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Na UFSC, órgãos de controle veem brechas para ilegalidade
A
s fundações de apoio universitárias, entidades sem fins lucrativos, recebem vultosos repasses financeiros da União todos os anos, que deveriam ser aplicados integralmente para o estímulo à pesquisa. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) são movimentados cerca de R$ 195,8 milhões pelas quatro principais fundações que atuam no maior campus do Estado, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Mas, apesar do grande volume de dinheiro, a instituição ainda sofre com a falta de transparência e com falhas nos processos de prestação de contas. Tais vulnerabilidades são consideradas, pelos órgãos de controle, brechas para atos irregulares.
Atualmente a que mais mobiliza recursos dentro da UFSC é a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), que em 2014 teve, sozinha, R$ 137,7 milhões em despesas executadas. Trata-se daquela com a maior receita entre fundações do Sul do Brasil, cujas dez maiores receberam juntas cerca de R$ 515 milhões no ano passado. Atuam também dentro da universidade a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc), a Fundação de Estudo e Pesquisas-Sócio-Econômicas (Fepese), a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi) e a Fundação José Anthur Boiteux (Funjab).
A Fapeu já é investigada tanto pelo Ministério Público Federal (MPF) quanto pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) por supostas irregularidades na aplicação de verba pública em repartições da universidade. A 25ª Promotoria de Justiça da Capital, do MPSC, investiga a fundação por suposto fornecimento de “bolsas permanentes” de pesquisa e extensão a professores com dedicação exclusiva à universidade. De acordo com informações da promotoria, há possibilidade de que os recursos repassados tenham se tornado rotineiros, funcionando como uma espécie de salário fixo aos beneficiários, o que contraria a lei. A apuração começou em 2013, a partir da denúncia de um cidadão. A instituição, no entanto, prefere não fornecer mais detalhes que possam comprometer a investigação e também não informa se e quando vai prestar a denúncia.
O MPF também analisa denúncia contra a fundação, mas afirma que os trabalhos estão apenas no início e também se recusa a fornecer mais dados. Para o procurador André Bertuol, que atua no MPF de SC, o relacionamento entre a UFSC e suas fundações de apoio está bastante atrasado quanto à regulamentação e transparência na prestação de contas. Segundo ele, elas ainda não foram cobradas de forma ideal por todos os órgãos de controle, tampouco realizaram uma autocobrança rígida. Conta também que já tentou verificar dados em seus sites na internet e diz que “transparência não é seu forte”.
− Universidade e fundações são grandes fabricantes de produtos acadêmicos. Mas há de se questionar a validade desses produtos, se realmente foram necessários ou se serviram apenas para complementar salários de professores e servidores das universidades. A nossa impressão histórica com relação a elas tem sido de esquivamento quando o assunto é transparência. Por outro lado, a atual gestão tem se esforçado e tem sido a mais colaborativa na aproximação da disposição para regulamentar corretamente estes problemas − afirma Bertuol.
CGU requer providências
da Universidade
O mais recente relatório da regional catarinense da Controladoria Geral da União (CGU), referente às contas da UFSC de 2013 (a de 2014 ainda está sendo produzida), assinala uma série de pontos a serem aperfeiçoados pela universidade em seu relacionamento com as fundações de apoio de modo a prevenir suspeitas como as mencionadas acima.
O Plano de Providências Permanentes da UFSC, um documento da CGU que elenca recomendações de aprimoramento na prestação de contas da universidade, estabelece “oportunidades de melhoria” na circulação de recursos entre fundações e a universidade. Entre as recomendações estão o impedimento de novos contratos e convênios com entidades que estejam inadimplentes e maior transparência na divulgação de informações sobre projetos em andamento.
A CGU também alerta que a UFSC descumpre hoje a legislação por não atualizar os dados no Sistema de Convênios do Governo Federal, um sistema digital de controle que permite a qualquer pessoa se informar sobre todos os órgãos e entidades que realizam transferências de recursos que tenham origem no Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União por meio de convênio, como é o caso das fundações. A reportagem pesquisou no portal transparência da CGU e, de 98 projetos, somente cinco tinha links para o Siconv.
“Sobre o assunto, deve-se, ainda, salientar que, além da exigência legal, a inserção dos dados relativos à execução física e financeira dos convênios/contratos firmados com suas fundações de apoio só viria a contribuir para dar transparência aos volumosos repasses financeiros realizados da UFSC para as fundações de apoio, sendo este tema (transparência da relação da UFSC com as fundações de apoio), inclusive, objeto de reiteradas recomendações do Controle Interno e até hoje não atendido”, escrevem auditores da CGU no documento.
O que diz a UFSC
Entrevista com Carlos Vieira, chefe
de gabinete da reitoria
Hoje de que forma a UFSC tenta solucionar problemas de transparência referente a prestação de contas?
Evidentemente que temos algumas recomendações da CGU no que diz respeito às bolsas e também em relação aos convênios (com as fundações). Quanto as bolsas, desde 2012 nós desenvolvemos um sistema que automaticamente pega os salários de cada professor através do CPF para que cada fundação tenha elementos credenciados em que para evitar que o valor ultrapasse o teto. Anterior a este sistema temos alguns processos em andamento, no qual alguns professores estouraram o teto dos servidores e agora estamos tentando corrigir isso através de processos administrativos, levantados pela CGU, e nós encaminhamos para que eles devolvessem o dinheiro ou justificassem. Está tudo em processo de análise. Como envolve direito administrativo e os envolvidos têm amplo direito de defesa, não posso fornecer mais detalhes a respeito disso. Em relação à transparência dos convênios, nós estamos caminhando para usar o Siconv, onde as notas já são inseridas pela internet. Existe uma resistência das fundações, evidentemente, porque você precisa ficar online prestando conta do processo. Atualmente temos diversas prestações de conta, por volta de 350 convênios e contratos, que estão sendo levantados pela pró-reitoria de administração.
A UFSC ainda peca em lançar os dados no Siconv. Eu, por exemplo, não consegui acessar vários processos. O que a universidade está fazendo a respeito disso?
Na verdade, através de uma nova resolução vamos prever como as prestações de contas deverão ser feitas e possivelmente será fixado o encaminhamento dos dados para este sistema (Siconv). Atualmente as fundações disponibilizam os dados. Nós temos alguma coisa dentro da Proad, mas pra nível de acesso, você não assegura que as informações estarão completamente acessíveis. Por isso temos que estabelecer o encaminhamento para um sistema único do governo, e isto está em andamento.
A CGU hoje elenca uma série de medidas para que a prestação de contas e a transparência da UFSC melhores. O que está sendo realizado neste sentido?
Desde que entramos na nova gestão, de 2012 para cá, nós reduzimos de cerca de 186 recomendações da CGU para 106. E acreditamos que até o final desta gestão, iremos chegar a um número mínimo dessas recomendações. Nós temos trabalhado em vários aspectos. Na transparência, na prestação de contas, no patrimônio, este que sempre foi um problema para a universidade. Então agora estamos com uma equipe técnica resolvendo a regularização fundiária da universidade. Nessa gestão, decidimos manter um corpo técnico permanente e não como eram feitas anteriormente, como manter uma comissão de professore para problemas pontuais, o que não se mostrou efetivo. Agora estamos contratando servidores técnicos pra cuidar destas situações.
Quais obstáculos o senhor enxerga hoje entre universidade e fundações que emperram a adequada prestação de contas?
Hoje já vencemos bastantes os obstáculos. Temos que pensar que a universidade por muito tempo pensou o seguinte: “eu apenas recebo os recursos”. Mas hoje ela pensa que é corresponsável pelo bom uso deste recurso, que é público. Tanto universidade quanto fundações devem entender isso.
Entrevista: Carlos Alberto Rambo, chefe regional da CGU em SC
No último relatório referente ao exercício de 2013, a CGU apontou diversas falhas de transparência e análise de contas internas da UFSC, especialmente com relação às fundações de apoio e auditoria interna. De lá para cá, a universidade tem apresentado melhoras?
Primeiramente, cabe ressaltar que esta Controladoria está realizando o acompanhamento do atendimento das recomendações constantes dos Relatórios de Auditoria. Algumas falhas apontadas no citado relatório são recorrentes, tendo sido identificadas em exercícios anteriores e que ainda não foram resolvidas pela Unidade.
Com a falta de transparência na prestação de contas, é muito mais fácil a ocorrência de irregularidades, inclusive casos de corrupção entre universidade e fundações. Quais são os fatores prioritários para impedir que isso aconteça?
De um modo geral, pode-se dizer que é necessário o cumprimento integral da legislação já existente. A Lei nº 8958, de 20 de dezembro de 1994, regulamentada pelo Decreto nº 7423, de 31 de dezembro de 2010, já trazem uma série de obrigações tanto para as Instituições Federais de Ensino quanto para as Fundações de Apoio.
Há alguma maneira de professores, estudantes e a comunidade universitária ajudarem a fiscalizar os recursos públicos que transitam na universidade e nas fundações, uma vez que os canais de transparência são poucos ou limitados?
Por meio da Ouvidoria-Geral da União são recebidos denúncias, solicitações, sugestões, reclamações e elogios referentes aos serviços públicos federais em geral, que envolvam ações de agentes, órgãos e entidades (inclusive fundações de apoio).
Para isso, os cidadãos, devem acessar o Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal no seguinte endereço: http://www.cgu.gov.br/assuntos/ouvidoria/fale-com-a-ouvidoria. O sistema funciona 24h e permite acompanhar o andamento de uma manifestação já cadastrada. Para utilizar o e-Ouv, não é necessário se cadastrar. Porém, quem realiza o cadastro tem acesso ao histórico das suas manifestações.
Há opção de informar o nome, ou fazer uma manifestação anônima. Se fizer uma manifestação identificada, poderá acompanhar o andamento e conferir a resposta no próprio sistema, ou no e-mail que informar.
A comunidade em geral pode se utilizar de sites como o Portal da Transparência, além dos sites da própria Universidade e das Fundações de Apoio. Adicionalmente poderá ser utilizada a Lei de Acesso à Informação, que regulamentou o direito de obter informações públicas.
Num cenário hipotético e ideal, o que a UFSC e as fundações de apoio deveriam providenciar para permitir maior transparência e clareza na prestação de contas?
A plena divulgação dos projetos por parte da UFSC e das fundações de apoio permite maior transparência ativa, facilitando o acompanhamento das partes interessadas e pela sociedade.
A universidade, por meio do Órgão Colegiado Superior, deve tornar públicas as informações sobre sua relação com a fundação de apoio, explicitando regras e condições, bem como a sistemática de aprovação de projetos, além dos dados sobre os projetos em andamento, tais como valores das remunerações pagas e seus beneficiários.
Cabe destacar, ainda, que, nos projetos desenvolvidos por meio das Fundações de Apoio, estas também são responsáveis pela divulgação dos instrumentos contratuais, relatórios de execução dos contratos, relação de pagamentos e outras informações necessárias para a transparência dos gastos.