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 | 13/06/2008 03h12min

TCE vive crise de credibilidade

Mais duras críticas partiram de dentro do tribunal

Carlos Etchichury*  |  carlos.etchichury@zerohora.com.br

Partiram de dentro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) as mais duras críticas contra a Corte responsável pela fiscalização de órgãos públicos municipais e estaduais do Rio Grande do Sul. Aos 68 anos, o auditor substituto de conselheiro do TCE Aderbal Torres de Amorim soltou o verbo contra o funcionamento do órgão. Denunciou o suposto uso indevido de carros oficiais, o pagamento de diárias desnecessárias, o compadrio político e colocou sob suspeita decisões do Pleno:

— Não sei exatamente quais (decisões estão sob suspeita), mas uma grande quantidade das decisões em processo de revisão está sob suspeita. Não é possível que o tribunal dê razão para mais de 50% dos pedidos de revisão, que justamente visam modificar coisas julgadas. O Pleno se manifestou, encerrou o processo, condenou, o Judiciário já pode executar, mas o sujeito tem dois anos para entrar com pedido de revisão. Em mais da metade dos pedidos o tribunal modifica a decisão.

Amorim dá uma pista de como funciona o TCE:

— Há dois tribunais: o da instrução (auditores e técnicos) e o da jurisdição (conselheiros).

Para o vice-presidente do TCE, Porfírio Peixoto, afirmações carecem de prova e de verdade.

— O tribunal pode ser auditado e fiscalizado. Quem quiser vir aqui ver se isso é verdade, que venha — rebate Peixoto.

As críticas do auditor substituto surgem no momento em que a conduta do próprio presidente do TCE, João Luiz Vargas, está sob suspeita. A Corregedoria do órgão investiga Vargas, citado em escutas interceptadas pela Polícia Federal durante a Operação Rodin e em documentos de empresas subcontratadas pelo Detran.

Se fosse isso, já seria o bastante. Mas a credibilidade do órgão fiscalizador do erário tem sido minada por sucessivos golpes. Para recordar:

- É no prédio de quatro andares, na Sete de Setembro, 388, às margens do Guaíba, que se encontram alguns dos mais altos salários do Estado. Dos 1,2 mil funcionários, 130 recebem acima de R$ 22.111.
- É lá que se abrigam políticos em fim de carreira.
- As punições, com raras exceções, estão longe de afugentar políticos ineptos ou corruptos.

Uma ressalva é preciso que se faça. Entre seus congêneres de outros Estados, o TCE é visto como um dos melhores em atuação. O que indica que as fragilidades constatadas dentro da própria Corte encontram eco em outros cantos do país.

— Muitas vezes os tribunais, que são órgãos auxiliares do Legislativo, se envolvem politicamente nos casos. Você acaba politizando o tribunal, o que é péssimo. Há muita distorção entre o que é constatado pelos auditores e a posição dos conselheiros — destaca Gil Castelo Branco, economista da ONG Contas Abertas.

Pouca efetividade

Internamente, o caráter político do TCE desagrada a técnicos.

— Não há dúvidas de que seria melhor se fossem todos profissionais da área — diz um servidor de carreira.

Na prática, há pouca "efetividade das penalidades impostas pelo TCE". Quem reconhece é o contador e auditor-geral do Estado, Roberval da Silveira Marques. De acordo com o auditor, as multas aos gestores raramente superam R$ 1,5 mil quando falhas são identificadas.

— Os valores das multas são baixos, e é possível postergar ao máximo o pagamento. E mais: pode um gestor ter várias multas, não ter pago nenhuma, e ainda assim assumir funções públicas — constata Marques.

Mesmo os mais duros críticos da forma como os tribunais são constituídos no país reconhecem que seria infinitamente pior sem eles. Para o analista do Tribunal de Contas da União (TCU) José Caixeta, o órgão federal tem se tornado referência — embora haja indicações políticas entre seus quadros:

— Os ministros raramente alteram a orientação dos técnicos e os recursos, via de regra, não são providos.

Denúncias constrangem Corte

Após fazer a corrida rotineira na manhã de quarta-feira, o auditor substituto de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Aderbal Torres de Amorim, 68 anos, tomou café em casa com a mulher, Maria Denise. Às 7h30min, comia mamão, banana e mel quando levou um susto ao pegar os jornais e ler que os conselheiros haviam determinado uma investigação preliminar contra o presidente do tribunal, João Luiz Vargas.

— Como fizeram isso sem me chamar? — indagou.

O fato irritou Amorim, que estava substituindo o conselheiro João Osório, em férias. No final da manhã de terça-feira, na hora da decisão, os conselheiros titulares chamaram Osório. Uma ata foi feita e assinada pelos presentes. Formalmente, Amorim teria de participar da reunião. Ele se sentiu desconsiderado por ser o mais velho entre os colegas.

O desapontamento levaria o conselheiro substituto a reclamar do fato, classificado por ele de inaceitável, e a lançar uma bomba na sessão de quarta-feira do tribunal. Com a ausência do presidente da Corte, fragilizado por denúncias de envolvimento na fraude do Detran, o vice Porfírio Peixoto presidiu a sessão iniciada às 13h30min. Na seqüência, Amorim pediu questão de ordem sobre um processo. De improviso, lançou uma série de denúncias de corrupção contra a cúpula do tribunal, como utilização de carros com placas frias, nepotismo e enriquecimento ilícito. Chocados com as declarações, os conselheiros se calaram e mudaram de assunto rapidamente.

O clima ficou ainda mais pesado ontem no TCE. Cumprimentado por alguns servidores, Amorim foi criticado por outros por fazer denúncias "de corredor" em um momento de fragilidade da instituição. Houve quem dissesse que o auditor pretendia proteger Vargas. Amorim, que almoçou ontem com funcionários e palestrou na Corte, refuta as insinuações de que é amigo do presidente e se diz favorável à abertura de processo.

Apesar do abalo, nem mesmo a cúpula da Corte tentou frear o conselheiro substituto insatisfeito. Caberia ao presidente tomar uma atitude, mas Vargas não foi ontem ao tribunal. O vice não quis assumir posição que não lhe compete. Amigo de Amorim há 15 anos, Porfírio Peixoto comentava que o colega sempre fez críticas, mas jamais chegara a esse ponto. O vice-presidente checou cada palavra e frase do colega e conversou com o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino. Peixoto avaliava que a intenção do amigo era atingir "mortalmente" a instituição.

— Estou arrasado. É muito difícil isso porque desmerece e desmoraliza a instituição. Parece que o tribunal está virado em um covil de ladrões. Nada disso é verdade — lamentava o vice no tribunal.

Da Camino está analisando as denúncias e hoje deve enviar ofício ao procurador-geral de Justiça, Mauro Renner, relatando as declarações de Amorim.

No Brasil
- Todos os 26 Estados e o Distrito Federal têm tribunais de contas. No âmbito federal, o trabalho é realizado pelo Tribunal de Contas da União.
- Recentemente, o TCE de São Paulo também viu seu nome citado em suspeitas. O conselheiro Robson Marinho defendeu um contrato do Metrô com a Alstom, multinacional francesa acusada de pagar propina a políticos. Marinho teve, em 1998, uma viagem à Copa do Mundo da França custeada pela empresa.

Mazelas

Supersalários
De acordo com a Fazenda, um em cada 10 funcionários do tribunal recebe salário acima de R$ 22,1 mil, definido este ano como teto para o órgão. O custo anual dos valores excedentes ao teto salarial no Estado chega a R$ 9 milhões. Nove servidores estariam ganhando entre R$ 27 mil e R$ 34,1 mil.

Nepotismo
Para contornar a lei que veda a contratação de parentes no poder público estadual, o Tribunal de Contas adota a prática do nepotismo cruzado (contratação de parentes de integrantes de um poder por outro poder).

Indicações
Teoricamente, o TCE é um órgão de assessoramento da Assembléia. Das sete vagas de conselheiro, quatro são preenchidas por ex-deputados indicados pelo parlamento. As vagas são disputadas geralmente por políticos que já não têm mais chances de conquistar mandato pelo voto ou que buscam aposentadoria polpuda.

Interpretações brandas
Por ter um perfil mais político do que técnico, os conselheiros do Tribunal de Contas muitas vezes fazem interpretações mais brandas quando julgam as contas de órgãos públicos no Estado e nos municípios.

Caso Detran
Uma das maiores fraudes já ocorridas em órgãos públicos do Estado não foi detectada pelo TCE. As auditorias realizadas pelo tribunal nunca apontaram irregularidades nos contratos do Detran.

Caso João Luiz Vargas
É a primeira vez que vêm à tona suspeitas envolvendo um presidente da Corte. João Luiz Vargas é citado em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal na investigação da fraude do Detran. Vargas foi também flagrado visitando o dono da Pensant Consultores, José Fernandes, considerado o mentor do esquema.

*Colaborou Marciele Brum

 
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