| 09/04/2008 17h33min
No Cerrado, o bioma mais ameaçado do país depois da Mata Atlântica, o cultivo de cana-de-açúcar avançou nos últimos anos em áreas que hoje o Ministério do Meio Ambiente considera prioritárias para a recuperação da biodiversidade. Em 2007 a commodity ocupava 162 mil hectares de áreas indicadas para a conservação em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os dados têm como base a Pesquisa Agropecuária Municipal e a Pesquisa Agropecuária Anual de 2007. Eles serão usados em um estudo sobre cultivo de commodities para produção de etanol no Cerrado, que está sendo preparado pela organização não-governamental ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), que tem o apoio do PNUD por meio do GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente, na sigla em inglês).
As regiões indicadas para preservação são chamadas áreas prioritárias, locais em que o Ministério do Meio Ambiente aponta necessidade de criação de políticas de conservação. Os estudos para determinar quais áreas receberiam atenção especial começaram em 2006 e terminaram em 2007; no processo foram usados mapas de 2005, quando não havia canaviais nas regiões.
– A expectativa é que, a partir do diagnóstico de que existem lavouras de cana em áreas prioritárias, o governo adote medidas para que os canaviais não avancem na vegetação nativa – afirma Nilo D’Avila, coordenador do estudo, que deve ser publicado em junho – A possibilidade de que esses canaviais voltem a ser vegetação nativa é muito remota.
O bioma é o segundo que mais perdeu mata nativa no Brasil depois da Mata Atlântica, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis).
– Qualquer monocultura traz perda de biodiversidade. O plantio de cana mexe no meio bioquímico do Cerrado, principalmente na acidez do solo, que é muito alta nessa região – diz D’Avila.
O problema é mais grave em São Paulo, onde a cana ocupou 106 mil hectares de áreas hoje consideradas prioritárias. Em segundo lugar vem Minas Gerais (25 mil hectares), seguida de Goiás (13 mil), Mato Grosso (12 mil) e Mato Grosso do Sul (6 mil).
D’Avila prevê que, além de pressionar as áreas nativas, a ampliação das lavouras de cana — impulsionada pela produção de etanol — pode incentivar produtores de outras culturas a arrendarem suas terras para que elas sejam convertidas em canaviais.
– Essa mudança pode fazer com que os antigos proprietários de terras procurem novas áreas em regiões mais preservadas, como o norte do Tocantins, sul da Bahia e Maranhão, e assim pode haver desmatamento nessas regiões.
Além do impacto ambiental, o estudo vai avaliar a influência do aumento de canaviais nas populações rurais do Cerrado.
– Em um primeiro momento, os agricultores podem ter ganhos econômicos com a colheita de cana e migrarem para a atividade. Porém, a tendência é que o processo seja cada vez mais mecanizado, o que requer menos trabalhadores – diz o coordenador da pesquisa – O aumento das lavouras de cana pode reduzir a biodiversidade e prejudicar quem vive de atividades extrativistas.
Cerrado e Amazônia
A monocultura de cana ameaça mais o Cerrado que a Amazônia, apesar de o foco de preservação estar mais voltado para o segundo bioma, de acordo com a pesquisa. Na safra de 2007, as lavouras de cana-de-açúcar ocupavam 5,8 milhões de hectares Cerrado, contra 16.033 hectares da Amazônia, segundo o levantamento do IBGE que será utilizado no estudo.
Nos Estados que compõem a Amazônia brasileira, há três usinas de processamento de cana-de-açúcar instaladas, segundo D’Avila. Em contrapartida, somente em Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul são 58 usinas.
– O Cerrado é mais convidativo para o plantio de cana que a Amazônia – diz o autor.
O bioma apresenta melhores condições climáticas, irrigação e topografia.
– A Amazônia tem vários planos de combate ao desmatamento, mas o Cerrado não. Órgãos públicos têm planos de financiamento do plantio, mas eles deveriam vir acompanhados de políticas de preservação.
ENVOLVERDE/PNUD