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 | 23/10/2010 17h22min

Jovem com longa ficha criminal deixa vítimas traumatizadas na Grande Florianópolis

Suspeito já foi baleado duas vezes e é apontado como um dos líderes das ações neste ano

Felipe Pereira  |  felipe.pereira@diario.com.br

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Vadinho* participou de assaltos à mão armada que causaram uma série de traumas em vítimas na Grande Florianópolis: um pai de família perdeu oito quilos, o filho, de 24 anos, nem pensa em balada por medo de sair à noite, e a filhinha de quatro anos foi morar em outra casa; o frentista vítima de um assalto sonha em se aposentar antes do Natal para não morrer em posto de beira de estrada; duas funcionárias do Supermercado Giassi de São José queriam se demitir depois que o estabelecimento foi alvo de bandidos.

Na joalheria do shopping do Centro de Florianópolis, a vendedora nem se apavorou. Entregou tudo que os assaltantes pediram, acompanhou a dupla até a moto usada na fuga e ainda ganhou um beijinho de agradecimento no final. Tanta calma foi possível porque a certeza de ser vítima de roubo era tamanha que levou à situação absurda dos funcionários serem treinados para saber como agir nesta situação.

Vadinho tem 17 anos, uma longa ficha criminal e duas internações hospitalares ao ser atingido em tiroteios — um deles com o Batalhão de Operações Especiais (Bope). O jovem é apontado pelas polícias Civil e Militar como um dos responsáveis pela onda de roubos violentos que varre a Grande Florianópolis (veja quadro abaixo). Vadinho é apenas um entre dezenas de garotos com pouco a perder, dispostos a empunhar uma arma e atirar se for preciso. No caminho desta vida bandida, ele deixa sequelas em vítimas dos mais variados perfis.

O pai de família que teve a casa roubada por Vadinho é o empresário Rui José Castanheiro, 50 anos. O crime aconteceu há 10 dias, quando o jovem e outro assaltante aproveitaram que Paulo Roberto Castanheiro, 24 anos, chegava da academia e entraram na garagem. O rapaz levantou a janela do carro, mas Vadinho usou a pistola para quebrar o vidro. Ele apertou a buzina e gritou "um assalto". Pensou que iria morrer de qualquer jeito e assim ao menos salvaria os pais e a irmã.

Rui desceu a escada e foi atingido por dois tiros. Um deles acertou o canal da bexiga e obriga o empresário a usar sonda. Paulo lutou com Vadinho e levou um tiro na perna. O assaltante mordeu o braço dele até arrancar um pedaço de pele, por isso o rapaz é obrigado a tomar coquetel anti-Aids. O crime deixou marcas e, nos dias seguintes, Rui e a mulher choraram constantemente. Ela teve problemas de nervos e vomitava com frequência.

Arma apontada para idoso

Vadinho acabou dominado e foi enviado para o São Lucas, em São José. Não é a primeira vez dele em instituições para adolescentes infratores. Esteve no Plantão Interinstitucional de Atendimento, na Capital (Pliat), depois de roubar um posto nas margens da BR-101, em São José, em 8 de maio. Na ocasião, 25 pessoas foram feitas reféns e R$ 110 mil levados. Na fuga, houve perseguição e o grupo foi parar na casa de Anilton Freitas, 71 anos.

O aposentado foi esperar o filho na frente de casa e teve três pistolas e uma submetralhadora apontadas para cabeça. Trancado no banheiro, escutava a negociação entre os assaltantes e um policial militar. Ficou apavorado. A preocupação crescia porque a cabeça latejava e ele tem um pequeno tumor no cérebro. Desesperado, chegou a propor:

— Se quiser matar, que seja logo, para eu encontrar minha velha no céu.

As coisas acabaram bem. O bando liderado por Vadinho se entregou. Ele ficou pouco no Pliat. No mês seguinte, fugiu de forma espetacular. Junto com cinco adolescentes, rendeu os monitores e obrigou a abertura das portas. Antes de sair, roubou duas armas e usou o carro da Secretaria de Justiça para escapar.

Isso foi em 30 de junho. A partir desta data, cometeu assaltos de todos os tipos. De uma padaria no Bairro Fundos, em Biguaçu, até a joalheria de shopping. No caminho, três pessoas foram parar no hospital e passaram por cirurgias de retirada de balas. Todas sobreviveram.

Desde sábado passado, Vadinho está apreendido no São Lucas, mas a conta está negativa. No mesmo dia, sete jovens fugiram do mesmo local. O perfil dos foragidos é o mesmo dele: assaltante.

Vítimas traumatizadas

No primeiro momento, vítimas de violência têm como característica principal sintomas da síndrome do pânico, como palpitações, taquicardia, sudorese e elevado nível de ansiedade, afirma a psicóloga especialista em saúde mental Angelita Quintino Egert. Ela diz que a evolução varia conforme o paciente. Se evoluir, pode se transformar em depressão. Outra possibilidade, a longo prazo, é o paciente desenvolver insônia.

A psicóloga, que atua no Centro de Atenção Psicossocial (Capsi), declara que o local e o tipo de crime também influenciam. Cita o exemplo de seguranças privados, profissionais que muitas vezes não conseguem voltar ao ambiente de trabalho onde sofreram a violência.

Às vezes, os reflexos só aparecem no futuro, desencadeados por uma situação de estresse. Ela sugere que a família preste a atenção para saber se houve mudanças no comportamento da vítima. As mais comuns são insônia e ansiedade.

Quando a doença se instala, o tratamento pode incluir medicamentos e terapia. Angelita ressalta que metade dos homens que procura o Capsi esconde por mais tempo que estão enfrentando problemas. Muitas vezes, eles procuram cardiologistas para fazer exames porque sofrem de taquicardia. Mas a causa é outra.

Polícia nega a onda

As polícias Civil e Militar não concordam que a Grande Florianópolis enfrenta uma onda de violência. O delegado-geral da Polícia Civil atribuiu o aumento nos crimes à falta de patrulhamento ostensivo. Ele defende operações pontuais e presença constante de soldados em locais onde há repetição de furtos e roubos. Ressalta que Santa Catarina é apontada como Estado mais seguro do país, e pelo quarto ano seguido foi considerado o melhor destino turístico do Brasil.

O chefe de Comunicação Social da Polícia Militar (PM), coronel Anselmo Souza, diz que a partir desta semana será permitida uma flutuação da tropa dos batalhões que atuam em São José e Florianópolis. As barreiras geográficas de atuação serão ignoradas nos momentos em que determinada região apresentar mais necessidade.

Ele promete mais barreiras nas entradas dos bairros e negociação com o governador eleito Raimundo Colombo para chamar, no começo do próximo ano, os 2.997 homens que serão aprovados em concurso marcado para novembro, com ingresso na corporação até 2014.

O chefe da Comunicação Social explica que esse policiais são suficientes somente para repor o número de funcionários que deixarão a PM neste período. O coronel reconhece que a população aumenta e o efetivo deveria acompanhar. Declara que a tecnologia melhora a produtividade, mas concorda que a presença de um policial na rua transmite mais segurança e intimida os criminosos. Sobre o crescimento dos furtos e roubos, alega que é preciso uma análise detalhada dos números para entender o que está acontecendo.

O professor de Direito Penal da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Alceu de Oliveira Pinto Júnior, também descarta uma onda de violência. Afirma que não há uma explosão no número de criminosos de um ano para outro. Segundo ele, a sensação de insegurança que a sociedade sente é reflexo da proximidade da ação dos bandidos com a classe média. O professor ressalta que enquanto o homicídio de um usuário de drogas no morro vira estatística, o roubo num restaurante atinge esta faixa social. Alceu sugere blitze e reforço no patrulhamento de possíveis alvos.

* Nome fictício

 
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