| 15/06/2005 12h13min
O cientista político Flávio Silveira defende uma revisão da reforma política. Em entrevista online no clicRBS nesta quarta, dia 15, doutor pela Universidade de São Paulo, comentou o depoimento de Roberto Jefferson (PTB-RJ) no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e afirmou que o deputado atua como um ator dramatúrgico.
– Se for introduzido o financiamento público das campanhas e for mantido o atual sistema de controle dos gastos eleitorais, teremos uma situação piorada. As doações via caixa dois das empresas continuarão e o dinheiro público poderá ser utilizado indevidamente pelos partidos e pelas siglas de aluguel – entende.
No depoimento, Jefferson revelou um suposto acordo entre PT e PTB para o financiamento da campanha eleitoral de 2004. O acerto envolveria R$ 20 milhões (o dinheiro seria proveniente do Banco do Brasil e do Banco Rural) e a contribuição não foi contabilizada nas prestações de contas.
Em relação às declarações do presidente do PTB, Silveira disse que o político foi muito eloqüente. Entretanto, afirmou que ele não apresentou provas que confirmem as suas afirmações.
– O assunto é muito explosivo e provoca tensão. Roberto Jefferson utilizou uma estratégia política: ele quer mais espaço no governo, quer mais benefícios e está jogando com o seu peso político para tentar obter – analisa.
Silveira comentou também a atuação do Conselho. O especialista acredita que o assunto em pauta foi desviado em função da pressão e das intervenções de parlamentares.
– Há interesses envolvidos. O acusado agiu como acusador, invertendo a situação inicialmente estabelecida – finalizou.
Confira a íntegra da entrevista.
Pergunta - Qual a avaliação do depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB) no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados?
Flávio Silveira - O deputado foi muito eloqüente, apresentou alguns detalhes, mas não apresentou provas que confirmem as suas afirmações.
Pergunta - Existe alguma diferença, então, entre as denúncias realizadas na Câmara dos Deputados em relação às reveladas à imprensa?
Flávio Silveira - A diferença é ainda pequena: o detalhamento de algumas situações.
Pergunta (internauta) - O fato do deputado ter experiência de advogado criminal e ter rebatido todas as perguntas. Achas que isso pode trazer algum peso na decisão?
Flávio Silveira - Isto não muda o essencial. Ajuda o deputado ter um bom desempenho nos seus depoimentos mas a sua situação é difícil. As decisões devem decorrer de provas e da relação de forças políticas
Pergunta - Este detalhamento já é suficiente para avançar nas investigações ou ainda é necessário aguardar a CPI? As acusações não têm valor sem provas?
Flávio Silveira - Na Comissão de Ética o tema é a falta de decoro do deputado. O foco é outro. Nas duas CPIs é que teremos investigações das denúncias feitas por ele. As acusações sem provas não tem valor, mas a investigação pode conduzir às provas, que podem ser testemunhais ou documentais.
Pergunta - A sessão desta terça foi convocada pelo presidente do PL Valdemar Costa (SP). A idéia era avaliar se o deputado Roberto Jefferson quebrou o decoro parlamentar. O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar cumpriu o seu papel? Os trabalhos foram bem conduzidos? O regimento interno foi respeitado? Bate-bocas, acusações pessoais e até gritos surpreenderam o público que assistia os trabalhos.
Flávio Silveira - O assunto é muito explosivo e provoca tensão, pois parlamentares estão sendo acusados de agirem de forma irregular ou criminosa. O Conselho desviou, muitas vezes, do assunto em pauta, em função da pressão e das intervenções de parlamentares e da condução da mesa. Há interesses envolvidos. O acusado agiu como acusador, invertendo a situação inicialmente estabelecida.
Pergunta (internauta) - Por falar em provas: a super valorização do deputado em prova testemunhal, não faz sentido. Como podemos acreditar em discurso testemunhal sem provas? Testemunhas até PC Farias tinha.
Pergunta - Roberto Jefferson alterou momentos de veemência, tranqüilidade, ironia e segurança. O senhor acredita que ele esteja falando a verdade? O quê pode acontecer com o parlamentar se as denúncias não forem confirmadas?
Flávio Silveira - É sempre difícil à prova testemunhal, pois não se sabe se as testemunhas estão dizendo a verdade. Mas o contexto de provas ajuda os decisores a emitir um juízo. O deputado Jefferson é muito preparado. Age como um ator dramatúrgico. Não se sabe até que ponto está falando a verdade e em quais aspectos está mentindo. Se as denúncias não forem confirmadas o parlamentar poderá ser cassado e sofrer processo por corrupção em função das denúncias do esquema dos Correios e da doação de verbas para a campanha do PTB.
Pergunta (internauta) - Não seria hora do povo sair as ruas e exigir punição aos culpados?
Flávio Silveira - Acredito que sim. O povo deve exigir a punição dos culpados. Neste caso é mais abrangente, pois o sistema político brasileiro funciona com base em doações de empresas para as eleições que abrem espaços para estas situações.
Pergunta - Uma revelação importante de Roberto Jefferson foi o detalhamento do acordo entre PT e PTB para o financiamento da campanha eleitoral de 2004. O acerto envolvia R$ 20 milhões, mas apenas a primeira parcela de R$ 4 milhões teria sido paga (o dinheiro seria proveniente do Banco do Brasil e do Banco Rural). A contribuição não foi contabilizada nas prestações de contas. Isso é apenas mais um caso de irregularidade ou revela também a necessidade de uma reforma política?
Flávio Silveira - Esta situação é fruto do nosso sistema político eleitoral. A reforma política é necessária, mas deve-se estudar muito os novos termos legais para que a situação não piore.
Pergunta (internauta) - No caso do deputado ser cassado, o PTB sofre algum impacto?
Flávio Silveira - O PTB já está sofrendo um grande impacto, que poderá resultar em redução do seu tamanho, da sua força eleitoral, da sua expressão política no Congresso, etc.
Pergunta - A reforma política que está em discussão no Congresso Nacional pode piorar o atual sistema político? Que termos legais devem ser estudados?
Flávio Silveira - Se for introduzido o financiamento público das campanhas e for mantido o atual sistema de controle dos gastos eleitorais, teremos uma situação piorada, pois as doações via caixa 2 das empresas continuarão e o dinheiro público poderá ser utilizado indevidamente pelos partidos e pelas siglas de aluguel.
Pergunta - Por que Roberto Jefferson poupou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e concentrou as acusações em José Dirceu (chefe da Casa Civil) e Delúbio Soares (tesoureiro do PT)?
Flávio Silveira - Em função de uma estratégia política. Roberto Jefferson quer mais espaço no governo, quer mais benefícios (seja neste governo ou no próximo) e está jogando com o seu peso político para tentar obter isto.
Pergunta - O senhor entende que ele ainda tem condições de continuar no atual governo? O governo e o PT não podem tomar atitudes contra o deputado?
Flávio Silveira - É uma situação muito pouco provável, mas as suas ações sinalização para a preservação de Lula para novas alianças e para a guerra com os dirigentes do PT. Pode-se deduzir que ele busca novas composições. Sua estratégia ainda não está muito clara, nem suas motivações. Mas é o que pode-se deduzir de suas ações até o momento. Podem e devem tomar atitudes contra o deputado, mas estão ainda atordoados com a situação, sem uma estratégia clara.
Pergunta (internauta) - Até quando isso vai continuar e o povo ande fica nessa historia. E em relação a o governo de que forma isso vai repercutir?
Pergunta - Qual o motivo para a existência de tantos casos de corrupção no Brasil. A estrutura do Estado contribui para esta prática ou é o problema está nos valores das pessoas?
Flávio Silveira - As duas coisas: o sistema político tem muitas brechas para isto e é forte uma cultura política patrimonialista em que o Estado é utilizado pelos privados para benefícios particularistas pessoais ou grupais.
Pergunta - Como as denúncias podem influenciar as próximas eleições? O governo entendia que as investigações corriam o risco de virar um palanque eleitoral. O argumento tinha fundamento ou era utilizado como desculpa?
Flávio Silveira - Nenhum governo gosta de ser investigado. E, é claro, que sempre as oposições aproveitam a situação de investigação para desgastar o governo que está sendo investigado. Faz parte das regras do jogo político.
Pergunta - Numa resposta anterior, o senhor falou que em muitas vezes o Conselho desviou o assunto em pauta. O senhor acredita na cassação de Jefferson?
Flávio Silveira - Dependerá da relação de forças a ser estabelecida na Comissão e no Congresso. Este quadro ainda não está definido. Depende das provas e da força dos deputados da situação e da oposição nas duas CPIs.
Pergunta - A situação do governo está complicada? A revista IstoÉ Dinheiro publicou uma entrevista com Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária do publicitário Marcos Valério, apontado pelo deputado Roberto Jefferson como um dos operadores do Mensalão. Ela teria testemunhado saída de dinheiro para integrantes de governos além de encontros entre estas pessoas e Valério.
Flávio Silveira - Isto pode complicar a situação dos denunciados por Jefferson. Certamente a funcionária Fernanda prestará depoimento na CPI e se suas declarações forem consideradas convincentes, poderão contar como prova testemunhal
Pergunta - E as denúncias podem influenciar as próximas eleições? Como?
Flávio Silveira - Podem influenciar muito as próximas eleições. O como dependerá do desfecho das CPIs. O governo vinha mantendo níveis de aceitação razoáveis e a popularidade do Presidente mantinha-se bem. As oposições não tinham candidatos fortes. Se o governo sair muito desgastado do episódio, as oposições podem crescer nas eleições.
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