| 17/11/2010 22h10min
Num Maracanã abarrotado de rubro-negros, o jovem Roberson (foto) vence o experiente Bruno e coloca o Grêmio em vantagem. Um minuto depois, num Beira-Rio cheio de expectativa, Alecsandro golpeia de cabeça e faz 1 a 0 diante do Santo André - placar suficiente para o Inter alcançar a taça do Brasileirão. Mas o Grêmio, sem pretensões na competição, venceria e entregaria o tetracampeonato para o rival?
Antes mesmo de a bola rolar naquele 6 de dezembro de 2009, era essa a polêmica da semana no país. Este ano, a situação e os interesses se invertem: o Inter, pensando no Mundial, enfrenta o Botafogo, adversário do Grêmio por uma vaga ao G-4. Impulsionada pela rivalidade, a discussão emerge com força novamente.
Assim como boa parte do time do Grêmio naquela partida, o técnico também não era titular. Com a saída de Paulo Autuori, Marcelo Rospide assumiu o Grêmio nas rodadas finais, com bom aproveitamento. Sobrou para ele encarar a pressão sobre seus comandados na última partida do campeonato. O Grêmio surpreendeu, saiu na frente, com gol de Roberson. Mas David e Ronaldo Angelin viraram para o Flamengo e garantiram o título carioca.
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Para o técnico, o Grêmio conseguiu safar-se bem da polêmica em que foi colocado. Ele elogia a postura trabalhada na semana e executada no domingo:
— Nosso foco era fazer um jogo com responsabilidade, equilibrado — conta Rospide, que, com 39 anos, hoje aguarda propostas de trabalho em Porto Alegre. — Montamos uma estratégia que acabou dando credibilidade ao campeonato.
> Confira abaixo trechos da entrevista com Marcelo Rospide:
clicEsportes — Era para ser apenas mais um jogo para o Grêmio, o encerramento do Brasileirão. Mas a disputa do título nacional por terceiros aumentou o protagonismo do seu time. Como foi ficar naquele "fogo cruzado"?
Marcelo Rospide — Na verdade, se colocou uma responsabilidade que o Grêmio não tinha. Não lutávamos por nada no campeonato, nem vaga à Libertadores. A questão ou não de ganhar do Flamengo para favorecer ou prejudicar o Inter era irrelevante naquele momento. Existe um código de ética dos profissionais do futebol. Nós sempre jogamos para vencer. Eu não sei fazer futebol de outra forma.
clicEsportes — E a semana que antecedeu o jogo? Como foi o ambiente?
Rospide — A pressão foi muito grande. De parte de gremistas, pedindo que entregassem. E também de colorados, que me abordavam, pedindo "pô, professor, tem que ter responsabilidade...". A postura que eu adotei na semana foi fazer um jogo dentro da normalidade, ou seja, jogar para ganhar. O Flamengo era favorito, de qualquer maneira: jogava pela vitória, em casa, 80 mil pessoas a favor, contra uma equipe sem interesse total no jogo. Se analisarmos do ponto de vista da probabilidade, a probabilidade era o Flamengo ganhar do Grêmio. Até porque o nosso time foi descaracterizado, por uma decisão da direção de liberar alguns jogadores.
clicEsportes — Você falou em time descaracterizado. Qual era o time? Muitos jovens, certo?
Rospide — Eu joguei, sim, com um time jovem. Havia o Túlio, o Fábio Santos também, de mais experientes. O time: Marcelo Grohe; Mário Fernandes, Thiego, Léo, Fábio Santos; Adilson, Túlio, Lúcio, Maylson, Douglas Costa; Roberson. Foi uma formação inédita. De certa forma, o recado que se passou externamente foi: "esses aí vão perder". Mas isso era um sentimento de fora. Nós, claro, pensávamos diferente. Eticamente falando, jamais poderia induzir que nós deveríamos não ganhar o jogo. Pelo contrário. Jogamos para vencer.
clicEsportes — E quando esses jovens souberam que iam jogar?
Rospide — A definição interna ocorreu no início da semana. Eles estavam ansiosos pela oportunidade, mais do que pelo resultado. O próprio Roberson (autor do gol, 20 anos na ocasião) praticamente não tinha jogado ainda. E atuar num Maracanã lotado é indescritível, todos os olhos voltados para nós. A ansiedade se deu mais pelo jogo em si. Não que a gente não dava bola, mas o resultado não era o nosso foco.
clicEsportes — Se os três pontos não eram essenciais, qual era o foco realmente?
Rospide — Nosso foco era fazer um jogo com responsabilidade, equilibrado. E assim o fizemos. O Flamengo venceu numa bola parada. Mesmo com a derrota, montamos uma estratégia que acabou dando credibilidade ao campeonato - era uma preocupação que eu tinha.
clicEsportes — Em que se baseava essa estratégia?
Rospide — A preocupação era não fazer um jogo vexatório. Se ocorre uma goleada, com certeza ia cair sobre os profissionais a responsabilidade. Ninguém iria acreditar, por mais que o Flamengo fizesse um jogo de exceção. Falariam que os profissionais haviam entregado o jogo. No fim, a situação acabou sendo boa para o Grêmio, e até para os jogadores e nós, profissionais. Por exemplo, a gente não sabe o que poderia acontecer, no sentido de violência, na volta a Porto Alegre, se tivéssemos vencido. Ao mesmo tempo, não poderíamos entrar em campo de outra forma. Tivemos toda a responsabilidade e a ética profissional. Jogamos sem nos preocuparmos com essa questão de deixar o Inter ser campeão. Até porque havia outros times na briga.
Enfim, o Grêmio, nós e os meninos, todos poderiam pagar um preço muito caro no futuro devido a uma eventual postura displicente. E isso, sim, me preocupava. Eu, como um profissional criado no Grêmio, não admitiria jamais ver o clube tomando uma atitude diferente da que tomou. Seria um demérito, uma desonra.
clicEsportes — Como foi a conversa no intervalo? O 1 a 1 dava o título ao Inter.
Rospide — Os jovens estavam surpresos. Dava até para ganhar o jogo, do jeito que estava, o nosso time melhor. O Flamengo sentiu. A orientação no vestiário foi de manter o equilíbrio e seguir o que estávamos fazendo.
clicEsportes — No fim de toda a polêmica, como você avalia as consequências?
Rospide — No final das contas, deu a lógica. Ou seja, o Grêmio ir lá e não ganhar. Deu a lógica, mas com, digamos, toques de crueldade devido às circunstâncias do jogo: até um determinado momento o Inter era campeão e, depois, a coisa virou. No entanto, a partir do segundo gol flamenguista, não tínhamos força como equipe para reverter a situação. Historicamente, aquele dia ficou como a única vez em que o torcedor do Inter vibrou com gol do Grêmio.
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