MINHA CASA OU MINHA VIDA

ÍNICIO

EXPULSOS DA ESCOLA

FAMÍLIAS DESALOJADAS

MINHA CASA OU MINHA VIDA

 

 

Nem os imóveis do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, do governo federal, escapam da cobiça de traficantes.

 

Na Restinga, Zona Sul da Capital, moradores dos condomínios Ana Paula e Camila foram expulsos de seus apartamentos. Como reação, a Polícia Civil realizou uma grande operação em outubro de 2015, com 600 agentes, que resultou em mais de 40 prisões.

 

Além da retomada de apartamentos que haviam sido tomados por criminosos, a ação – batizada de Operação Gênesis –  fez cair para menos da metade a média de homicídios no bairro e virou exemplo para o país.

 

O vigilante de 39 anos já foi ao fundo do poço. Durante cinco anos, viciado em crack, perambulou e dormiu na rua, em Porto Alegre, até achar guarida em um abrigo municipal. Além do acolhimento,  encontrou incentivo, recebeu conselhos e conseguiu aquilo que, para ele, foi como uma redenção: o acesso a uma casa própria, mediante o programa habitacional Minha Casa Minha Vida.

 

– Quando eu estava no abrigo, analisaram a a minha situação. Viram que eu poderia voltar a trabalhar e, assim, pagar uma prestação – conta ele.

 

 

 

 

Uma vida digna

 

Sorteado, conseguiu um apartamento no Condomínio Ana Paula, na Restinga.

– Senti que ali estava recuperando tudo, inclusive a dignidade. Me reaproximei da minha família, tinha um teto e minha vida novamente – relembra ele.

O resgate de uma vida digna ocorreu em 2012, quando ele, com uma cama, uma geladeira e uma tevê, mudou-se para o apartamento na Zona Sul da Capital. Em pouco tempo, começou a se destacar entre as 416 famílias que foram morar no local. Com outros dez condôminos, assumiu a organização do residencial.

 

Virou líder

 

Conseguiu doações para as áreas em comum e criou um informativo periódico com dicas básicas para a conservação do local. Tornou-se um líder, mas acabou colidindo com outros interesses.

 

– Quando percebi, estava batendo de frente com traficantes que agiam por lá. Uns eram de ruas próximas e outros já estavam ocupando apartamentos no condomínio – conta.

 

Sentiu claramente que estava correndo  risco quando recebeu um recado indireto.

 

– Eu tinha comprado um carro velho e deixei estacionado perto do meu prédio. Um dia, pintaram a palavra “morto”, no chão, na frente do carro – relata.

 

A segunda e definitiva mensagem foi dada de forma violenta. Em

2013, após uma discussão, seu apartamento foi invadido.

 

– Eram uns 20 adolescentes, mais ou menos. Me agrediram de tudo que é forma. Não aguentei mais e saí. Deixei meu apartamento que para mim significava muito. Tive que alugar peças e não pude pagar a prestação. Agora, estou com uma dívida de uns R$ 1,5 mil com a Caixa, mas não quero perder aquilo que conquistei e que me tirou do buraco.

 

Atualmente, o vigilante mora na casa de sua companheira.

 

DA DENÚNCIA À RETOMADA

 

O caso do vigilante foi um dos que motivaram a maior operação da Polícia Civil no Estado em 2015 e virou modelo para o País. Foram necessários 600 policiais e nove meses de investigações bem mais aprofundadas do que o usual. Mais de 40 traficantes acabaram presos e o resultado foi imediato. Primeiro, no alívio dos moradores. Depois, com as estatísticas. De acordo com o levantamento do Diário Gaúcho, entre janeiro e outubro de 2015, quando o departamento desencadeou a Operação Gênesis, o Bairro Restinga tinha uma média de cinco homicídios por mês. Nos últimos seis meses, essa média caiu para menos de duas mortes a cada mês.

 

– Tudo começou com as denúncias de que famílias vinham sendo expulsas das suas casas. São situações que têm se repetido, mas raramente chegam à polícia pelo medo de represália – conta o delegado Mario Souza, que comandou a operação do Denarc.

 

Segundo ele, dois condomínios do Minha Casa, Minha Vida – os residenciais Ana Paula e Camila – haviam se transformado em uma fortaleza para traficantes.

 

– Eles tomaram conta e, ali, estavam protegidos. Os moradores haviam se tornado reféns – diz.

 

Uma força-tarefa para o

Minha Casa Minha Vida

 

 

A iniciativa da Secretaria Nacional de Segurança Pública busca  padronizar em todo o país o combate às dominações pelo tráfico de drogas

de condomínios do programa habitacional.

 

De um lado, o Ministério das Cidades, os bancos financiadores e os departamentos locais de habitação abastecerão as autoridades de segurança com informações sobre os beneficiados e relatos de possíveis expulsões.

 

A partir desses dados, e da identificação dos criminosos, a Polícia Civil aposta em investigação aprofundada sobre a realidade de cada condomínio até a retomada dos imóveis e prisões dos traficantes.

 

 

 

“Famílias ficam à mercê da própria sorte

 

A força-tarefa nacional criada para combater a invasão do tráfico em empreendimentos do Minha Casa Minha Vida já realizou ações nos condomínios Ana Paula e Camila, no Bairro Restinga. Integram o grupo de trabalho representantes do Ministério Público Federal e Estadual, da Defensoria Pública, do Departamento Municipal de Habitação, da Caixa Econômica Federal, da Fundação de Assistência Social e Cidadania e da Brigada MIlitar.

 

Pelo MP Estadual, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias, promotora Débora Menegat, aponta problemas de gestão no programa.

– Não basta só construir e beneficiar as pessoas com o direito de morar. É preciso alocá-las em áreas adequadas, com infraestrutura adequada e não deixá-las à mercê da própria sorte, pois, deste jeito, a bandidagem toma conta – argumenta.

 

Vulnerabilidade

 

De acordo com a promotora, no modelo atual do Minha Casa Minha Vida, a Caixa, após a entrega dos imóveis, realiza um trabalho inicial que dura seis meses, com acompanhamento de assistente social.

 

– Depois disso, pessoas que nunca moraram em condomínios, muitas vezes ficam em situação de vulnerabilidade.

 

Débora explica que, como solução para as famílias que foram expulsas de seus apartamentos, para que não voltem ao mesmo imóvel, correndo o risco de represálias do tráfico, foi criada a possibilidade de que se inscrevam para os próximos empreendimentos do programa.

 

– O problema é que, por razões justificáveis, a maioria dos prejudicados não registra ocorrência – analisa.

 

 

 

ações na cruzeiro

e na bom jesus

 

Além da operação Gênesis, que recuperou apartamentos que haviam sido tomados por traficantes nos condomínios Ana Paula e Camila, na Restinga, outras duas ações policiais recuperaram moradias neste ano, em Porto Alegre.

 

No dia 26 de janeiro, agentes da 20ª Delegacia de Polícia retomaram três casas que haviam sido invadidas na Rua Orfanotrófio, Vila Cruzeiro, na Zona Sul. Um homem de 24 anos foi preso e três adolescentes apreendidos nas residências. Eles estavam preparando a venda de drogas no momento em que os agentes chegaram.

 

Homens armados haviam expulsado três famílias das casas. Exigiram que os moradores, incluindo uma grávida, crianças e um portador de deficiência, saíssem apenas com a roupa do corpo.

 

Fortaleza

 

No dia 17 de março, uma ação do Denarc cumpriu 11 mandados de busca e apreensão no Bairro Bom Jesus, Zona Leste.

 

A operação, denominada Asfixia 2 derrubou um verdadeiro bunker do crime montado em uma casa na Rua Palmares do Sul.

 

Depois que uma família foi expulsa do local, a casa foi adaptada como fortaleza dos traficantes.

 

 

Fotos Ronaldo Bernardi

 

Virou exemplo

 

A reação da polícia acabou virando um marco no planejamento contra a dominação do tráfico em condomínios. Pelo menos 16 famílias que haviam recebido seus imóveis nos dois residenciais se tornaram refugiadas depois de expulsas pelos criminosos. E havia ainda as unidades abandonadas pelos moradores com medo de conviver com o que acontecia lá. Apartamentos eram tomados à força, ou vendidos a preços irrisórios para aliados do tráfico.

 

– Fizemos buscas e em 60 imóveis encontramos algum tipo de ilícito – relata o delegado.

 

No começo do ano ele foi chamado ao Ministério da Justiça para detalhar o sucesso daquela ação e formar o embrião de uma força-tarefa nacional contra a dominação pelo tráfico dos empreendimentos do programa habitacional. A ideia é que o passo a passo daquela investigação se torne uma espécie de cartilha para as polícias de todo o país. São informações sigilosas sobre os métodos de investigação que, literalmente, levaram a investigação para o núcleo do crime nos condomínios.

 

Mesmo no início do trabalho, que conta também com a participação do Ministério Público, já há indicativos de mudanças que vão além da questão policial. Será proposto ao governo que altere os projetos dos futuros condomínios do Minha Casa, Minha Vida.

 

– Com apenas uma entrada e uma saída, além da própria estrutura dos prédios, os condomínios se tornam um atrativo para o tráfico. Eles se sentem protegidos ali e facilmente controlam o fluxo de pessoas. A ideia é que os novos projetos tenham ruas, mais de uma entrada, maior espaço interno entre os imóveis – explica o delegado.