40 ANOS DO TABULEIRO
Rio Cambirela
Abastece a área do bairro Praia de Fora, em Palhoça
Área: dados não informados
Captação: 13,52 l/s
População atendida: 6,5 mil
Rio Águas Claras
Abastece a área urbana de Águas Mornas
e parte de Santo Amaro da Imperatriz
Área: 6,3 km²
Captação: 4,96 l/s
População atendida: 7,2 mil
Rio Cubatão do Sul
Abastece as áreas Central e Sul de Florianópolis, Palhoça e São José
Área: 536 km²
Captação: 1350 l/s
População atendida: 800 mil
Rio Vargem do Braço
Abastece as áreas Central e Sul de Florianópolis, Palhoça e São José
Área: 137,3 km²
Captação: 2.150 l/s
População atendida: 800 mil
Agricultura familiar
Com a desanexação, a região de onde vem a água que abastece a Grande Florianópolis passou a ter moradias e agricultura familiar nas margens do rio Pilões. Há risco de contaminação por agrotóxico
Mineração
Há cerca de 50 licenças de mineração no rio Cubatão do Sul.
A fiscalização na extração de areia
e argila é baixa
Ocupações irregulares
O terreno plano facilita a instalação de moradia na Baixada do Massiambu,
no litoral de Palhoça
Ribeirão Paulo Lopes
Abastece Paulo Lopes
Área: dados não informados
Captação: 10 l/s
População atendida: 7 mil
Rio D'Una
Abastece Imbituba
Área: 6,3 km²
Captação Casan: 290 l/s
População atendida: 40 mil em
Imbituba e parte de Garopaba e
Laguna
ecurso natural mais carente do nosso litoral”. Foi com esse alerta sobre a água que o padre Raulino Reitz defendeu uma de suas principais obras ambientais em Santa Catarina: o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Do dia 7 de novembro de 1975 – data da publicação da lei criando a reserva – até hoje, o avanço do homem sobre a natureza aliado à falta de medidas de proteção legal fizeram as ameaças aumentarem. Nesse período, agrotóxicos, mineração, recategorização, fiscalização insuficiente, desperdício e falta de conscientização ambiental entraram em pauta na discussão sobre a qualidade da água que chega a quase um milhão de habitantes da Grande Florianópolis.
Apesar dos percalços, o aviso feito há mais de 40 anos para preservar a maior unidade de conservação não foi em vão. A área que representa cerca de 1% do território catarinense ainda resiste aos problemas e protege o mais diverso bioma do Estado. São oito municípios, oito ilhas costeiras, 2.292 nascentes e milhares de espécies de plantas e animais, alguns encontrados apenas no parque. A lista ajuda a descrever a dimensão do sonho do padre botânico nascido em Antônio Carlos que ajudou a criar o modelo de gestão ambiental de SC, incluindo até a Fundação do Meio Ambiente (Fatma).
Preservar esse patrimônio parece óbvio em tempos de estiagens e crises hídricas em boa parte do país. Mas, há quatro décadas, o assunto era inimaginável para uma população que não chegava a 100 mil habitantes na Capital. Essa antecipação permitiu que os catarinenses pensassem na proteção de boa parte da diversidade de fauna e flora.
Por outro lado, as mais de 700 ações ambientais registradas na promotoria específica para cuidar do parque no Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em Palhoça, em 14 anos de existência, são um alerta de que nem tudo está correndo como deveria. O parque não possui um plano de manejo, legislação que prevê medidas e responsabilidades de preservação para representantes de órgãos públicos e para a população. Há morosidade do governo em efetivar a regularização fundiária, que não chegou a 10% das indenizações e está parada há cinco anos. As ocupações irregulares avançam na planície do Massiambu, em Palhoça. E a extração mineral segue com fiscalização praticamente inexistente ao longo dos rios Cubatão do Sul e Pilões.
Aliado aos problemas históricos está o retorno da discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da lei que recategorizou o parque em 2009, permitindo moradia e agricultura em áreas estratégicas, como a Vargem do Braço, em Santo Amaro da Imperatriz, localidade do rio de onde sai 80% da água tratada pela Casan na região.
Esse mosaico de problemas e belezas naturais está fechado para visitantes há quase três anos. A Fatma promete reabrir o parque com um novo modelo de gestão ainda este ano para retomar o trabalho de educação ambiental, essencial para preservar o último refúgio da principal riqueza do Tabuleiro: a água.
ma sala no Fórum de Palhoça reúne a maior parte dos processos e inquéritos referentes ao Parque da Serra do Tabuleiro, na 4a Promotoria do Meio Ambiente, comandada pelo promotor José Eduardo Cardoso. Em 14 anos, o órgão que tem entre as suas atribuições atender toda a região da unidade acumula mais de 700 processos judiciais referentes ao Parque do Tabuleiro.
Apesar de ter uma promotoria exclusiva, Cardoso revela que o esforço ainda é insuficiente para a dimensão do problema:
Qual é a maior ameaça ao Parque da Serra do Tabuleiro?
Seguramente é a ocupação irregular do solo: casa de campo, casa de praia e até para moradia. Paralelamente, em menor intensidade, temos mineração, atividades agrícola e pecuária. Mas aqui no Ministério Público do Estado o maior problema é a construção
clandestina de residência.
O senhor cuida de quantos processos sobre o parque atualmente?
São centenas. É difícil estabelecer uma contagem, pois todos os dias surgem novas denúncias.
Onde há maior incidência de ocupação irregular?
A área mais propícia é a da Baixada do Massiambu, que é conhecida como planície litorânea costeira. Também dá para citar a Praia do Sonho, Papagaio, Pinheira e Guarda do Embaú. Todos são locais de atração turística, interesse para lazer. Além disso, têm em comum solo plano, vegetação de restinga e a inexistência de árvores de grande porte para derrubar, então é fácil para ocupar.
Há algum levantamento de ocupações irregulares?
Não existe, até porque isso é muito dinâmico. Através do programa Google Earth, que disponibiliza imagens de satélite, é possível visualizar uma mudança muito grande nos últimos 15 anos. Deveria haver um controle de fiscalização mais eficiente. É uma falha do Estado e da União, pois também há áreas de marinha que margeiam o parque. Além desse tipo de ocupação, existe a questão da regularização fundiária. Por exemplo, em Vargem do Braço, até a lei de recategorização, existiam entra 40 e 50 proprietários esperando indenização.
O senhor também chegou a contestar a lei 14.661/2009, que alterou algumas áreas do mosaico do Parque do Tabuleiro. Inclusive, um documento elaborado pelo MPSC serviu de base para a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no mês passado. Como o senhor vê o retorno desse debate?
Eu representei o procurador-geral de Justiça e perdemos por placar apertado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ocorreram muitas irregularidades no processo de votação dessa lei. A Fatma contratou uma empresa e produziu um relatório técnico. Mas esse trabalho foi jogado fora. Esse trabalho foi anexado na Adin. A surpresa não foi ignorar o trabalho técnico, mas levar em conta um relatório, sem base científica, feito por pessoas interessadas. Depois de seis anos é difícil calcular, mas a perda ambiental é tremenda.
O plano de manejo poderia proteger o parque de novas recategorizações e preservá-lo?
Um plano de manejo diz como vai ser a prática da administração daquela unidade de conservação, como será o trabalho. Estabelecerá pontos de conservação máxima e outras mais brandas. Turismo, educação ambiental, recreação e contato com a natureza e pesquisa científica. O plano de manejo vai dizer como serão feitas essas atividades e de que maneira. Manejar é como lidar. Isso vai nos ajudar na responsabilização civil por dano ambiental ou qualquer outra conduta imprópria dentro do parque. O discurso oficial da Fatma é que todos querem fazer, mas que há questões conjunturais que ainda não foram resolvidas.
Qual risco a recategorização trouxe para o abastecimento de água da Grande Florianópolis?
O que mais nos preocupa são os rios Vargem do Braço (também chamado de Pilões) e Cubatão do Sul. O Vargem do Braço preocupa mais, pois é um rio de curso mais curto, de uma comunidade menor. O manancial é de melhor qualidade, a água tem baixa turbidez, vem límpida. Como ele é menor, a capacidade de diluição do rio em caso de presença de agrotóxico é baixa. Cerca de 80% da água tratada pela Casan na região, sai desse rio.
2007
2005
2009
2011
2013
2015
água disponível nos mananciais do Parque da Serra do Tabuleiro permite uma captação para atender 2 milhões de pessoas, população estimada para 2035 na Grande Florianópolis. Porém, além do sistema de captação, tratamento e distribuição ainda serem insuficientes diante do que o meio ambiente oferece, os moradores precisam aprender a lidar de forma responsável com o líquido que sai das torneiras. Especialistas preveem que novas tecnologias e consciência ambiental podem gerar menos gasto no futuro.
A força de mananciais e o alto índice de chuvas garantem água para uma população entre 700 e 800 mil pessoas atendidas pelo Sistema Integrado Florianópolis (SIF), da Casan, sem contar pequenas captações realizadas pelos municípios do entorno do parque. O tratamento é feito na estação de tratamento Morro dos Quadros, sobre o rio Cubatão do Sul. No entanto, uma adutora de cinco quilômetros leva para a estação a água da melhor fonte que sai do rio conhecido como Pilões devido ao relevo em formato de pilão no alto do morro.
- O rio Pilões é menor e possui baixa turbidez em comparação com o Cubatão do Sul. Por isso, é do Pilões que sai a maior parte da água que tratamos. Quanto melhor a qualidade da água, mais baixo é o custo de tratamento - explica Alexandre Bach Trevisan, engenheiro químico da Divisão de Meio Ambiente da Casan.
A região onde fica o principal manancial de abastecimento foi desanexada do parque com a recategorização em 2009, permitindo moradia e algumas atividades como agricultura familiar. O setor técnico da concessionária reforça que também foi contrário à decisão, mas afirma que nunca encontrou agrotóxicos nas análises semestrais feitas na água. A presença de produtos químicos é uma das principais queixas do Ministério Público e de ambientalistas.
Pela vazão permitida para captação e projeção da população feita pela Casan, o Tabuleiro poderia garantir água até 2035. Mas, para isso, alguns obstáculos precisam ser superados. Desde 2011, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) faz um monitoramento e constatou que há perdas acima de 40% da água tratada pela concessionária. Além disso, os frequentes registros de falta de água no verão renderam uma multa de R$ 300 mil no começo do ano passado. A concessionária diz que houve a redução no desperdício para 32% e afirma que vai instalar novos equipamentos para evitar falta de abastecimento na alta temporada.
- Hoje temos uma capacidade de captação bem acima do que podemos tratar. A operação do flocodecantador neste verão vai melhorar isso. O nosso trabalho é utilizar um bem natural de forma sustentável, e isso também vale para a população, que precisa saber usufruir melhor esse recurso. A Casan não produz água, quem faz isso é a floresta que fica no Parque da Serra do Tabuleiro - afirma o engenheiro Alexandre Trevisan.
ma rua estreita separa a residência da família Hames do rio Vargem do Braço, em Santo Amaro da Imperatriz. Nos 150 hectares da família, parcialmente ocupados pela roça, é onde Douglas, 18 anos, trabalha para ajudar o pai, Clemente Hames, 42. Com a desanexação da área de 935 hectares de Vargem do Braço prevista na lei de 2009, pouco mais de 40 famílias puderam permanecer na região, que deixou de ser Área de Proteção Permanente (APP) e virou uma Área de Preservação Ambiental (APA). Antes, aguardavam uma indenização do Estado, que não chegou em décadas.
- Meu avô morava nesta casa, e o mesmo aconteceu com meu pai. Eu moro aqui com meus filhos e vivo do que a terra me dá, não quero sair nem com dinheiro do governo - afirma Clemente.
Se a possível ameaça de agrotóxico é invisível, o mesmo não ocorre com a mineração, que provoca maior turbidez na água e é uma atividade regularizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Ao longo dos 65 quilômetros do rio Cubatão do Sul, da foz na Baía Sul, em Florianópolis, até a nascente em São Bonifácio, são mais de 50 concessões de lavra de areia e argila, feitas com pequenas balsas.
- O departamento não tem estrutura para fiscalização, então controlamos pelo balanço financeiro das empresas que têm concessão. Se a permissão para lavra é de uma determinada quantidade, a empresa não pode ter uma venda que não corresponda a isso - informa Victor Bicca, superintendente do DNPM em Santa Catarina.
Para entrar na Polícia Militar Ambiental do Estado, os PMs devem fazer um concurso interno. A carreira tem muita demanda por, teoricamente, representar um risco menor em comparação com a rotina policial da cidade. Foi assim que, em 1991, o agora sargento Alberto Rampelotti foi parar na primeira turma da então chamada Polícia Florestal de Santa Catarina. Em 30 anos de serviço, Rampelotti se deparou com situações tão arriscadas quanto na área urbana.
- Apesar das pessoas pensarem que caçadores são mais perigosos, foram com palmiteiros as trocas de tiros na mata. Foram dois casos assim em 1998. Um ano antes, eu estava na ronda no parque quando um policial foi baleado e morreu. Foi uma infelicidade - recorda Rampelotti.
Além de palmiteiros, à procura do palmito tipo juçara, com a extração proibida por lei, as rondas buscam caçadores e são feitas pelo menos uma vez por mês. É quando o efetivo de 28 policiais da 7a Companhia do Batalhão da Polícia Militar do Estado (PMA) percorre pontos estratégicos do Tabuleiro. Nesse caminho, é possível encontrar rastros de desrespeito ao meio ambiente, como árvores cortadas e armadilhas de caça.
- Atendemos às denúncias e fazemos essas operações para fiscalizar in loco o parque. A área é muito grande, mas escolhemos algumas trilhas principais e normalmente fazemos algum tipo de flagrante de infração ambiental - afirma o comandante da equipe, capitão Rafael Kadletz .