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 | 26/05/2008 04h20min

Lair Ferst: "Eu seria lobista se tivesse capacidade de influenciar"

Consultor deu suas primeiras explicações públicas sobre acusações ligadas ao Detran

Adriana Irion  |  adriana.irion@zerohora.com.br

Vinte quatro horas antes de enfrentar questionamentos na CPI do Detran e seis meses depois de ser preso pela Polícia Federal na Operação Rodin, Lair Ferst, 50 anos, recebeu Zero Hora para dar suas primeiras explicações públicas sobre as acusações que ligam seu nome à fraude milionária do Detran.

Em sua defesa, o consultor de empresas, indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), reiterará hoje aos deputados que mora de aluguel, não tem ligação alguma com o governo do Estado (apesar de ser filiado ao PSDB e ter atuado na campanha de Yeda Crusius) e que o máximo que fez no escândalo do Detran foi indicar empresas de familiares para serem contratadas pela Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia (Fatec). As duas empresas receberam entre 2003 e 2007 R$ 21,1 milhões por serviços que, segundo autoridades federais, foram superfaturados.

Ao descrever a atuação que teve junto à negociação do contrato entre o Detran e a Fatec, deixou clara uma atividade típica de lobista, mas negou ter feito lobby. Disse que a definição de lobista foi lançada a público pelo superintendente da Polícia Federal, Ildo Gasparetto.

Nas 242 páginas da denúncia feita pelo MPF a caracterização de Ferst não é muito diferente. No documento, o suposto envolvimento da família está sob o título "Núcleo dos Ferst". Além dele, quatro familiares - três irmãs e um cunhado - foram denunciados por suspeita de ligação com a fraude que desviou R$ 44 milhões de dinheiro público. Na entrevista que durou 1h35min, Ferst não poupou palavras para desfazer a idéia de vínculo com o Piratini. A seguir, trechos da entrevista.

Zero Hora - O senhor é lobista?

Lair Ferst -
Fiquei surpreso com essa informação. Escutei pela primeira vez quando fui citado pelo delegado Ildo Gasparetto (superintendente da Polícia Federal) ao fazer o anúncio do relatório da Operação Rodin. Gasparetto falou que eu era um lobista porque ele entendia que eu atuei nesse episódio da Fatec (Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência, ligada à Universidade Federal de Santa Maria), que eu tinha um envolvimento com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Essa colocação é completamente dissociada da realidade, até porque as minhas relações nesses dois episódios (contrato da Fatec com a Anatel e da Fatec com o Detran) são legais.

ZH - Como o senhor se tornou funcionário da Fatec?

Ferst
- Eu tinha conhecimento do funcionamento do Ministério das Comunicações em função de o ex-deputado Nelson Marchezan (do PSDB, morto em 2002) ter sido secretário nacional de Comunicações. Como eu trabalhava com o deputado aqui no Estado, fiquei conhecendo um pouco do ministério. Em 2003 saiu edital informando que a Anatel faria licitação. Fui contatado pela Fatec para ajudar a montar o projeto.

ZH - O senhor ofereceu os serviços da Fatec para o Detran?

Ferst
- Estava trabalhando na Fatec. Sou amigo do Carlos Ubiratan dos Santos (na época presidente do Detran) há 30 anos, mas fazia tempo que não conversávamos. Um dia eu o encontrei.

ZH - Onde foi esse encontro?

Ferst
- Acho que no Parcão. Disse que estava trabalhando na Fatec. Passaram-se uns 15 dias, ele disse que tinha um assunto para falar comigo. Nessa conversa ele me disse: "seguinte, tem um contrato da Fundação Carlos Chagas com o Detran que terminou e tem uma cláusula que me proíbe a renovação do contrato, já foram feitos cinco aditivos, estou sendo obrigado a renovar com insegurança jurídica, estou apavorado". Perguntei como era o serviço. Ele disse que era elaborar provas de carteira de motorista. Eu disse: "olha, Bira, amanhã estou indo a Santa Maria, tenho uma reunião na Fatec e vou colocar isso".

ZH - E depois o senhor ofereceu os serviços da Rio Del Sur e da Newmark, pertencente a seus familiares, para a Fatec?

Ferst
- Eu presenciei a dificuldade da Fatec (em dispor de alguns serviços previstos no contrato com o Detran), informei a eles o seguinte: "existem duas empresas que não são empresas de inteligência nem de auditoria, mas existem hoje, algumas com atividade. Se vocês oferecerem contratos elas podem ser reestruturadas para esse objeto".

ZH - O senhor ofereceu o contrato do Detran à Fatec, ofereceu o serviço da Rio Del Sur e Newmark à Fatec, inclusive com mudança de objeto. Isso não é lobby?

Ferst
- Eu indiquei. Eu seria lobista se tivesse capacidade de influenciar a contratação. Eu não tinha poder nenhum de influenciar.

ZH - A Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam que a Newmark servia para pagar propina a dirigentes do Detran. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Ferst
- Como as empresas são familiares, eu fui atrás disso depois da Operação Rodin. Não há nenhuma indicação de pagamento de nenhum centavo de propina.

ZH - Há registros de que o senhor recebeu doações de suas irmãs, o que comprovaria que o senhor era o verdadeiro dono da das empresas. É verdade?

Ferst
- Existem. Mas é problema familiar. Já ajudei muito meus irmãos. Fui um cara rico. Tive US$ 16 milhões de patrimônio declarado no Imposto de Renda. Fui operador na bolsa e ganhei muito dinheiro. Depois, parti para indústria calçadista e fui malsucedido. Perdi muito patrimônio. Alguém de fora que queira fazer essa construção de que eu era lobista tem elementos, não está totalmente fora da real.

ZH - Mas o senhor recebia ou não doações de suas irmãs?

Ferst
- Já me ajudaram. A idéia que a gente tem é que a doação não é gratuita.

ZH - O senhor tem créditos junto ao governo?

Ferst
- Não tenho créditos. Não sou credor nem devedor.

ZH - O senhor tem relação com o atual secretário-geral de Governo, Delson Martini?

Ferst
- Partidária. Muito pouco falava com ele.

ZH - Depois que o Detran trocou a Fatec pela Fundae, o que resultou no afastamento das empresas de sua família, o senhor procurou Delson Martini para que ele interferisse?

Ferst
- Não.

ZH - A que o senhor atribui o afastamento das empresas da família do contrato com o Detran?

Ferst -
Pelo que sei, as empresas foram informadas de que a Fatec estava reduzindo custos e ia abrir mão de alguns serviços de apoio.

ZH - O senhor fez pressão para voltar ao contrato ou ter benefícios financeiros?

Ferst
- Desafio alguém que me apresente qualquer elemento que indique que fiz pressão.

ZH - Diálogos interceptados pela PF fazem referências ao senhor, que estaria pressionando.

Ferst
- Tomei conhecimento pela mídia de que havia uma conversa que me citavam. Eu desconheço.

ZH - A governadora Yeda Crusius se referiu ao senhor em entrevista como um companheiro, uma pessoa festeira. Por que ela se refere assim ao senhor?

Ferst
- Acho que ela usou o termo festeiro porque deve ter lembrado que só me encontrei com ela até hoje em festas. A governadora só me encontra em eventos públicos, sociais. Nunca sentei com a governadora para discutir nenhuma questão, nunca conversei sozinho com a governadora.

ZH - O senhor foi arrecadador da campanha eleitoral da governadora em 2006?

Ferst
- Quem está a difundir isso é o PT, porque está perdendo o terceiro turno da eleição na CPI.

ZH - A informação de que o senhor arrecadou dinheiro circulou quando a Operação Rodin foi desencadeada, em novembro.

Ferst
- Mas as denúncias falsas que chegaram à polícia são do PT.

ZH - O senhor tem como provar isso?

Ferst
- Tenho informação. Houve a necessidade de fazer ligação da Operação Rodin com o governo.

ZH - O senhor deu dinheiro para a campanha de Yeda?

Ferst
- Nenhum centavo.

ZH - O senhor deu um cheque de R$ 400 mil para a compra da casa da governadora, como afirmou à CPI do Detran o delegado de polícia Luiz Fernando Tubino?

Ferst
- Esse cheque é a coisa mais absurda que inventaram. Isso atenta contra a inteligência das pessoas, porque fazer uma afirmação dessa sem comprovação é crime. Se houvesse, seria fácil de comprovar. A Polícia Federal rastreou tudo.

ZH - Em 24 de abril, o senhor marcou encontro com o então secretário de Planejamento, Ariosto Culau, para falar sobre o rompimento anunciado pelo governo com a Fundae?

Ferst
- Soube que tinham anunciado a rescisão quando sentei à mesa (com o secretário, no Shopping Total), foi a primeira coisa que ele falou.

ZH - O senhor quer dizer que foi coincidência ter telefonado para se encontrar com o secretário justamente naquela dia?

Ferst
- Foi coincidência.

ZH - Por que o senhor telefonou? Era freqüente esse contato?

Ferst
- Não, fazia muito tempo que a gente não se encontrava. Ariosto ficou meu amigo quando chegou ao Estado. Nos encontramos em festas no Litoral, falávamos de questões acadêmicas, ele gosta de filosofia. Ele é do PSDB. Eu era, hoje, estou afastado. A gente teve afinidade. Nunca conversamos nada sobre questões de governo.

ZH - Qual é seu sentimento por ter causado a demissão dele?

Ferst
- É doloroso, não absorvi. Nunca mais falamos. Esse é um dos pontos que me deixam chateado, frustrado com a política, porque ela se presta muitas vezes para cometer injustiça. Esse é o típico caso de um inocente prejudicado.

ZH - A demissão foi injusta?

Ferst
- Acho que a governadora não deveria ter demitido ele, acredito que ela foi emparedada pelos assessores para fazer isso.

ZH - O senhor foi abandonado por amigos depois da prisão?

Ferst
- Pelos amigos, não. Companheiros de partido, sim.

ZH - O senhor tem mágoa disso?

Ferst
- Não. Compreendo que é um momento delicado, afinal, as pessoas têm de se proteger, principalmente depois do episódio do Ariosto.

ZH - O senhor freqüentava regularmente o Piratini até ser preso?

Ferst
- A única vez que entrei foi na posse da governadora.

ZH - Como o senhor se preparou para enfrentar a CPI?

Ferst
- Com tranqüilidade, serenidade, vou falar absolutamente a verdade. Não vou silenciar. Só vou falar as questões pertinentes ao objeto da investigação.Vou abrir mão do meu sigilo telefônico e fiscal. Porque se eu sou um dos pivôs, o que estão dizendo, eu imagino que a PF com aparato que usou na investigação, imagino que deve ter captado alguma coisa no meu telefone. É mais fácil explicar a verdade do que a mentira. Vou responder por todos os atos que cometi. Não me sinto injustiçado. Agora, eu confio na Justiça.

ZH - Por que o senhor não tem imóveis em seu nome?

Ferst
- Porque meus bens foram todos oferecidos para pagamento de dívidas trabalhistas de um insucesso empresarial que tive. Todas as dívidas trabalhistas estão pagas.

ZH - O senhor mantém bens em nome de empresas ou familiares?

Ferst
- Os bens que tenho estão no meu Imposto de Renda. O patrimônio das empresas é das empresas. Se fosse verdadeira essa afirmativa de milhões (desviados do Detran), eu estaria morando de aluguel?

ZH - Qual a sua renda mensal?

Ferst
- Minha renda é em torno de R$ 15 mil, oriunda da minha atividade de consultor de empresas.

Cristiano Estrela, especial / 

"Nunca conversei sozinho com a governadora", disse testemunha-chave da CPI do Detran
Foto:  Cristiano Estrela, especial


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