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 | 16/04/2011 15h10min

Crônica: Tal mãe, tal filha

Por necessidade, tornou-se entendedor da psiquê feminina

Fabiano Moraes  |  fabiano.moraes@diario.com.br

Paulo estranhou o silêncio de Gabriela na última semana. E tudo ficou pior no sábado, quando ela não atendeu ao celular. Foi até o apartamento dela. Nem deu bola para o Seu João, o porteiro, que sempre o lembrava de subir com as revistas de moda de que ela tanto gostava. Torceu para que o elevador levitasse e o deixasse direto no oitavo andar.

A porta destrancada o deixou ainda mais nervoso. Gabi tinha medo de tudo, até do gato da vizinha, e verdadeiro pânico de baratas. Foi ao quarto e a encontrou sentada na cama, a cabeça entre as mãos. O choro saía baixinho. Ao lado dela um papel, um desses resultados de exames de laboratório.

— Estou grávida. Eu não quero — disse, enquanto levantava os olhos na direção dele.

A reação de Paulo foi afastar com cuidado os cabelos ruivos e finos que, combinados ao corpo esguio, os olhos verdes e as sardas, fizeram de Gabriela modelo internacional aos 18 anos. Ele sentiu o baque. Pensou em consolar a namorada, mas viu o curso de especialização em finanças corporativas nos Estados Unidos escapar junto com o papel timbrado daquele laboratório. "Não é verdade. Um filho? Eu tenho 23 anos...", pensou.

Lembrou de quando seus pais se separaram. Aquele homem alto indo embora de casa e a mãe chorando em pé na porta, sem lamentar. Lembrou também do que disse à mãe, aos oito anos:

— Deixa. Eu cuido de você.

Voltou à cena no apartamento de Gabriela. Respirou fundo, resolveu assumir o controle da situação e fez o que se espera de um homem de verdade em uma hora dessas:

— Tudo vai ficar bem, amor. Estou aqui e ficaremos juntos.

Os meses seguintes foram de novidades e cumplicidade. Paulo era a própria certeza de que seria pai de um menino; Gabriela já tinha os nomes de menina. O MBA em finanças nos EUA poderia esperar, e o pessoal do marketing da Semana de Moda de Milão prometeu aguardar a gravidez e lançá-la nos desfiles só na próxima temporada.

Luiza nasceu saudável, de parto normal e sem sobressaltos. Olhos, cabelos, pele e envergadura da mãe. Pedro só reconhecia a curvinha da orelha esquerda como igual à sua. E cada dia foi uma descoberta. A mais encantadora foi perceber como as mulheres podem ser iguais também nas diferenças.

Ver a pequena Luiza crescer e se transformar fez dele um homem melhor. Por necessidade, tornou-se entendedor da psiquê feminina. A relação com os garotos, as preocupações com o corpo ("Papai, estou gorda!"), a delicadeza, a sensibilidade. Tudo o que elas têm de melhor —  e de pior — está lá desde o nascimento. A leitura correta deste cenário emocional fez com que a relação com Gabi durasse o quanto possível.

No final, era como se o amor de sua vida estivesse sempre ali, agora na imagem da filha adolescente que tinha os mesmos medos da mãe. Quando, em casa, Luiza o chamou, gritando: "Papai, mata esta barata, por favor?!", ele fez o que se espera de um homem de verdade em uma situação dessas: pegou o chinelo e exterminou o inseto sem dó.

Luiza olhou para ele agradecida — exatamente como sua mãe fazia no início do namoro. Recebeu um beijo no rosto. E Paulo teve de volta a sensação exultante de ser mais uma vez útil a uma mulher.

A colunista Viviane Bevilacqua está em férias

Ilustração de Lucas Abreu / Ilustração de Lucas Abreu

A descoberta mais encantadora para o pai foi perceber como as mulheres podem ser iguais também nas diferenças
Foto:  Ilustração de Lucas Abreu  /  Ilustração de Lucas Abreu


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