| 28/10/2010 07h10min
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Discreto, com passos firmes mas silenciosos, Antônio Carlos Verardi chega ao memorial do Grêmio para a entrevista como se fosse um funcionário comum do clube, prestes a começar o seu expediente. Por mais que sua modéstia tente ocultar, os números revelam um dirigente histórico da era Olímpico. Dos seus 76 anos, 45 foram consumidos pelos corredores e portões do estádio.
Foto: Valdir Friolin
Desde 1974 no departamento de futebol, Verardi já viu tudo em termos de Grêmio: comemorou o mais corriqueiro Gauchão até o título Mundial. Conheceu grandes treinadores na casamata e craques preciosos dentro de campo. Hoje, Verardi está convivendo pela segunda vez com um personagem que ele jamais iria esquecer: Renato Portaluppi, antes jogador, agora técnico. Mesmo conhecendo Renato há quase 30 anos, Verardi admite ser uma grande surpresa o "moleque" do início da década de 1980 ter se transformando num enérgico comandante à beira do gramado.
— O Renato é um grande profissional — diagnostica o supervisor de futebol. — Como gremista, quero que o Renato continue no ano que vem.
O desejo de Verardi vai muito além da antiga convivência com o ex-jogador. Está calcado nos resultados e na ascensão de um time antes jogado às traças. Ao chegar ao Olímpico, em agosto, Renato tirou o time das cercanias da zona de rebaixamento e o içou à beira da Libertadores, com a melhor campanha do segundo turno. Enquanto as negociações para a permanência do técnico estacionam em fase embrionária, Verardi aproveita para elogiar Renato, comparando-o a outros profissionais da história do Grêmio.
— Já trabalhei com Ênio Andrade, Telê Santana, Luiz Felipe Scolari, Celso Roth. Renato não fica devendo a nenhum deles. Ele tem um domínio incrível do vestiário.
Quando se ventilou a possibilidade de Renato treinar o clube, Verardi, ressabiado, consultou dois profissionais de sua confiança: o preparador físico Paulo Paixão e o ex-lateral Roger, campeão da Libertadores de 1995 - ambos trabalharam com Renato no Fluminense.
— São duas opiniões que prezo muito. Ambos disseram se tratar de um baita treinador — conta Verardi, que, em pouco tempo, passou a compartilhar a mesma opinião. — Conhecia o temperamento irreverente dele, não imaginava o Renato como autoridade. Ele não poderia ser treinador, eu dizia
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Um guri de Bento em New Jersey
Foto: Banco de Dados
Com esse mesmo pensamento receoso, Verardi foi esperar o jovem Renato no aeroporto de New Jersey, em 1981. Lá, contra o Cosmos, o Grêmio finalizava uma exitosa excursão pelo Hemisfério Norte. No meio do périplo, o time perdeu dois atacantes - Tarciso e Baltazar - para a Seleção Brasileira de Telê Santana. O jeito foi convocar um menino promissor, forte e habilidoso, que treinava na base do Olímpico. Verardi, então, arregalou os olhos:
— Renato? Não, mas o guri, vindo de Bento Gonçalves, não vai conseguir chegar aqui, sozinho, de avião.
Sã e salva, a aeronave já repousava no solo, os passageiros deixavam a pista e se somavam aos demais no saguão. E nada de Renato. "Deve ter ido parar no Vietnã!", conjeturava Verardi, aflito como um pai, só sorrindo ao avistar o guri.
— E lá estava ele, o último a aparecer, com aquele jeitão dele — conta.
— Como foi a viagem? — perguntou o dirigente.
— É, boa — balbuciou Renato, com a autoridade do mais veterano colecionador de milhas, longe de parecer um atleta dos juniores, ávido por uma chance entre os profissionais.
Renato não entrou em campo no amistoso contra o Cosmos. O Grêmio venceu por 3 a 1, mal sabendo que, no banco do estádio onde brilhara Pelé, sentava o que seria o maior jogador da história do clube.
O guarda-chuva da Dona Maria
Foto: Banco de Dados
Mesmo com toda a sua habilidade, que não demoraria muito a ser reconhecida, Renato tinha os seus dias nebulosos em campo, como qualquer mortal. Segundo Verardi, "havia jogos em que ele se desligava". O quadro se repetiu em uma partida de Gauchão, pelos idos de 1982, num dia chuvoso. Renato jogava mal, o Grêmio não conseguia suplantar o adversário e a torcida, impiedosa, criticava. Dona Maria, mãe de Renato (falecida em fevereiro de 2010), assistia ao jogo ao lado de Verardi. Perto deles, um torcedor vociferava contra o aparente desinteresse de Renato.
— Mas, daqui a pouco, deu o estalo — lembra o dirigente. — Ele decidiu o jogo, fez o gol e ganhamos.
Num rompante daqueles dignos de Renato sobre os zagueiros, Dona Maria virou-se para o torcedor que antes amaldiçoara o atacante e despejou-lhe pancadas com o guarda-chuva, esquecendo-se do aguaceiro que caía forte sobre Porto Alegre:
— Viu? Aquele é o meu filho! — vingou-se.
— E eu, ali do lado, sem poder fazer nada. Nunca vou me esquecer — diz Verardi, entre risadas cheias de nostalgia, assim quando se lembra das características de Renato quando jogador:
— Ele tinha esses lampejos. Aquele lance da Libertadores, inexplicável (final contra o Penharol, em 1983, gol de Cesar). Normalmente, na linha de fundo, ele ia driblar, costurar, usar o seu corpo. Mas daquela vez não. Ele deu aquele balão para a área. É pura intuição de um grande jogador — resume o dirigente, que, por mais que Renato cresça como técnico, para ele será sempre o garoto de Bento Gonçalves atordoado no aeroporto de New Jersey. Mesmo que hoje o seu Grêmio vença o Fluminense no Rio e crave os pés na Libertadores.
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