| 14/06/2008 05h23min
À primeira vista, a estrutura instalada na beira do cais do porto de Rio Grande parece uma cidade. Em meio ao emaranhado de fios e tubos, 4,2 mil homens trabalham 24 horas por dia para dar forma à primeira unidade de produção de petróleo construída em solo e águas gaúchas, a plataforma P-53.
Infográfico mostra como está a construção da P-53 e apresenta imagens do local, além de relatos de quem está trabalhando na obra
Em visita exclusiva, Zero Hora desvendou parte das centenas de compartimentos - alguns são mantidos em sigilo, como a sala de comandos. O trabalho intenso de engenheiros, eletricistas, soldadores e outros profissionais reflete a corrida para cumprir
o prazo para zarpar rumo ao Rio de Janeiro, 15 de agosto.
Para
subir a bordo, é preciso fôlego e boa forma física: são 144 degraus da escada externa. O elevador só é usado para portadores de deficiência ou para autoridades (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua comitiva o usaram, por exemplo, na visita em abril). Neste percurso, um alto-falante com uma gravação relembra os dispositivos de segurança obrigatórios: botina, capacete, óculos e protetor auricular.
A partir dali, todo cuidado é pouco para não se perder ou se machucar entre os corredores. Quem arrisca um passeio extenso pelos seis andares, sem qualquer guia, pode acabar preso a um grande labirinto. E o olhar deve estar atento tanto ao chão quanto ao céu, para desviar dos 400 quilômetros de cabos elétricos e quase 4 mil toneladas de estruturas metálicas.
Em cada andar, salas e compartimentos de todos os tamanhos, para fins diversos: escritórios, almoxarifado, auditórios, lavanderia, cafeteria, salas de vídeo e cinema, ambulatório, cozinha industrial, restaurante,
sala de ginástica,
sanitários, dormitórios, além de uma quadra poliesportiva e uma piscina, atualmente isoladas para passagem. Um misto de hotel e fábrica, com proporções descomunais.
Circulam no local 2,5 mil pessoas simultaneamente
Nos últimos meses de trabalho, as equipes contratadas pela Quip - consórcio responsável pela obra, formado pelas empresas Queiroz Galvão, Ultratec e Iesa - passaram a ocupar os três turnos. Na madrugada, o serviço é essencialmente o de preparar a área para o dia seguinte.
Até pode não parecer que 2,5 mil homens - e mulheres, ainda que raras e pouco notadas - circulam simultaneamente na plataforma. Efeito da extensão da área que têm para trabalhar: mais de 300 metros de comprimento. Em setores onde a concentração é maior, é possível perceber a variedade de sotaques, de nordestinos a cariocas, de paulistas a gaúchos.
Para fiscalizar tamanho fluxo, a cada encerramento de turno é feita uma
contagem nos crachás, pendurados em um painel ao pé do navio.
— Se alguém se tranca numa sala, pode ficar dias esquecido lá — brinca o diretor de suporte corporativo à gestão da Quip, Marcos Reis.
É Reis quem faz a avaliação do andamento da obra: 98% concluída. A fase final, que se estenderá pelos próximos dois meses, será de testes. A parte mais difícil e detalhada foi a integração dos 14 módulos que compõem a plataforma, como compressão de gás, tratamento e separação de óleo. Com pesos superiores a 300 toneladas cada, eles foram içados do chão. Outros vieram de Niterói (RJ), onde a Quip também atua, ou importados de Cingapura, de onde veio o casco que serve de base para a plataforma.
O quebra-cabeça da disposição e integração das unidades sobre o casco consumiu sete meses. Tudo isso deixou a P-53 com aproximadamente 110 mil toneladas de peso. Com o maior turret (torre receptora das linhas flexíveis de produção) do mundo, a altura máxima chega aos 145 metros.
Sessenta dias, garante Reis,
serão suficientes para a finalização do
projeto, orçado em US$ 1,3 bilhão. Com isso, a plataforma será terminada em 10 meses e meio (contados a partir da liberação alfandegária do casco para início dos trabalhos, no início de outubro de 2007), e a P-53 se torna um recorde nacional.
— Nenhuma outra plataforma foi concluída antes em prazo menor do que 14 meses — gaba-se o executivo.
Mão-de-obra deverá ser reaproveitada
O trabalho não pára na P-53. É constante o vaivém de homens carregando materiais, soldando tubos ou lixando placas de ferro. O frio e o vento exigem reforço no uniforme, com casacos com forros térmicos especialmente preparados para o canteiro de obras do sul do Estado.
Regivaldo Praxedes, 36 anos, está há pouco mais de um mês na obra. Veio de Candeias, na Bahia, indicado por um amigo. Deixou duas filhas no Nordeste. Além da saudade, apenas o frio incomum parece obstáculo nessa etapa da
vida.
— Estava desempregado, só vivendo de bicos. Se aqui tiver mais emprego bom
depois da P-53, eu fico e trago a família — disse.
Já o rio-grandino Ilson Pinheiro, 60 anos, acompanha desde o início o projeto da P-53 na cidade. Em 2006, largou a profissão de vigilante e fez um curso de maçariqueiro no Senai. Começou trabalhando na construção dos módulos, no chão, e no ano passado realizou o sonho de subir no gigante dos mares.
— Fiquei muito impressionado com o tamanho disso tudo. Se conseguir, quero seguir trabalhando nisso. O salário é muito melhor — afirma.
Em torno de 60% dos funcionários são gaúchos
Parte dos operários da P-53 deve seguir no canteiro de obras por alguns meses após a partida da plataforma. Eles farão a chamada limpeza de área, com reorganização do canteiro, movimentação de cargos e reclassificação de materiais. A estrutura montada pela Quip, com escritórios e instalações, permanecerá intacta, sendo que outras áreas adjacentes no Porto Novo já foram
adquiridas pela empresa.
Do quadro funcional, cerca de 60%
são gaúchos, sendo 25% de Rio Grande. O diretor conta que muitos empregados hoje da Quip eram antes agricultores e carroceiros, depois transformados em lixadores e soldadores. Recém-formados dos cursos de Engenharia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg) foram contratados como trainees, com salários superiores a R$ 3 mil.
Para o diretor de suporte corporativo à gestão da Quip, Marcos Reis, a maioria dos operários que trabalha na construção da P-53 tem grandes chances de ser reaproveitada. Ou no mesmo canteiro de obras em Rio Grande - caso o consórcio vença a licitação da Petrobras para o projeto da P-55 - ou para outros tantos empreendimentos navais em desenvolvimento no país.
— Há muita carência de mão-de-obra qualificada para este setor. O que o funcionário precisa ter é a mobilidade de construção — diz, referindo-se ao constante deslocamento do profissional entre as regiões onde são feitas as obras.
Primeira unidade de produção de petróleo construída no RS deverá ficar pronta em 15 de agosto
Foto:
Eduardo Beleske, Especial