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Esportes  | 27/11/2010 17h10min

Família Jonas: Assim nasce um mestre

Artilheiro do Brasileiro decidiu que jogaria futebol aos 19 anos

Leandro Behs - Enviado Especial/Taiúva (SP)  |  leandro.behs@zerohora.com.br

Talvez nem o presidente Duda Kroeff saiba, mas, no interior paulista, quase na divisa com Minas Gerais, há uma colônia de 5.506 gremistas. O município de Taiúva vestiu azul, preto e branco depois que o seu filho ilustre passou a amontoar gols com a camisa 7 do Grêmio. A família do jogador também exibe a paixão pelo clube.

 

Jonas é o herói de uma cidade sem elevadores, cujos habitantes conversam em frente de casa aos finais de tarde, os carros dormem nas ruas com vidros abertos e a única delegacia só resolve brigas matrimoniais. ZH foi à cidade onde cresceu o ídolo e conta como o atacante desistiu da farmácia para ser jogador de futebol.


 De Taiúva para os gramados do país da bola

No século 19, auge da produção cafeeira no Brasil, Taiúva era uma das potências da produção do grão. Chamada de Ytaiúva até a década de 20, abrigava grandes fazendas de café. Em uma delas, a Gironda, Jonas passou boa parte da infância disputando peladas com os amigos. Hoje, a cada jogo do Grêmio, as TVs a cabo se multiplicam na cidade. Somente a partir do returno do Brasileirão, quando Jonas disparou na artilharia do campeonato, 30 novas assinaturas foram feitas em Taiúva. Um recorde.

Filhos de pais professores, Seu Ismael, 67 anos e Dona Maria Luiza, 59, os irmãos Gonçalves Oliveira, Tiago, Diego e Jonas, sempre foram incentivados a estudar. Tiago, 34 anos, e Diego, 31, são tidos como boleiros natos. Até hoje muitos lamentam que nenhum deles tenha se tornado profissional. Tiago trocou a bola pelos livros de Direito. Já Diego, formou-se farmacêutico, trabalha no Hospital Municipal Santo Antônio (o único de Taiúva), e é dono da farmácia San Diego. 
 

Os moradores já temiam que a história de Jonas, o craque da casa, fosse a mesma. Desde os seis anos, o time da escola Maria Aparecida Pedrinho Furlan só partia para os embates de final de semana depois que o menino-craque terminasse a mamadeira. Como a casa do atacante era a última a ser visitada antes de o time partir, a gurizada ficava esperando.

Depois que o guri, então com 13 anos, foi aprovado em um peneirão do Guarani, realizado na vizinha Bebedouro, embarcou para Campinas e, dias depois estava de volta, com saudade da família, a história de desistência da família do futebol parecia se repetir. Ele havia superado mais de 500 garotos no teste. Retornou para casa e seguiu enchendo os ginásios da região quando Taiúva enfrentava algum rival da região da grande Bebedouro. Encantava a todos, mas não conseguia sair de casa.

Apego à família atrasou carreira

Na época, Ismael já havia sido vereador e prefeito e Maria Luiza estava em seu primeiro e único mandato como vereadora. Não havia como trocar Taiúva por Campinas, 300 quilômetros distante, para ficar com o caçula. O filho artilheiro retornaria ao Guarani dois anos depois. José Donizete de Lima, 51 anos, olheiro do Bugre, seguia apostando no guri. Foi ele quem revelou o volante Elano, o zagueiro Edu Dracena, o lateral Mariano e o meia Alex, ex-Inter. Não erraria com Jonas. Precisava, no entanto, que o atacante cortasse o cordão umbilical.

- Ele sempre foi muito agarrado à mãe. Queria jogar bola, mas não se tivesse que ficar longe de casa. Mesmo assim, jamais perdi a esperança - disse o olheiro Donizete.

 

 

O jogador do Grêmio recebeu uma terceira chance da vida. Depois de seis anos de insistência de Donizete, foi somente aos 19 que ele decidiu que jogaria futebol. Em setembro de 2004, Jonas havia retornado para o Brinco de Ouro da Princesa. Morava no alojamento. Em um fim de semana de folga, horas antes de retornar a Campinas, disse aos pais e aos irmãos que não voltaria. E que desta vez seria definitivo. Já havia trancado o quarto semestre da faculdade de Farmácia, em Araraquara. Após o almoço em família, em uma tarde calorenta como são todas as tardes de Taiúva, abriu o coração: tentaria a carreira de farmacêutico outra vez. Tiago sabia que o irmão mais novo seria infeliz na profissão. Aos sábados, quando Diego pedia que Jonas tomasse conta da farmácia por algumas horas, o atacante do Grêmio sofria. Ficava no balcão por, no máximo, uma hora e meia, e, caso Diego se atrasasse, passava a ligar para o seu celular ameaçando:

- Volta logo, senão deixo a farmácia sozinha.

Queria tirar logo o jaleco branco para jogar bola com os amigos e ouvir música sertaneja.

- Naquele dia, tivemos uma conversa muito séria. Disse a ele para voltar a Campinas. Que ao menos tentasse. Se não desse certo, ele poderia parar. Mas que tentasse. Ele preferia ser um bom jogador ou um farmacêutico meia-boca? - contou Tiago.

Após a conversa, Jonas pediu ao pai que o ajudasse a fazer a mala. Tiago interveio. Disse a Seu Ismael que esperasse um pouco mais. Precisava saber se o irmão realmente desejava retornar ao Guarani ou se apenas estava sucumbindo à pressão de casa. O atacante parecia determinado a jogar futebol. Apesar do desejo de ver o caçula ser feliz, a família caiu em choro. Sabia que um dos meninos estava, enfim, saindo de casa. Aos 19 anos, conseguiu se libertar dos medos de deixar os pais. Taiúva começava a ganhar o seu primeiro herói.

- No Guarani, briguei por ele contra dirigentes que diziam que estava velho demais para ser uma promessa - afirmou Donizete.

No início, salvou o clube de Campinas

Logo no primeiro ano como profissional do Guarani, em 2005, Jonas salvou o clube de dois rebaixamentos: um no Paulista, outro na Série B. Atirado às feras contra o Marília, marcou o primeiro gol pelo time. A vitória por 2 a 0 evitou o vexame do descenso no Estadual. Veio a segunda divisão nacional. Jonas retornou para o banco. Voltou a ser visto como solução no final do primeiro turno. Teve tempo para ser o vice-goleador do campeonato, com 12 gols - atrás de Reinaldo, do Santa Cruz, com 16, e de Alecsandro, do Vitória (hoje no Inter), com 14. Foi observado por Mano Menezes que, à época, também na Série B, recomendou-o para o Grêmio.

- Como ficou sem contrato com o Guarani, o Santos chegou na frente do Grêmio para contratá-lo - lembrou o irmão Diego.

A carreira no Santos foi curta. Ainda em 2006, era titular quando uma lesão deixou-o seis meses parado. Retornou na temporada seguinte, já sob o comando de Wanderley Luxemburgo. Recebeu poucas chances. Tiago, então, pediu que o clube rescindisse o contrato. Havia três times interessados, e a direção do Santos pensou que se tratava de equipes da Série B. Era o Grêmio. Mas isso foi escondido até que o clube o liberasse.

Em vídeo, assista aos depoimentos da família de Jonas:

 

Meta de superar plano de Ronaldo

- Eles ficaram surpresos ao verem o meu irmão indo de graça para o Grêmio - recordou o advogado e procurador Tiago, revelando a sua carta na manga.

O primeiro ano de Olímpico não foi promissor. Acabou emprestado à Portuguesa para a disputa do Brasileirão de 2008. Antes de ser liberado, o meia Roger, companheiro de quarto, perguntou se queria que ele conversasse com Paulo Odone, que pedisse a sua permanência. Roger estava em alta e tinha moral com a direção. O companheiro paulista apenas agradeceu. Decidira acatar a decisão do clube.

Foi bem no Canindé. Marcou 10 gols no Brasileirão. Mais do que qualquer jogador do Grêmio - que teve em Marcel e Reinaldo, ambos com nove gols, os seus principais goleadores. Retornou para a Libertadores de 2009. E foi neste torneio que a metamorfose começou. No interior da Colômbia, em Tunja, diante do pitoresco Boyacá Chicó, o atacante driblou o goleiro por duas vezes e, em um mesmo lance, de dentro da pequena área, perdeu ambos os gols, chutando-os na trave. O lance virou hit no Youtube. O jornal espanhol El Mundo Deportivo abriu em manchete: "Jonas, o pior atacante do mundo".

- Aquele rótulo o abalou. Ele ficou muito triste - contou Diego.

O irmão Diego revela um projeto do atacante gremista:

- Dias depois de ser chamado pelos espanhóis de o pior atacante do mundo, Jonas assistiu a uma entrevista do Ronaldo, na qual ele dizia que um goleador precisava estabelecer metas por temporada. A do Ronaldo eram 30 gols ao ano. Meu irmão colocou este número na cabeça.

Cidade sem maternidade

Os 30 gols por ano de Ronaldo se transformaram em 42 para o Jonas modelo 2010. São 21 somente no Brasileirão, o que deixa o camisa 7 do Grêmio muito próximo do título de goleador do campeonato. Por causa destes gols, assim que retornar a Taiúva, receberá inúmeras homenagens. Uma delas será o título de Cidadão Taiuvense. A proposta é da vereadora Maria Rita Brandão que, assim como todas as pessoas com mais de 30 anos na cidade viu o filho ilustre crescer.

- Jonas é o grande embaixador de Taiúva para o mundo. Precisamos homenageá-lo, pois só teremos um novo Jonas em Taiúva daqui a 200 anos - disse a vereadora. 

 

 

 

O atacante nasceu em Bebedouro por falta de maternidade em Taiúva. Aliás, como quase todos os cidadãos taiuvenses. Aqueles que não nasceram em casa, com o auxílio das antigas parteiras, as mães tiveram de dar à luz nas cidades vizinhas. Mas todos eles se consideram taiuvenses. E, naquele 1° de abril de 1984, Maria Luiza recorreu a Bebedouro.

- Ele é de Taiúva, não é de Bebedouro. Demos azar por não ter maternidade na cidade - afirmou o amigo de infância Damásio Timossi Júnior, o Juninho.

Filhos da classe média, a família sempre investiu nos estudos. Ainda hoje os Gonçalves Oliveira mantêm hábitos comuns à maioria dos brasileiros remediados. Possuem uma boa casa, três automóveis, um deles com adesivo do Exército Gremista na traseira. Jonas viaja para São Paulo quando pode para visitar a namorada Melina, que mora em Nova Odessa. 

Desejo de ficar no Grêmio

Maria Luiza é devota de Santo Antônio. Quando está em Porto Alegre, vai com o caçula à igreja Menino Deus. Em Taiúva, frequentam a igreja Santo Antônio. Pede ao padroeiro dos pobres proteção ao filho famoso. O menino que resolveu ganhar o mundo do futebol telefona até três vezes por dia para casa. Conversa com os pais e os irmãos, que moram juntos. Só falta Jonas. A mãe sonha com o filho jogando na Europa. Mas, por enquanto, espera ver o orgulho da casa batalhando por outra Libertadores pelo Grêmio. A família ainda aguarda uma reunião com Paulo Odone, a fim de definir a ampliação de vínculo do atacante.

- A vida do Jonas é o Grêmio. Não fossem as fortes raízes que tem em Taiúva, passaria o resto dos dias em Porto Alegre - concluiu Tiago.


 

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