| 07/04/2007 14h50min
Em meio à revolta dos controladores de vôo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva consolida uma marca revelada no primeiro mandato: a dificuldade em tomar decisões.
- Às vezes, Lula não tem pressa porque gosta de ouvir todos os lados. É herança do tempo de sindicalista, quando fazia assembléias e discutia com patrões - diz o assessor especial da Presidência Selvino Heck.
O estilo alimenta o discurso da oposição.
- É um político de conveniência que não encara nada e sempre diz: não fui eu, não vi ou fui traído - afirmou o deputado federal José Aníbal (PSDB-SP).
"Oi, querido. Vou precisar do teu cargo"
Às 13h do dia 20 de janeiro de 2004, uma terça-feira, o então ministro da Educação, Cristovam Buarque, despediu-se no Palácio do Planalto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se encontraria na Índia.
- Presidente, nos vemos em Nova Délhi - disse o ministro, a
caminho do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília.
Antes de
rumar ao encontro da comitiva presidencial na Índia, Cristovam foi a Portugal para lançar o livro Admirável Mundo Atual - Dicionário Pessoal dos Horrores e Esperanças da Globalização. Setenta e duas horas depois da despedida, ao meio-dia de sexta-feira, o ministro ouviu o celular tocar no Café A Brasileira, em Lisboa, enquanto concedia uma entrevista ao jornal ABC.
- Oi, querido. Vou precisar do teu cargo. Vamos fazer uma reforma universitária e vou colocar o Tarso Genro. Não gostaria de ter no comando uma pessoa ligada à universidade - disse Lula, do outro lado da linha.
Às 10h do dia 23 de janeiro, havia recebido o primeiro sinal de que seria demitido. Por meio da secretária, o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, pedira ao ministro que mantivesse o celular ligado. Ao receber a ligação de Lula, Cristovam pediu ao filho de um amigo para registrar o momento.
- Por que o presidente me ligaria? Não era meu aniversário. Não podia
perder essa foto histórica na minha vida.
A jornalista portuguesa disse: "Esse país não é sério" - relembra o ex-ministro.
De volta ao Senado no dia 27 de janeiro, Carvalho procurou o senador para dar uma explicação. Afinal, Cristovam se sentia prestigiado. Dez dias antes, havia representado Lula na posse do presidente da Guatemala, Oscar Berger.
- Olha, não sei o que ocorreu. No dia em que você viajou, o presidente saiu para o almoço e quando voltou me disse: "não vai dar para manter o Cristovam" - afirmou Carvalho.
Desde dezembro de 2003, a demissão do ministro era cogitada.
Amigo na berlinda
Foi em um café da manhã na Granja do Torto que o então ministro das Cidades, Olívio Dutra, recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a garantia de que permaneceria no cargo. Era 18 de julho de 2005, uma segunda-feira, e Olívio estava preocupado com os boatos de que a pasta seria usada como moeda de troca com o PP. Mergulhado nas
denúncias de corrupção da CPI dos Correios, o governo precisava reforçar a base
aliada. O presidente tratou de tranqüilizar o velho amigo:
- Toca o trabalho.
Na manhã seguinte, às 8h30min, Olívio foi demitido. O próprio Lula telefonou para Olívio, que foi chamado para reunião, desta vez no Palácio do Planalto. A conversa durou meia hora.
- Vou precisar do Ministério das Cidades para ter governabilidade. O PP quer - teria dito Lula.
Olívio retrucou:
- O cargo pertence à Presidência. As razões que eu tinha para brigar pelo ministério foram dadas.
Lula ofereceu a Infraero a Olívio, mas o gaúcho recusou.
A difícil liberação dos transgênicos
Os produtores gaúchos começaram a safra 2004/2005 plantando soja transgênica na ilegalidade. Apesar de ter anunciado que iria editar uma medida provisória para permitir o cultivo, Lula arrastou a decisão por mais de um mês. Nesse período, ele hesitou entre sucumbir aos apelos do
então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues - defensor da MP -, e as ameaças da ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva.
- Sutilmente, Lula alimentava o nosso trabalho. Em momento algum ele disse que não iria legalizar o plantio - relata o presidente da Federação da Agricultura (Farsul), Carlos Sperotto, que à época participou de reuniões com o presidente.
Germano Rigotto, então governador do Estado, chegou a ouvir de Lula a promessa de que a MP estava nos seus planos. A notícia, porém, desagradou aos ambientalistas a tal ponto que Marina ameaçou deixar o cargo. A saída negociada era deixar a decisão por conta do Congresso.
- O presidente me disse que decidiu aguardar a decisão do Senado. Ele não editará a medida provisória - disse o porta-voz André Singer.
A estratégia de jogar a responsabilidade para o Congresso, porém, não deu certo. Por falta de quórum no Senado - em uma manobra da oposição -, o assunto foi retirado de pauta. Quanto mais demorava a decisão do governo, mais avançava no campo o plantio ilegal da variedade
transgênica. A edição da MP, então, tornou-se
inevitável. No dia 14 de outubro, depois de mais de três horas de reunião com Marina, Lula encerrou o impasse. Parlamentares gaúchos que se reuniram com o presidente momentos antes receberam a notícia em primeira mão:
- Já decidi. Pode falar que a MP está pronta. Vou me encontrar com Marina, mas vou assinar - adiantou Lula ao deputado Beto Albuquerque (PSB).
O texto da medida provisória foi redigido ao longo do dia e anunciado aos jornalistas que aguardavam uma definição no Palácio do Planalto no início da noite.
Caso Rohter termina com carta negociada
Correspondente do jornal The New York Times no Brasil, o jornalista norte-americano Larry Rohter publicara no primeiro final de semana de maio de 2004 uma reportagem afirmando que o presidente Lula bebia demais e que o hábito prejudicava sua capacidade de tomar decisões.
A pedido de Luiz Gushiken, então ministro da Secretaria de Comunicação de
Governo, o porta-voz André Singer divulgou uma nota repudiando a
reportagem e atacando o jornalista. Na reunião com os principais ministros, segunda-feira, 10 de maio, Lula quis saber quem havia autorizado a divulgação da nota. Gushiken se acusou e imediatamente passou a Lula uma cópia da reportagem. Revoltado, Lula chamou ao gabinete o chanceler Celso Amorim. A embaixada nos Estados Unidos foi acionada para tentar discutir uma retratação com os editores do jornal. O que estava em discussão era a aplicação de uma lei da ditatura militar, que caíra em desuso, para expulsar o americano. À noite, ao chegar em casa, Gushiken recebeu o telefonema de um amigo preocupado com os rumos do problema:
- Gushiken, isso será entendido como restrição à liberdade de imprensa - alertou.
- Ô louco, rapaz! - reagiu o ministro, surpreso.
Gushiken tentou voltar atrás, mas diante da reação negativa do The New York Times, Lula foi convencido a cancelar o visto de Rohter.
A retaliação do governo provocou mais
repercussão internacional. Rohter recorreu à Justiça e
obteve um salvo-conduto. Lula não cedeu.
O impasse só chegaria ao fim na sexta-feira, após o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, negociar com o advogado de Rohter um texto no qual o jornalista afirmava que não pretendia ofender Lula.
Cartão vermelho para o capitão
A dificuldade de Lula para administrar crises e demitir amigos se tornou evidente pela primeira vez em fevereiro de 2004. À época, o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, gozava de imenso prestígio junto ao presidente e mantinha ascendência sobre diversos ministérios. Chamado de "capitão da equipe" por Lula, Dirceu foi atingido por uma denúncia contra seu braço direito na Casa Civil, o subchefe de Assuntos Parlamentares Waldomiro Diniz.
Responsável pela articulação da base governista nas votações de interesse do governo, Diniz era um personagem dos bastidores do poder. Acabou na capa da revista Época que chegou às bancas no sábado, 14
de fevereiro. Na reportagem, Diniz era flagrado por uma
câmera de vídeo cobrando propina, dois anos antes, do empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Diante da primeira denúncia de corrupção que atingia seu governo, Lula defenestrou Diniz no final de semana. Ainda assim, a exoneração foi publicada no Diário Oficial "a pedido" do próprio Diniz.
A situação de Dirceu só foi discutida na segunda-feira, numa reunião de Lula com os principais ministros. Dirceu já havia conversado a sós com o presidente e acertado sua permanência no governo. No início da reunião, cogitou colocar o cargo à disposição. Lula disse que não aceitava a saída do amigo. No final de semana seguinte, confessou ao então secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, que estava arrependido.
- Ricardinho, esta semana cometi o maior erro político da minha vida.
Dirceu só sairia do governo exatos 16 meses após a reunião com Lula.
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