“Agora, a gente sabe qual é a missão da RENASCER

Fundadora da ong Renascer da Esperança, no Bairro Restinga, a gari Rozeli da Silva, 52 anos, era quem mais tinha curiosidade em saber o que ocorreu com as 13 crianças que estiveram com ela na primeira foto da ong publicada no Diário Gaúcho, em 3 de outubro de 2000. Ao longo da apuração da reportagem, ela foi incansável para ajudar a encontrá-los.

 

Sem registros das primeiras crianças que fizeram parte da instituição, Rozeli saiu com a foto de porta em porta perguntando aos vizinhos se conheciam aqueles rostos sorridentes. Da imagem, conseguiu reconhecer cinco pequenos depois de algumas conversas.

 

Assim como as crianças, Rozeli, que é viúva e tem cinco filhos, dez netos e dois bisnetos, teve uma trajetória de mudanças nestes quase 16 anos. Na época da reportagem, ela não sabia ler nem escrever. Por conta desta barreira, costumava dizer que o próprio nome era com S quando, na verdade, era com Z. Foi Jô Soares, enquanto a entrevistava para o programa da Rede Globo, quem viu a identidade da gari e a corrigiu.

 

Com a criação da Renascer, Rozeli percebeu que precisava estudar. Hoje, quase encerrando o ensino médio, sonha em ingressar numa universidade. Quer ter ainda mais conhecimento para ampliar o projeto que completa duas décadas neste ano. Calcula já ter ajudado mais de 10 mil crianças e adolescentes ao longo deste período. A maior parte deles a chama de mãe ou tia.

 

Basta parar no portão da entidade, que tem duas sedes no Bairro Restinga _ uma que funciona como creche e outra, como área de atividade no horário inverso ao da escola _, para a gari receber abraços e beijos de quem passa. De crianças a adultos, os que passaram pela Renascer fazem questão de cumprimentar a mulher que, apesar do jeito turrão distribuído em 1,50m, tem um coração gigante.

 

Ao saber do destino de nove das 13 crianças da foto, Rozeli emocionou-se. Entende não ter culpa pelo destino dos que já se foram. Garante que fez o possível para dar momentos felizes a eles, em meio à tristeza de vidas castigadas pela fome e pela miséria.

Diário Gaúcho - Quando você olha esta foto, quase 16 anos depois, o que você lembra?

 

Rozeli da Silva - Me vem à mente que os anos passaram, e que não lembro da maioria deles. Era muita criança naquela época, que frequentavam no turno inverso ao da escola. Dá para ver nos olhos deles, esta felicidade. Eles se quebravam para me abraçar. Eles eram felizes na Renascer, tenho certeza.

 

O que você pretendia com a Renascer naquela época?

 

Muitos estavam em situação de vulnerabilidade social. Tinham dificuldades para ter alimento. Era o lugar que eles sabiam que teriam o que comer. Eu dava roupa e os vestia. Eu ajudava. Mas era uma coisa de recreação. Se veio, veio. Se não veio, não veio. Não tinha um trabalho, um plano pedagógico. Que era ter estas crianças e dar comida. Eu acho que a pior coisa é sentir fome, que nem eu senti. Então, me importava era que estivessem de barriga cheia e que fossem para o colégio.

 

O que mudou daquele período para agora na Renascer?

 

Acho que eu poderia ter feito mais. Naquela época, era só tirar da rua e dar alimentação e recreação. Hoje, não. Vejo que não é só isso. Tenho que qualificá-los para o mercado de trabalho. Não é só dar música, futebol e arte. Preciso fazer com que eles se formem para trabalhar.

 

O que você pensa sobre estas crianças da foto que morreram? Há culpados por estas mortes?

 

Contei 17 jovens dentro da minha ong que já estão falecidos. Não foi falha minha. Muitos deles saíram da Renascer sem ter os 14 anos de idade. Aqui é uma exigência eles estarem no colégio, mas há negligência das mães. Você chama a família e eles não querem assumir a responsabilidade com o filho. É mais fácil jogar a culpa nas entidades e nas escolas. A família falha. Eu não falhei.

 

E o futuro das crianças que hoje estão na Renascer?


Na época destes da foto, só oferecíamos atividades até os 14 anos de idade. Mal tínhamos condições de oferecer o café da manhã e o almoço. Hoje, não. Com toda a dificuldade, a gente consegue dar o café, o almoço, o café da tarde e quero dar a janta. Nas não é só isso. Agora, a gente sabe qual é a missão da Renascer: colocar estas crianças no mercado de trabalho. Agora a gente sabe que tem um plano pedagógico, que tem o ensinamento da cultura, de como se comportar, como fazer um currículo, como ir trabalhar.

 

O que fica desta reportagem?

 

Não queria que nenhum deles tivesse falecido, que ele todos estivessem aí. São todos jovenzinhos. Que tem um monte de coisa pela frente. Um monte de vida pela frente. Então vamos tentar salvar estes agora, né? Estes que estão aqui.

"Precisamos de mais Rozelis"

 

Suzana, Gabriele, Graziela, Marcele, Wesley, Sara, Sofia, Lucas Gabriel, Erick, Gabriel, Ícaro, Michael, Nicholas, Kênia, Larissa, Giovana, Julia, Diuli, Wanderson Samuel, Rafael e Adriano fazem parte da nova geração da Renascer da Esperança. Assim como as crianças de quase 16 anos atrás, elas são felizes na instituição. Mas o que ocorrerá com elas no futuro?

 

Instigados pela reportagem, especialistas  envolvidos com a questão social comentaram o que pode ser feito para que nenhuma criança da periferia passe pelos sofrimentos enfrentados por parte destas crianças retratadas na reportagem.

 

Para o ex-procurador-geral de Justiça Roberto Bandeira Pereira, que faz parte do Movimento Sepé Tiaraju - uma união de entidades disposta a desenvolver ações em prol da educação para a paz - , o caminho é um investimento concentrado, e de todos, na educação integral, com ação conjunta envolvendo a família, escola, sociedade civil e Estado.

 

Nossas crianças e jovens precisam de modelos dotados de virtudes. Malfeitores não podem continuar a serem vistos como heróis sustenta.

 

Já a psiquiatra Anahy Fagundes Dias Fonseca afirma que é necessário reconectar-se individualmente com valores universais como a justiça e a caridade:

 

Buscando nos (re)educar, educaremos nossas crianças e poderemos mudar nossa realidade. Para algumas crianças na reportagem, a experiência na Renascer foi fundamental. Precisamos de mais "Rozelis"!

 

A advogada na área da família Adriana Silva resume:

 

Se unirmos a força da família, da escola e dos cidadãos engajados, como é o caso de Rozeli, podemos ter como certa a mudança positiva dos rumos de muitas crianças e adolescentes.

 

 

Para ajudar a Renascer da Esperança

 

Prestes a completar 20 anos, a Renascer da Esperança atende a mais de 300 crianças, entre educação infantil e horário inverso ao da escola, em quatro diferentes prédios. Para manter as portas abertas e pagar os 36 funcionários, Rozeli depende de convênios com a Fasc e a Smed, captação de recursos para projetos e, principalmente, precisa de doações espontâneas. São aceitos materiais escolar, de higiene, de limpeza, de escritório, alimentos de todos os tipos, roupas e calçados.

Telefone: 3289-4821 e 8586-9242 (com WhatsApp)

 

E-mail: ongrenascer@terra.com.br

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