| 14/06/2005 12h20min
A corrupção é um problema que atinge os governos autoritários, neoliberais e até de esquerda. Esta pelo menos é opinião do doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Andre Carraro. Nesta terça, dia 14, o especialista gaúcho em Economia Política e Economia da Corrupção comentou a crise no governo federal em entrevista online no clicRBS. E foi além: a má estrutura da máquina pública incentiva os casos de irregularidades.
– O que aprendemos do passado é que a corrupção não é um problema de indivíduo. Era também tido como verdade que corrupção era um problema de governos autoritários, ditaduras ou de governos neoliberais. Corrupção não é um problema de indivíduo, de má formação de seus valores morais: é o resultado dos incentivos recebidos pela estrutura institucional que existe no país – analisa.
Coordenador de um estudo que relaciona a corrupção com a economia e a política brasileira, Carraro analisou os dados nacionais com o resto do mundo. Segundo o especialista, as irregularidades envolvem 12% do Produto Interno Bruto (PIB) – o que representa algo em torno de R$ 400 por habitante ao ano.
– Isso significa que vale mais a pena deixar a corrupção existir do que gastar no seu combate. Entretanto, perdemos mais com a corrupção. Se ela não existisse, o PIB cresceria 1,1% a mais todo ano – projeta.
Carraro também aponta alternativas para superar este mal. O incentivo ao comércio exterior, menor imposto de importação e menor gasto do governo são características presentes nos países mais transparentes.
– A origem étnica do povo não tem a ver com corrupção. Ela não ocorre em órgão públicos que possuem concorrência na oferta do bem ou serviço público. Em um país no qual a burocracia estatal é rígida, lenta, custosa a melhor coisa é encontrar um funcionário corrupto. Ele vai agilizar todo o seu processo. O maior sonho do empresário é encontrar um funcionário corrupto. Caso contrário ele terá de enfrentar todo o custo da burocracia estatal – completa.
Confira a íntegra da entrevista:
Pergunta - As atenções desta terça estão voltadas para o depoimento do deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. A expectativa é pela apresentação de provas sobre as denúncias de irregularidades no governo federal. Quais são os reflexos da descoberta de casos de corrupção na economia?
Andre Carraro - Corrupção atinge a economia de diversas formas. No caso da recente crise do governo federal as denuncias de corrupção podem gerar uma crise na economia devido a relação entre importantes nomes do governo federal com os casos denunciados. Nesse caso o mercado prevê a necessidade ou a possibilidade de mudanças no governo. Essas mudanças poderiam levar o governo federal a abandonar as políticas corretas adotadas na economia.
Pergunta - Que medidas até agora corretas podem sofrer mudanças?
Andre Carraro - Podendo levar o governo do Lula para uma posição mais a esquerda. Acredito que esse risco é o que pode gerar um reflexo imediato na economia brasileira. Entre as medidas corretas está a busca de redução da dívida interna, a condução do COPOM livre das pressões políticas e a atuação do banco central no caso do câmbio.
Pergunta - Então se pode esperar um novo aumento da taxa de juros? Nesta terça, também está previsto o início da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. O encontro, que termina apenas na quarta, vai definir a nova taxa básica de juros da economia (Selic).
Andre Carraro - Se o Banco Central acreditar que uma futura crise pode incentivar as empresas a aumentar agora os preços, antecipando uma crise futura, pode sim o Copom manter a taxa de juros no nível atual. Não acredito em um novo aumento já que nas últimas semanas alguns indicadores de inflação começaram a dar sinais de redução no crescimento dos preços.
Pergunta (internauta) - A prefeitura de Florianópolis vai tentar o atual sistema de valores do preço das passagens de ônibus, apresentando o resultado de uma auditoria realizada por uma empresa de outro Estado, pela qual vai pagar R$ 250 mil sem concorrência pública, pertencente a um político ligado a empresários. Em Florianópolis, teria gente com iguais condições, senão melhores, acostumados à nossa realidade, e que se dispunham a se submeter a uma concorrência pública. O dinheiro do contribuinte indo para fora de Florianópolis sem concorrência. Isto seria corrupção?
Andre Carraro - Uma das principais fontes de corrupção em qualquer governo, seja ele liberal ou socialista, ou qualquer um outro é o fato e não haver concorrência dentro da oferta dos serviços públicos.
Pergunta - As declarações de Jefferson podem influenciar a decisão econômica?
Andre Carraro - As declaração dele podem influenciar sim. Economia e política andam juntas. No passado acrediatava-se que o desempenho da economia afetava o resultado político. Assim, se uma economia na véspera das eleições apresentava bons resultados econômicos a reeleição estava garantida. Hoje sabe que a política afeta o resultado econômico.
Pergunta - Desta forma, a economia brasileira está suficientemente estruturada para suportar o impacto de denúncias envolvendo o governo?
Andre Carraro - Dependendo do grau de envolvimento do presidente a economia brasileira não está suficientemente forte para suportar o impacto das denúncias. O crescimento do último ano foi baseado no setor externo, que vivia um cenário muito atraente para a economia brasileira. Os demais países crescendo a taxas altas, a China aquecendo a economia mundial para muitos produtos que o Brasil exporta, e nesse vento favorável a indústria nacional teve um bom resultado. Agora, a economia iria sentir a
ameaça de uma suposta mudança de governo. Supondo
que as denúncias sejam mentirosas. No mínimo o Brasil deixará de discutir questões relevantes para o crescimento econômico para discutir, ouvir, escrever e falar sobre as investigações. Se as denúncias levarem a novas denuncias, e a novas denúncias a economia poderá perceber o risco de uma mudança forte no governo. Bem, aí ninguém tem certeza do rumo a ser tomado...
Pergunta - O cenário externo, referido pelo senhor, depende da variação do dólar. Qual a tendência da moeda norte-americana frente as denúncias de corrupção?
Andre Carraro - Toda denúncia de corrupção envolve um certo risco de uma necessária mudança institucional no futuro. Ou pelo menos uma mudança em nomes que compõem o governo. Toda essa possibilidade de mudanças causa apreensão no investidor internacional. Afinal, que mudanças seria geradas? Quem sai? Quem entra no governo? Mudaria a forma de ver a integração econômica? a globalização? Com
essas incertezas a oferta de dólares diminui. Menos
investidores colocam no Brasil a sua poupança. Isso leva a um aumento na taxa de câmbio. Para manter a cotação no mesmo nível seria necessário elevar a taxa de juros.
Pergunta (internauta) - Qual sua opinião sobre a situação atual comparativa com situação da época Collor?
Andre Carraro - O que aprendemos do passado é que a corrupção não é um problema de indivíduo. Era comum dizer que fulano é corrupto, sicrano é corrupto e, portanto, tirando ele do governo, resolvemos o problema da corrupção. Era também tido como verdade que corrupção era um problema de governos autoritários, ditaduras ou de governos neo-libearais. Hoje sabemos que corrupção pode conviver muito bem com governos democráticos, com governos liberais ou socialistas. Corrupção não é um problema de indivíduo, de má formação de seus valores morais. Corrupção é o resultado dos incentivos recebidos pela estrutura institucional que existe no país. Por isso é importante que no Brasil nós discutamos a reforma do Estado.
Pergunta - E que deve mudar no Estado, então? Que reformas devem ser propostas e aprovadas imediatamente?
Andre Carraro - Não sei qual é o caminho que se deseja seguir no Brasil. Essa é uma decisão coletiva e não apenas minha. O que a economia sabe hoje é que os países que possuem bancos centrais mais independentes do governo possuem menor taxa de inflação. Tanto um como outro caso possuem suas desvantagens. No caso de ter um banco central dependente do executivo a sociedade corre o risco de ter um governo que deseje ou tolere uma inflação maior. Corre-se o risco de ter um governo que de forma irresponsável financie seus gastos com a emissão de mais dinheiro. Isso no Brasil nós conhecemos o resultado. No caso de um banco central independente nós estamos apenas agora a aprender a conviver com ele. Essa questão está em aberto. Que Estado é necessário que seja criado é a discussão nacional. Não existe uma única resposta para essa pergunta. Cada país está tentando construir o seu Estado, alguns optam por um Estado mais regulador, intervencionista, outros por um Estado menos regulador. No Brasil os debates recentes levam a crer que existe apenas duas possibilidades: ou optamos pelo Estado liberal do FHC, ou optamos pelo Estado estatal do PT. Como se todas as possibilidades fossem reduzidas a estas duas.
Andre Carraro - Bem, para não fugir tanto da questão posso dar uns sinais mundiais. A ONG Transparência Internacional estima desde 1995/96 um índice de corrupção percebida. Estimar corrupção é algo muito difícil, já que ela não tem registro e a priori ninguém se autodenomina corrupto. Mas essa ONG com sede na Alemanha vem tentando criar um indicador para corrupção. Esse indicador ganhou credibilidade e está sendo usado como o principal indicador de corrupção de um país. Num dos meus trabalhos eu relacionei o desempenho dos países mundiais nesse indicador com algumas variáveis de política econômica. Os resultados são os seguintes:
Pergunta - Qual o país mais transparente e com os menores índices de corrupção? O que o Brasil pode e deve tomar como exemplo?
Andre Carraro - Quanto maior comércio exterior faz um país, menos corrupto ele é. Países que possuem menor imposto de importação são menos corruptos. Mais do que isso. Quanto maior o gasto do governo mais corrupto é o país. E, salário dos funcionários públicos em relação ao salário pago pela iniciativa privada não tem relação com corrupção. Liberdade de imprensa também está relacionada com redução da corrupção. Mas aí em liberdade eu utilizei o número de jornais em circulação, uma idéia de concorrência no setor de imprensa. A origem étnica do povo não tem a ver com corrupção. Então, parem de dizer que corrupção é um problema de povo.
Andre Carraro - O Brasil em como quase todos os indicadores
internacionais tem um desempenho apenas razoável. No último ano, 2004, ficamos com
uma nota 3,9. O índice de corrupção percebida da Transparência Internacional tem uma escala de zero a dez. Quanto mais próximo de zero mais corrupto é o país. Quanto mais próximo de dez menos corrupto é o país. Os primeiros lugares estão para os países do norte da Europa: Noruega, Finlândia, Suécia. Numa segunda faixa vem alguns países europeus e os Estados Unidos. O Brasil aparece na 59ª colocação. Dos países da América do Sul nós estamos em terceiro lugar, atrás do Chile e Uruguai.
Pergunta (internauta) - Qual o limite para elevação das taxas de juros. Isso não acaba prejudicando demais a economia?
Andre Carraro - Esse é o problema do Banco Central. Com um olho ele tenta ver o impacto da elevação dos juros para a economia de curto prazo - próximos meses. Com o outro olho e tentar ver o impacto da elevação dos juros para o próximo ano. Quando o banco Central aumenta a taxa de juros ele reduz um pouco a produção desse ano, mas garante uma inflação menor para o ano seguinte. Com uma inflação menor em 2006 o país poderia crescer mais. Existe um dilema colocado nessa questão. Se crescemos muito hoje, reduzimos o crescimento amanhã. Mas, se crescemos menos hoje, podemos crescer mais amanhã. Qual é o ponto desejado?
Andre Carraro - Gostaria de dizer o quanto o país perde com a inflação. Em meus estudos a corrupção no Brasil envolveria algo como 12% do PIB. Isso representaria alguma coisa como uns R$ 400,00 por habitante ano. Ou, menos de R$ 40,00 por mês. Acaba valendo a pena deixar a corrupção existir do que gastar mais no combate dela.
Pergunta - Mas o Brasil perde mais com ou sem a corrupção?
Andre Carraro - Perdemos mais com corrupção. O impacto no PIB é de mais ou menos 1,1%. Se não tivéssemos corrupção o PIB cresceria 1,1% a mais todo ano. Se você em um ano apenas a perda não é tanta. Mas se você colocar essa perda para 20 anos, faz uma enorme diferença.
Pergunta - Quais os órgãos da administração pública mais frágeis e fáceis de serem fraudados?
Andre Carraro - Boa pergunta. São os órgãos que possuem o monopólio da oferta do bem público. Corrupção não ocorre em órgão públicos que possuem concorrência na oferta do bem ou serviço público.
Andre Carraro - Exemplo: eu nunca recebi um pedido de propina quando vou a uma agência dos correios enviar uma carta. Nunca o atendente me disse: Olha, senhor André, a sua carta só pode ser enviada se o senhor me pagar 10 reais. Se eu ouvisse isso eu poderia simplesmente sair da agência, caminhar duas quadras e ir em um outro posto dos correios. Para alvarás, licenças, etc...isso não é possível. Nesses casos de monopólio do Estado eu sou obrigado a pagar a propina. Tem um ótimo ditado que diz o seguinte: Em um país no qual a burocracia estatal é rígida, lenta, custosa a melhor coisa é encontrar um funcionário corrupto. Ele vai agilizar todo o seu processo. O maior sonho do empresário é encontrar um funcionário corrupto. Caso contrário ele terá de enfrentar todo o custo da burocracia estatal.
Pergunta (internauta) - Toda denúncia de corrupção deve ser apurada até as últimas conseqüências, mas o problema é que quem está financiando as acusações na têm moral nenhuma para tal - nome aos bois PSDB/PFL. Falando sobre Estado, devemos identificar primeiro o que é o Estado, uma instituição acima das classes ou uma instituição que exerce o poder de uma classe contra outra? Qual sua opinião? O Brasil é segundo país na pior distribuição de renda.
Andre Carraro - Esqueça a luta de classes. Mas quem gerou esse resultado não foi uma luta de classe entre capitalistas e trabalhadores.