| 16/03/2002 19h23min
O cenário é familiar: o mais recente espasmo de violência no Oriente Médio, o pior em décadas, promete fazer com que o conflito entre israelenses e palestinos evolua rumo a uma guerra incontrolável, capaz de sepultar por longo tempo qualquer esperança de paz na região. No horizonte, não se avista o menor sinal de que, a curto ou médio prazos, seja descoberta alguma fórmula que permita encerrar, ou pelo menos interromper, a rotina de aniquilação.
Embora o governo americano tenha, depois de alguma hesitação, decidido agir novamente como mediador, seu enviado especial, o general reformado Anthony Zinni, tem instruções de concentrar-se apenas em obter um cessar-fogo. Para os palestinos, a missão de Zinni está destinada ao fracasso. Eles alegam que o ciclo de violência só acabará quando forem discutidos temas como os assentamentos israelenses na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, o controle de Jerusalém e a questão dos refugiados.
Se tudo o que o general pode fazer é colocar um curativo em um ferimento que exige uma cirurgia complicada para salvar o paciente, de onde partirá a iniciativa de propor um plano de paz? Alguns especialistas, como Shibley Telhami, professor da Universidade de Maryland, depositam suas esperanças na proposta do príncipe regente Abdullah, da Arábia Saudita, que prevê a normalização de relações entre os países árabes e Israel em troca de uma retirada dos territórios ocupados na guerra de 1967.
Para ele, a iniciativa saudita é importante por ter dado voz aos moderados, em uma época em que a retórica em ambos os lados do conflito tende a ser belicista, e também porque traz à cena um novo participante, com credenciais para obter algum tipo de compromisso entre israelenses e palestinos. Para Telhami, o passado ensina que, quando os dois adversários sentaram-se à mesa de negociações, foram conduzidos por três fatores, sozinhos ou em combinação: intervenção diplomática externa, por raros casos de liderança corajosa ou devido a mudanças dramáticas nos incentivos disponíveis para a condução do processo de paz.
No caso do plano saudita, os incentivos são, para Israel, a possibilidade de ganhar o reconhecimento dos países árabes e, para os palestinos, o apoio de tais nações durante as discussões, em etapas posteriores do plano, a respeito do status de Jerusalém e da questão dos refugiados. É bem diferente, e muito mais pessimista, a opinião dos analistas do Stratfor, um serviço de coleta e análise de informações com sede em Austin, no Texas, criado pelo professor de Ciência Política George Friedman. Considerado uma espécie de “CIA (a agência de espionagem americana) da iniciativa privada”, o Stratfor elabora periodicamente relatórios sobre a evolução de conflitos em todo o mundo.
No caso do Oriente Médio, seus analistas não vêem como a proposta saudita possa ganhar vida, por uma série de razões. Em primeiro lugar, dizem, o plano deixa de atender a duas necessidades de Israel: não pode garantir o fim dos ataques ao país (está excluído, por exemplo, o Irã, que, apesar de não ser um país árabe, patrocina o Hezbollah, grupo que tem como objetivo a destruição de Israel, e é impossível assegurar que alguma facção palestina não optará por ignorar um eventual acordo). E, a longo prazo, ignora uma questão inquietante: o que aconteceria se, depois de assinada a paz, um regime hostil a Israel assumisse o controle do Egito, da Jordânia ou da Síria?
Ainda segundo os analistas do Stratfor, os sauditas tampouco podem proporcionar um Estado viável aos palestinos, pois a nação que for criada nos territórios ocupados jamais terá autonomia militar e econômica. Para ser possível, um Estado palestino precisaria resignar-se à condição de extensão de Israel. A solução do conflito entre israelenses e palestinos, concluem, não depende de boa vontade ou diplomacia.
O problema é que as fronteiras desenhadas em 1948, quando da criação de Israel, não permitem atender às reivindicações dos nacionalistas palestinos e tampouco garantem a segurança dos israelenses. O objetivo da proposta saudita, acreditam Friedman e seus colegas, tem pouco a ver com o conflito árabe-israelense. Seu propósito é posicionar a Arábia Saudita como mediadora da paz, tornando-a imune às pressões dos EUA para que aja contra os radicais islâmicos em seu território.
Com seu plano, os sauditas conquistaram a cumplicidade de israelenses e americanos: os primeiros porque o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, imprensado entre radicais da direita e moderados, não dispõe de muita margem de manobra. Convencido de que um ataque dos EUA ao Iraque é inevitável, Sharon pretende esperar que ele aconteça para só depois tomar qualquer iniciativa importante. O plano saudita atende aos seus interesses, pois permitirá ganhar tempo. Já os EUA livram-se de um dilema: o governo de George W. Bush, ao contrário de Bill Clinton, parece não ter idéia do que fazer depois da eventual obtenção de uma trégua.
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