| 14/05/2009 05h
A distribuição desigual da chuva ontem emoldurou cenários diversos na região noroeste do Estado, a mais castigada pela estiagem.
Enquanto a agricultora Célia Mauer, 58 anos, de Crissiumal, levantava as mãos ao céu para agradecer as pancadas que banhavam seus 43 hectares durante toda a tarde, a 20 quilômetros dali, na vizinha Tiradentes do Sul, a família de Leocádia Simsen, 69 anos, perguntava a Deus por que não merecia a mesma graça.
Na localidade de Sanga Dias, onde Leocádia vive, a chuva do início da tarde só durou dois minutos, em duas aparições contadas no relógio, das 13h30min às 13h31min e das 13h32min às 13h33min. Tão miudinha que mal assentou a poeira acumulada há quase três meses.
– Não sei o que que tem esse lugar que não chove. Chove por todo lado, só nesse buraco aqui não – inconformava-se a agricultora.
Também havia sido assim no dia anterior. Embora ouvisse as notícias dos vizinhos festejando o
alento, só via o vento arrastar as nuvens negras pra
longe, quando muito uma garoinha que nem era digna de ser chamada de chuva. Até a sanga secou.
– Aqui uma vez tinha uma sanga, e tinha vários homens que se chamavam Dias. Agora não tem nem mais sanga, nem os Dias. Não tem mais nada – desilude-se a filha de Leocádia, Ilaine Paiva, 42 anos, que junto do marido João Carlos, 46 anos, já perdeu três novilhos e dois terneiros, todos mortos de fome pela seca.
A menos de 30 minutos de carro dali, o casal de agricultores Célia e Antônio Mauer experimentava o outro extremo. Eufóricos ao contemplar a visita tão esperada, esqueciam por instantes os prejuízos causados pelas perdas de 30% na produção de leite das 50 vacas. A água reluzia como ouro diante de seus olhos.
– Estamos ricos – exultava Célia.
Confiante após a chuva fraca que havia umedecido o solo no dia anterior, Célia e o marido retomaram as plantações ainda pela manhã. Tiveram até de procurar a enxada, esquecida há dois meses no
porão. Começaram cavando meio metro para plantar uma
muda de árvore que desde o verão cultivavam em um tonel. Quando a chuva veio, generosa, regou pela primeira vez a planta que até então só recebia água suja da bacia de louça.
– Sempre pedia para Deus mandar chuva no momento em que nós merecêssemos. Agora ele mandou. Agora sim, podemos dizer: adeus, seca – comemorou Célia.
Até as 17h30min, Leocádia ainda esperava na janela pela chuva que não vinha. Pensava que já não viria. No início da noite, supreendeu-se com a primeira pancada:
– Deus sabe quando é a hora.
Moradores de cidades do norte do Estado narram as dificuldades de viver onde a água é rara:
ZERO HORA
Célia Maurer não conteve a euforia e foi à terra encharcada com confiança recobrada para tentar recuperar o tempo perdido na lavoura castigada pela seca
Foto:
Daniel Marenco