Dispostos ao redor da gari Rozeli da Silva, 52 anos, 13 crianças sorriem, fazem positivo e se abraçam na primeira imagem da Renascer da Esperança, entidade assistencial do Bairro Restinga, eternizada numa capa de jornal.
Publicada no Diário Gaúcho em 3 de outubro de 2000, a foto lembra o retrato de um momento feliz em família. Até hoje, Rozeli guarda uma cópia da página. Orgulhosa, apresenta aos visitantes a folha envelhecida como uma relíquia dos primeiros anos da entidade.
Quase 16 anos depois, os rostos estampados naquela foto, porém, se distanciaram da instituição. Alguns fazem questão de manter contato com a “mãe postiça”, como o coordenador administrativo Douglas Luis Abreu dos Santos, 24 anos. Outros, desapareceram, como os cinco que não foram identificados pela reportagem nem por Rozeli.
Sem abraços
Entre os localizados, olhos arregalados ao se verem na cópia colorida e em tamanho de papel ofício. A falta das memórias impressas é comum entre as crianças daquela foto que hoje são homens e mulheres em busca da própria identidade.
Luana dos Santos Soares, 20 anos, custou a acreditar que era ela em meio às pernas de Rozeli. Não lembrava da cena. Na época, tinha quatro anos. Luana não tem guardada nenhuma foto da própria infância, pois perdeu as que tinha numa enchente. Até por isso, teve dificuldades para se identificar.
Fábio Santos Ávila, 26 anos, viu a foto e, imediatamente, emocionou-se. As boas recordações guardadas por Fábio estão na outra identidade vivida por ele, durante seis anos, como a travesti Brenda Raffler. Há dois anos, obrigado a voltar a se vestir com trajes masculinos, Fábio sobrevive dividido. O jovem, que não consegue abraçar as pessoas, quase não sorri.
Entre as crianças, pelo menos quatro tiveram os sorrisos perpetuados naquela imagem. Tombaram ainda na juventude, por conta da violência. Todos pertenciam a uma mesma família esfacelada pelas mortes prematuras. Stefany de Souza Nunes, 22 anos, não esquece o irmão Dionas Nunes Cordeiro, assassinado aos 19 anos. Na lembrança da Renascer, Dionas, ou Dioninha como era conhecido, é um dos mais sorridentes ao lado de Rozeli.
Único afago
Na época da imagem, cerca de 140 crianças e adolescentes eram atendidos pela gari que vendeu a própria casa para se dedicar ao sonho de ajudar o próximo. O projeto completara quatro anos, dependia de doações e a sede funcionava em dois cômodos de alvenaria.
Lá, no turno inverso ao da escola, as crianças recebiam alimentação, recreação, tinham oficinas de pagode, rap, teatro e teclado, atendimento psicológico e doses extras de carinho. Rozeli acredita que, para muitos, aquele afago era o único ao longo do dia.
A entidade engatinhava como tábua de salvação das famílias mais carentes do bairro. Vinham das invasões sem saneamento básico, asfalto ou energia elétrica, que proliferavam nas áreas sem dono da Restinga.
Faltavam endereços oficiais, sobravam mazelas de todos os lados. Inexistia, inclusive, o dinheiro para pagar uma fotografia 3x4 das crianças incluídas no projeto. Por isso, quase 16 anos depois, tornou-se difícil reconstituir aquela foto de outubro de 2000. Nem Rozeli, sempre zelosa, lembra de todos.