| 18/10/2009 09h10min
Uma pesquisa analisou quatro diferentes experiências, realizadas no sistema agroindustrial de café no Brasil, que tiveram o objetivo de agregar valor ao produto, com base em uma economia sustentável. O resultado foi o livro Estratégias de diferenciação e apropriação da quase-renda na agricultura: a produção de pequena escala, que acaba de ser lançado.
De acordo com a autora, Maria Sylvia Macchione Saes, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), a preocupação com a qualidade do alimento e com a sustentabilidade socioambiental se traduz em diversas maneiras possíveis de diferenciação na produção rural. Essa é uma das principais discussões levantadas pelo livro, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.
– O objetivo da obra é discutir como o produtor de pequena escala cria estratégias factíveis e sustentáveis que possibilitem reverter a queda de sua renda com a atividade agrícola – disse a autora.
A questão da queda de renda do setor agrícola, segundo ela, não é problema exclusivo dos produtores de países pobres.
– A análise sobre a queda da renda na agricultura não se centra na dicotomia entre países pobres e ricos, que são faces distintas do mesmo fenômeno com que se depara a economia do século 21, mas no âmbito das cadeias agroindustriais – apontou.
O livro é resultado de sua tese de livre-docência. Atualmente, Maria Sylvia coordena a pesquisa intitulada “Comportamentos oportunistas em negociações envolvendo investimentos específicos: um estudo com metodologia experimental”, apoiada pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
– Enquanto nas etapas posteriores (indústria e varejo) da cadeia produtiva há uma tendência à sofisticação e à diferenciação, no segmento rural os produtos agrícolas permanecem, de forma geral, como commodities, cujas características são baixas barreiras à entrada e forte concorrência-preço – disse ela.
A obra é dividida em duas partes. Na primeira são abordadas quatro diferentes linhas teóricas da economia das organizações, a partir das quais são discutidos casos específicos: “análise de posicionamento”, “visão baseada nos recursos”, “economia dos custos de transação” e “teoria dos lucros de Knight”.
– Nessa primeira parte, discuto como os empresários escolhem estratégias que criam e capturam valor. A partir dessas teorias, construo um modelo e analiso casos concretos, que são experiências no sistema industrial do café – explicou Maria Sylvia.
As quatro experiências adotadas no sistema agroindustrial de café no Brasil – e analisadas no estudo, a partir do modelo proposto – foram a Cooperativa Regional de Cafeicultores Guaxupé (Cooxupé), maior cooperativa de café no mundo, a torrefadora italiana de cafés especiais Illycaffè e as experiências dos produtores de Baturité (CE) e de Poço Fundo (MG).
Segundo a economista, trata-se de experiências únicas, que tentam agregar valor ao produto, pautados em uma economia sustentável. Ou seja, caracterizam-se, entre outros fatores, pela capacidade de crescimento do consumo de produtos de origem, orgânicos e socialmente responsáveis.
– O modelo de análise mostrou que existem condições mais ou menos favoráveis para se agregar valor à produção. E essas condições vão depender da forma como os produtores se relacionam com os compradores ou do momento da cadeia produtiva– disse.
O estudo aponta que o mercado de cafés certificados como sustentáveis no cenário internacional apresenta-se com características de cartel, com incremento dos preços para os produtores. Segundo a pesquisadora, o fato de existir uma restrição de oferta proporcionada pelas regras do mercado com o Fair Traide (ou mercado justo) garante que os preços sejam melhores para os pequenos produtores.
Na avaliação de Maria Sylvia, nos primeiros casos – a cooperativa Cooxupé – os ganhos para os produtores decorrem da estratégia de escope e escala, já que o produto é vendido no mercado pelo preço dado pela bolsa de Nova York.
No caso da Illy, a estratégia é individual.
– O produtor precisa realizar investimentos específicos para produzir café de qualidade e a negociação depende da qualidade do produto, por isso a negociação é mais difícil e necessita de estratégias diferenciadas. Por isso mesmo, elas oferecem uma oportunidade maior de ganho – disse.
O trabalho destaca, entre outros pontos, que o quanto o produtor se apropria da quase-renda criada pelos investimentos específicos na relação depende da oferta de cafés especiais e da demanda das outras firmas entrantes no mercado que estão investindo no nicho de cafés especiais.
A quase renda é a diferença entre a receita bruta e os custos variáveis totais, ou custos operacionais – isto é, a capacidade do ativo de gerar efetivamente uma renda.
– Outro ponto é que a forte identificação dos produtores como fornecedores da empresa produz um relacionamento idiossincrático, cujas partes tendem a preservar a relação e facilitar a cooperação – disse ela.
AGÊNCIA FAPESP