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 | 26/03/2011 15h16min

Viviane Bevilacqua: boas lembranças

Revisitei em sonho cada cômodo da casa da minha avó

Noite dessas sonhei com a casa da minha avó. Percorri peça por peça, lembrando detalhes dos quartos e salas, como se eu estivesse mesmo passeando pelo casarão, construído no começo do século 20, onde eu passava as férias na minha infância. As imagens no sonho eram tão nítidas que nem parece que já se passaram mais de 30 anos daqueles verões.

Lembrei do sofá-cama que guardava um tesouro e que era alvo da minha cobiça. Embaixo das almofadas existia uma espécie de baú, recheado de revistas antigas e de livros, a maioria romances. Minha avó costumava dizer que guardava tudo aquilo para ler quando ficasse velha. Eu ria, porque, na minha cabeça de criança, todas as vovós já eram bem velhinhas.

O casarão era grande, com vários quartos, e decorado com peças antigas que atiçavam a minha imaginação. Tinha um tal de étagèr, uma estante metida a fina, com tampo de mármore preto, da qual eu nem chegava perto. Uma bergèr, poltrona gostosa pra ler livro de história e sestiar depois do almoço. Minha avó, descendente de portugueses, chamava o banheiro de "quarto de banho", e eu achava muito engraçado. Nesta peça, havia uma banheira muito antiga, que tinha quatro pés que pareciam patas de bicho. Eu ficava imaginando que um dia a banheira sairia para passear pela casa.

Na copa, ao lado da geladeira, havia uma outra, pequena, muito mais antiga. Minha mãe contava que as pessoas compravam barras de gelo e colocavam lá dentro, para refrescar os alimentos. Não era ligada à energia. Eu não cheguei a pegar esta época, mas achava o máximo aquela geladeirinha ali, decorando aquele cantinho, pois ela era a prova de que tudo o que me contavam de antigamente era mesmo verdade.

Havia, também, um cofre enorme — eu cabia dentro dele, agachadinha — no quarto do meu bisavô. Dinheiro nunca vi por lá, apenas umas moedas portuguesas que ele guardava de recordação da terrinha e papéis amarelados pelo tempo. Do outro lado do quarto dele, separado por uma porta sempre trancafiada, ficava o armazém da família. Naquela época, bem antes dos hipermercados de hoje, os armazéns vendiam de tudo. Mas lá a gente quase não ia. Era lugar de trabalho e, portanto, de adultos.

No casarão tinha uma sala só para visitas, toda arrumadinha. Lá também não era território de crianças, mas o resto da casa e o pátio — ah, que delícia aquele pátio! — podíamos explorar à vontade. O terreno não era grande e, com exceção dos canteiros de flores da minha avó, também não era muito bonito, porém cheio de coisas divertidas, como uns pés de pessegueiros (cheios de maranduvás, aqueles bichinhos parecidos com minhocas cabeludas) que subíamos para apanhar as frutas.

Havia, também, uma parreira de uvas, sempre carregadinha; e um galpão onde meu avô guardava tralhas e ferramentas. E, quando eu era bem pequena, havia também um galinheiro. Lembro que ficava com muita pena de ver os bichinhos ciscando pelo pátio, pois eu sabia que era questão de dias até encontrá-los novamente, só que desta vez na panela da Maria, a empregada da minha vó.

De noite, depois da janta, todas as famílias tinham o mesmo hábito: levavam as cadeiras e sentavam na frente das casas, na calçada. Os adultos conversavam e curtiam a brisa da noite, enquanto nós, crianças, aproveitávamos para brincar um pouco mais antes de dormir.

São muitas as recordações daquele tempo, e fico imaginando: será que os meus netos (que ainda nem nasceram) terão lembranças assim de mim? Provavelmente não. Naquele tempo, a maioria das avós não trabalhava fora, e podia se dar ao luxo de ficar com os netos nas férias de verão e de inverno. E nós? Quando chegar a época de curtir os netos - o que deve ser maravilhoso - com certeza eu ainda estarei trabalhando.

Vou já fazer os cálculos para saber quanto tempo falta para a aposentadoria.

DIARIO CATARINENSE
Ilustração / Ilustração

No "quarto de banho" havia uma banheira muito antiga, que tinha quatro pés que pareciam patas de bicho
Foto:  Ilustração  /  Ilustração


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