| 11/04/2012 10h01min
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram hoje o julgamento de ação que descriminaliza o aborto de fetos anencéfalos. A sessão foi suspensa com cinco votos favoráveis e um contra a liberação do aborto. A votação será retomada nesta quinta-feira, às 14h.
O projeto tramita há oito anos e divide opiniões não só nas esferas jurídicas e científicas, mas também entre religiões, profissionais da biologia e da sociologia. Desde 1989, já foram pedidas 10 mil autorizações judiciais no Brasil para interromper gestações nessas condições. Atualmente, cada caso é analisado subjetivamente, conforme a interpretação de cada juiz ou promotor.
Votação dos ministros
Marco Aurélio Mello — Relator do processo votou a favor da interrupção da gravidez de anencéfalos e defendeu o direito de escolha da mulher:
— Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez.
O ministro ainda separou a Igreja do Estado:
— O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é simplesmente neutro. (...) A crença religiosa e espiritual não deve ter influência nas decisões estatais.
Para ele, o aborto nestes casos não se trata de um crime:
— A interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica.
E acrescentou:
— O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura.
Rosa Weber – A ministra fez um longo discurso. Ela decidiu seguir o relator e votou a favor do aborto de anencéfalos. Rosa também defendeu a liberdade de escolha das mulheres.
— Proteger a mulher é garantir sua qualidade de escolha. Não está em jogo o direito do feto, mas o das gestantes. O direito de escolha sobre sua própria forma de vida. Ela deve optar sobre o futuro da sua gestação — afirmou.
— A interrupção da gravidez ou a interrupção terapêutica são fatos atípicos, motivo pelo qual é de se dar a interpretação conforme da Constituição — completou.
Joaquim Barbosa – Logo após o voto de Rosa, o ministro Joaquim Barbosa disse que iria adiantar o seu voto e decidiu que também é favorável ao aborto de anencéfalos.
Luiz Fux – O ministro defendeu a possibilidade de diminuir o sofrimento "incalculável" da gestante e os riscos para a saúde da mulher. Ele votou da mesma forma que os colegas:
— É justo permitir que uma mulher aguarde nove meses para dar à luz seu filho anencéfalo? Assistir durante meses a missa de sétimo dia do seu filho?
— A expectativa de vida do feto fora do útero é absolutamente efêmera. Um bebe anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta de um cérebro descarta qualquer possibilidade de haver consciência.
Fux argumentou não ser justo condenar uma mulher à prisão por decidir interromper a gravidez de um feto com quase nenhuma chance de sobrevivência. Atualmente, o aborto é legal somente quando a gestação resulta de estupro ou coloca em risco a vida da gestante. Fora essas situações, a mulher pode ser condenada de um a três anos de prisão, e o médico, de um a quatro.
— É justo colocar essa mulher no banco do júri como se fosse a praticante de um delito contra a vida? Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana? — indagou.
— O aborto é uma questão de saúde pública, não do direito penal — acrescentou.
Em seu voto, Fux citou estudo publicado este ano em uma revista médica norte-americana que constatou que 84% dos fetos anencéfalos morrem nas primeiras horas após o parto. A média de vida é 51 minutos. Segundo Fux, as mulheres que desejarem dar prosseguimento à gravidez de fetos anencéfalos terão seu direito garantido. A interrupção deve ser uma escolha, esclareceu o ministro.
— O Supremo Tribunal respeita as mulheres que querem levar adiante o parto — disse.
Cármen Lúcia - A ministra votou a favor da interrupção da gravidez de feto anencéfalo e que o aborto não seja considerado crime nesses casos. A escolha dela ampliou para cinco o total de votos favoráveis.
Para ela, a mulher que não tem opção de interromper esse tipo de gravidez sofre com o medo e a vergonha.
— A mulher que não pode interromper essa gravidez tem medo do que pode acontecer, o medo físico, psíquico e de vir a ser punida penalmente — alegou.
Cármen Lúcia destacou que o julgamento de hoje não trata de estimular a prática do aborto no país, mas de interromper uma gestação em que o feto não têm condições de sobreviver fora do útero.
— O útero é o primeiro berço do ser humano. Quando o berço se transforma em um pequeno esquife, a vida se entorta. Talvez este seja o dado que mais toca a dignidade do ser humano (...). Fundado na dignidade da vida, neste caso, acho que esta interrupção não é criminalizável.
Ricardo Lewandowski - O ministro votou contra a possibilidade de interromper a gravidez de fetos com anencefalia, sob a alegação que a permissão nesses casos pode servir para a interrupção de gestações de fetos com outras doenças com poucas chances de sobrevivência.
— Uma decisão judicial isentando de sanção aborto de fetos com anencefalia, além de discutível do ponto de vista ética e jurídica, abriria as portas da interrupção da gravidez para inúmeros que sofrem de doenças que levem ao encurtamento da vida — alegou.
Próximos a votar
Amanhã proferem seus votos os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso.
O ministro Antonio Dias Toffoli não votará, pois, quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.
O julgamento foi acompanhado por pessoas favoráveis, contrárias e também por curiosos. Um forte esquema de segurança foi organizado para evitar confrontos.
Início da sessão
Marco Aurélio abriu a sessão com a leitura de relatório. Em seguida, o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) Luís Roberto Barroso defendeu a descriminalização da antecipação do parto.
— A mulher grávida de um feto anencéfalo não sairá da maternidade com um berço, ela sairá com um pequeno caixão — disse o advogado.
Logo após, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, leu um parecer favorável ao aborto.
— Quando não há possibilidade de vida (do feto), nada justifica restrição ao direito de liberdade e autonomia reprodutiva da mulher — afirmou o procurador-geral da República.
Histórico no Brasil
Em julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar autorizando a antecipação do parto às gestantes que identificaram a malformação dos fetos por meio de laudo médico. No mesmo mês, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pediu a cassação da liminar ao STF, mas o pedido foi negado.
Desde 2008, o STF promoveu uma série de audiências públicas para discutir o assunto. As audiências contaram com as participações de integrantes do governo, de especialistas em genética, de entidades religiosas e da sociedade civil. De acordo com especialistas, a anencefalia é uma malformação fetal congênita e irreversível, conhecida como“ausência de cérebro”, que leva à morte da criança em poucas horas depois do parto. Pelos dados apresentados pela CNTS, em 65% dos casos, os fetos morrem ainda no útero.
Aborto em outros países
Como faltam dados sobre legislações específicas para anencefalia na maioria dos países, a Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero — estabeleceu um ranking de nações que permitem o aborto com base em dados do mapa World’s Abortion Laws (leis mundiais de aborto), feito anualmente pelo Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos, na tradução livre):
Estados Unidos: varia conforme a legislação de cada Estado, no entanto, na maioria do país o aborto é legalizado. Em alguns Estados, caso a gestante seja menor, é preciso autorização dos pais ou responsáveis
Espanha: permite o aborto. Caso a gestante seja menor, é necessária autorização dos pais ou responsáveis
Suíça: permite o aborto
Polônia: permite o aborto em caso de má-formação fetal, incesto e estupro. Caso a gestante seja menor, é necessária autorização dos pais
Uruguai: não permite o aborto, exceto em casos de estupro
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