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 | 04/10/2006 10h55min

Jornalista do New York Times escreve sobre acidente do avião da Gol

Joe Sharkey estava a bordo do jato Legacy, que colidiu com o Boeing

O jornal The New York Times publicou em sua edição de ontem o relato do jornalista norte-americano Joe Sharkey sobre a colisão entre o avião Legacy e o Boeing da Gol que matou 155 pessoas, na maior tragédia aérea do país. Sharkey, um dos passageiros do jatinho da empresa Excel Aire, estava no Brasil para fazer reportagens sobre viagens de negócios. O Legacy conseguiu pousar em segurança, mas o episódio abalou seus tripulantes, como Sharkey descreve a seguir:

Era um vôo confortável, rotineiro. Com o quebra-sol da janela fechado, eu estava descansando em meu assento de couro a bordo de um jato executivo de US$ 25 milhões (R$ 54 milhões), voando a mais de 11 mil metros acima da vasta floresta tropical amazônica. Cada um dos sete a bordo do jato para 13 passageiros estava na sua.

Sem aviso, eu senti um solavanco e ouvi uma forte batida, seguida por um silêncio assustador, exceto pelo zunido dos motores.

E então vieram as palavras que nunca esquecerei. "Fomos atingidos", disse Henry Yandle, um outro passageiro que estava em pé no corredor perto da cabine do jato Legacy 600 da Embraer.

"Atingidos? Pelo quê?" me perguntei. Eu levantei o quebra-sol. O céu estava claro, o sol baixo no céu. A floresta tropical parecia não acabar mais. Mas lá, na extremidade da asa, se encontrava uma aresta dentada, talvez de 30 centímetros de altura, onde uma winglet (ponta da asa) de 1,5 metro devia estar.

E assim começaram os 30 minutos mais angustiantes da minha vida. Me diriam várias vezes nos dias seguintes que ninguém jamais sobreviveu a uma colisão no ar. Eu tinha sorte de estar vivo - e apenas posteriormente é que tomaria conhecimento de que 155 pessoas a bordo do Boeing 737 em um vôo doméstico que aparentemente se chocou conosco não estavam.

Os investigadores ainda estão tentando descobrir o que aconteceu, e como nosso jato menor conseguiu se manter no ar enquanto o 737 que era mais longo, mais largo e três vezes mais pesado caiu do céu verticalmente.

Mas às 16h59min da última sexta-feira, tudo o que pude ver, tudo o que sabia, era que parte da asa tinha sido perdida. E estava claro que a situação piorava rapidamente. A borda da asa estava perdendo rebites e começando a se desfazer.

Surpreendentemente, ninguém entrou em pânico. Os pilotos calmamente começaram a estudar seus controles e mapas em busca de sinais de um aeroporto próximo ou, pela janela, um lugar para pousar.

Mas à medida que os minutos passavam, o avião continuava a perder velocidade. Àquela altura todos nós sabíamos que a situação era grave. Eu me perguntava quão dolorida seria uma aterrissagem - um termo otimista para queda.

Eu pensei na minha família. Não havia sentido em tentar telefonar com meu celular - não havia sinal. E à medida que nossas esperanças diminuíam, alguns de nós escreveram bilhetes para esposas e entes queridos e os colocaram nas carteiras, na esperança de serem encontrados posteriormente.

Eu estava concentrado em notas diferentes quando o vôo teve início. Eu escrevo a coluna On the Road para a seção de viagem de negócios do New York Times, publicada às terças-feiras, há sete anos. Mas eu estava no Embraer 600 para um artigo freelance para a revista Business Jet Travel.

Os demais passageiros incluíam executivos da Embraer e de uma empresa de vôos charter chamada Excel Aire, a nova dona do jato. David Rimmer, o vice-presidente sênior da Excel Aire, me convidou para pegar uma carona para casa no jato que sua empresa tinha acabado de adquirir na sede da Embraer aqui.

E a viagem até então tinha sido boa. Minutos antes da colisão, eu fui até a cabine para conversar com os pilotos, que disseram que o avião estava voando perfeitamente. Eu li o mostrador que apontava nossa altitude: 37 mil pés (11.277 metros).

Retornei ao meu assento. Minutos depois, veio o choque (que tinha também arrancado parte da cauda de nosso avião, viemos a descobrir). Imediatamente após, não houve muita conversa.

Rimmer, um homem grande, estava debruçado no corredor à minha frente olhando pela janela para a asa danificada.

"Quão ruim ela está?" eu perguntei.

Ele se voltou para mim com olhar firme e disse: "Eu não sei".

Eu vi a linguagem corporal dos dois pilotos. Eles pareciam soldados de infantaria trabalhando em uma situação difícil, como foram treinados a fazer.

Nos 25 minutos seguintes, os pilotos, Joe Lepore e Jan Paladino, analisaram seus instrumentos à procura de um aeroporto. Nada aparecia.

Eles enviaram um pedido de socorro, que foi recebido por uma avião de carga em alguma parte da região. Não houve contato com nenhum outro avião e certamente não com um 737 no mesmo espaço aéreo.

Lepore então avistou uma pista em meio à mata escura.

"Eu consigo ver um aeroporto", ele disse.

Eles tentaram contatar a torre de controle, que era de uma base militar escondida Amazônia adentro. Eles fizeram uma curva acentuada para reduzir a pressão na asa.

Enquanto se aproximavam da pista, eles receberam o primeiro contato do controle de tráfego aéreo.

"Nós não sabíamos qual era a extensão da pista ou se tinha algo nela", disse Paladino posteriormente, naquela noite na base do Cachimbo na floresta.

A descida foi brusca e rápida. Eu assisti aos pilotos lutarem com a aeronave porque muitos dos controles automáticos tinham se perdido. Eles conseguiram parar o avião restando ainda um bocado de pista. Nós cambaleamos para a saída.

"Bela pilotagem", eu disse aos pilotos ao passar por eles. Na verdade, eu inseri uma palavra impublicável entre "bela" e "pilotagem".

"Ao seu dispor", disse Paladino com um sorriso nervoso.

Posteriormente naquela noite, eles nos serviram cerveja gelada e comida na base militar. Nós especulamos interminavelmente sobre o que causou o impacto. Um balão meteorológico desgarrado? Um caça militar cujo piloto ejetou? Um avião nas proximidades que explodiu, lançado destroços contra nós?

Seja qual fosse a causa, ficou claro que estivemos envolvidos em uma colisão no ar da qual nenhum de nós devia ter sobrevivido.

Em um momento de humor negro no quartel onde dormiríamos, eu disse: "Talvez a gente esteja realmente morto e isto seja o inferno - revivendo papos furados de faculdade com uma lata de cerveja pela eternidade".

Por volta das 19h30min, Dan Bachmann, um executivo da Embraer e o único entre nós que falava português, veio à mesa na sala com notícias do escritório do comandante. Um Boeing 737 com 155 pessoas a bordo tinha desaparecido no local onde fomos atingidos.

Antes daquele momento, nós todos estávamos brincando e rindo do apuro do qual escapamos. Nós éramos os sete da Amazônia, vivendo agora um tempo precioso que não mais nos pertencia, mas que de alguma forma tínhamos adquirido. Nós nos encontraríamos anualmente para narrar que uso fizemos deste tempo.

Em vez disso, naquele momento nós baixamos nossas cabeças em um longo momento de silêncio, com o som de lágrimas abafadas.

Ambos os pilotos, com extensa experiência em jatos executivos, ficaram abalados com a situação. "Se alguém devia ter caído deveria ter sido nós", ficava repetindo Lepore, 42 anos, de Bay Shore, Nova York.

Paladino, 34 anos, de Westhampton, Nova York, mal conseguia falar. "Eu estou tentando digerir a perda de todas aquelas pessoas. Está realmente começando a doer", ele disse.

Yandle lhe disse: "Vocês são heróis. Vocês salvaram nossas vidas". Eles sorriram de forma abatida. Estava claro que o peso de tudo aquilo permaneceria com eles para sempre.

No dia seguinte, a base estava repleta de autoridades brasileiras investigando o acidente e dirigindo as operações de busca pelo 737, que um oficial me disse que se encontrava em uma área a menos de 160 quilômetros ao sul de onde estávamos, mas cujo acesso só era possível abrindo densa mata à mão.

Nós também tivemos acesso ao nosso avião, que estava sendo estudado minuciosamente pelos inspetores. Ralph Michielli, vice-presidente de manutenção da Excel Aire e um passageiro do vôo, me levou em um elevador para ver o dano na asa perto da winglet partida.

Um painel perto da borda da asa estava separado em mais de 30 centímetros. Manchas escuras perto da fuselagem mostravam que combustível tinha vazado. Partes do estabilizador horizontal na cauda foram esmagadas, um pedaço pequeno estava faltando no elevador esquerdo.

Um inspetor militar brasileiro ao lado me surpreendeu com sua disposição de conversar, apesar das limitações da conversa devido ao seu fraco inglês e meu português inexistente.

Ele especulava sobre o que tinha acontecido, mas foi isto o que ele disse: ambos os aviões estavam, inexplicavelmente, na mesma altitude e no mesmo espaço no céu. Os pilotos do 737 a caminho do sudeste avistaram o Legacy, que estava voando para noroeste rumo a Manaus, e fizeram uma manobra evasiva frenética. A asa do 737, precipitando-se no espaço entre nossa asa e a cauda alta, nos atingiu duas vezes, e o avião maior mergulhou em sua espiral fatal.

Soava como uma situação impossível, reconheceu o inspetor. "Mas eu acho que foi isto o que aconteceu", ele disse. Apesar de ninguém ainda ter dito ao certo como o acidente ocorreu, três outros oficiais brasileiros me disseram que foram informados que ambos os aviões estavam na mesma altitude.

Por que eu - o passageiro mais próximo do impacto - não ouvi nenhum som, nenhum barulho de um grande 737?

Eu perguntei a Jeirgen Prust, o piloto de teste da Embraer. Isto ocorreu no dia seguinte, quando fomos transferidos da base em uma aeronave militar para a sede da polícia em Cuiabá. Foi lá que as autoridades estabeleceram a jurisdição e onde pilotos e passageiros do Legacy 600, incluindo eu, seríamos interrogados até o amanhecer por um comandante da polícia e seus tradutores.

Prust pegou uma calculadora e digitou, imaginando o tempo disponível para ouvir o barulho de um jato vindo na direção de outro jato, cada um voando a mais de 800 km/h em direções opostas. Ele me mostrou os números. "É bem menos do que uma fração de segundo", ele disse. Ambos olhamos para os pilotos desabados nos sofás do outro lado da sala.

"Eles e aquele avião salvaram nossas vidas", eu disse.

"Segundo meus cálculos", ele concordou.

Eu posteriormente pensei que talvez o piloto do avião comercial brasileiro tenha salvo nossas vidas, devido ao seu reflexo rápido. Pena que seus próprios passageiros não poderiam dizer o mesmo.

Na sede da polícia, nós fomos obrigados a escrever em uma folha de papel nossos nomes, endereços, datas de nascimento, ocupações e escolaridade, além do nome de nossos pais. Também fomos obrigados a passar por um exame com um médico de cabelo comprido, que vestia uma avental que chegava quase à sua canela. Nós fomos obrigados a nos despir até a cintura para fotografias de frente e costas.

Isto, explicou o médico, cujo nome eu não entendi mas que se descreveu como um "médico perito", era para provar que não tínhamos sido torturados. O humor negro voltou apesar de nossas tentativas de contê-lo.

"Este sujeito é um legista", me explicou Yandle posteriormente, "eu acho que isto significa que nós estamos realmente mortos".

Mas os risos agora desapareceram, ao nos lembrarmos constantemente dos corpos ainda não recuperados na selva, e como suas vidas e as nossas se cruzaram, literal e metaforicamente, por uma terrível fração de segundo.

JOE SHARKEY
 

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