direção a um abraço de mais de um minuto, envolto em lágrimas, sorrisos e silêncio.
– A cada passo, veio um flash do passado. Foi nostálgico abraçar a tia e lembrar de todos os momentos que vivi aqui – comentou, emocionado, Stephen.
– Eu sabia que o "olhinho esbugalhado" ia aparecer – vibrou, em meio a risos nervosos, Rozeli.
Olhinho esbugalhado foi o apelido carinhoso dado a Stephen, quando ainda não tinha identificação, por conta da imagem dele na foto ao lado da gari. No retrato, ele está eufórico, com os olhos arregalados e um pão na mão. A alegria daquele momento ainda é lembrada por Stephen, que permaneceu na Renascer por um ano.
– Sempre gostei de articular e de conversar. Ver uma repórter e uma fotógrafa na escola foi muito especial. Fui o que mais falei naquele dia. Me senti importante porque estavam dando atenção para mim – recordou.
Lembrança
A mãe de Stephen, a vigilante Ivanessa Campos Batista, 39 anos, viu a imagem do filho no jornal e o avisou. Stephen decidiu contatar a reportagem porque se emocionou ao passar por uma banca de revistas e ver a imagem eternizada da própria infância. Queria avisar Rozeli que os ensinamentos repassados por ela foram importantes para a formação do caráter dele.
– Foi um tempo de muita diversão e de muito carinho. Eu era carente de atenção porque minha mãe trabalhava muito. A Renascer fechava antes das 17h, mas minha mãe só conseguia me pegar por volta das 18h30min. Então, era a tia Rozeli quem ficava comigo. Relembrar é viver – comentou.
Promessa
Não faltaram abraços durante a visita que durou uma hora e meia. Rozeli fez questão de mostrar a Stephen os prédios que não existiam quando ele corria no pequeno pátio onde a instituição iniciou. Ele ficou impressionado com o crescimento da ong. Na despedida, prometeu à gari voltar para ajudá-la de alguma forma. Antes, porém, quer ingressar na universidade para se tornar engenheiro de software. Acredita que, cursando o ensino superior, terá mais condições de auxiliar a Renascer e outras instituições de caridade que amparam crianças da periferia.
Recordações nas gavetas
Dois meses depois da foto, Stephen se mudou com a mãe, o padrasto e um irmão para a Vila Santa Rosa, na Zona Norte da Capital, e nunca mais voltou ao Bairro Restinga. A Renascer ficou no passado até dezembro de 2015, num momento lembrado por ele até hoje.
Depois de perder a bisavó Erta dos Santos Campos, 82 anos, com quem morava desde os 15 anos, Stephen precisou se desfazer dos pertences dela. E foi remexendo em gavetas que encontrou um recorte da antiga capa do Diário Gaúcho com a foto dele.
– Minha bisa, que eu considerava como uma mãe, guardou aquele papel com carinho no meio das roupas dela. Pena que eu acabei perdendo porque estava amarelado e esfarelando – contou.
Nem ele imaginava que, cinco meses depois, estaria novamente na capa do jornal.
Infância e família
Apegado aos bisavôs maternos Erta e Napoleão, Stephen, aos oito anos, fez uma promessa ao bisavô no leito de morte dele: cuidaria de Erta até a morte dela. E foi o que fez aos 15 anos, quando decidiu deixar a mãe para cuidar da bisa. Enferma, ela necessitava dos cuidados em casa, no Bairro Guarujá.
– Eles, junto com a minha mãe e a minha avó, são a base da minha vida. Eu não seria nada sem eles – garante.
De Napoleão, Stephen guardou a lição que levou para a vida:
– Um dia, ele me deu um boné e me alertou que aquele era um presente, mas que não era meu. Que eu precisava estudar e trabalhar para conquistar as minhas coisas.
Stephen ficou com a bisavó até 4 de dezembro de 2015, quando ela partiu, vítima de falência múltipla dos órgãos motivada por doença de Alzheimer. Hoje, mora com a avó materna Sandra Alcione Campos, 64 anos, no Bairro Hípica, a 7km da sede da Renascer da Esperança.
Trabalho
Considerando-se um "nerd", Stephen sempre gostou de estudar. Só repetiu de ano na segunda série, quando teve pneumonia e ficou cinco meses internado num hospital. Depois, na sexta série, perdeu o ano porque a mãe, que na época trabalhava como camareira, mudou-se no meio do ano para outra cidade.
Sempre auxiliado pelos avôs, ele começou a trabalhar no ano passado para pagar o curso técnico. Atuou como chapista numa lancheria na Zona Sul, mas desistiu. Abriu a própria pequena empresa especializada em desenvolver páginas para a internet. É uma das paixões dele. Hoje, atua como freelancer na área, mas precisa de um estágio de 300h para concluir o curso técnico. Está à procura. Não desiste.
– Ainda serei um engenheiro internacional de software – afirma, convicto.