Joinville poderia ser lembrada apenas por atributos positivos, como a dança, as flores e a força econômica. No entanto, outro tema vem ganhando destaque: a insegurança. A cidade sustenta o título de a mais violenta do Estado, marca que não foi alcançada da noite para o dia.

 

Neste especial, Caminhos para Segurança, “A Notícia” mostra a evolução dos principais crimes na cidade, explica que homicídios não são fatos isolados e que a violência não é exclusividade da periferia. Os considerados bairros nobres também estão nas estatísticas.

 

Os números são, na verdade, pessoas: o jovem que encontrou o crime, o policial que vai às ruas para combatê-lo, o promotor que investiga e o juiz que decide o destino dos presos. São também os responsáveis pelas políticas públicas, o cidadão que observa e o que teme ser a próxima vítima.

 

“AN” ouviu estas vozes e o que elas revelam é uma tensão que ultrapassa as ruas, mas parecem concordar em um ponto: o caminho para uma cidade mais segura começa muito antes da chegada do policial na ocorrência e não termina quando ele volta para casa.

TEXTO

Claudine Nunes

REVISÃO

Aldo Brasil

EDIÇÃO

Marina Andrade

IMAGEM

Maykon Lammerhirt

Salmo Duarte
Arquivo AN

DESIGN

Robson Brüning

DESENVOLVIMENTO

Gabriela Florêncio

A insegurança foi mais uma vez, a exemplo de 2015, tema de preocupação constante em Joinville. O número de mortes violentas, termômetro para medir o índice de segurança pública, é apenas um dos indicadores da criminalidade, que nasce e espalha raízes por todos os bairros da cidade

— Assaltaram o pessoal no ponto de ônibus, levaram os celulares de todo mundo. Eles chegam com arma ou colocam a faca no pescoço. Andam com revólver na cinta. Moro há 28 anos no bairro e, de cinco anos para cá, a coisa está ficando muito pesada. Em julho do ano passado, morreu meu vizinho da frente. Era um domingo. Na tarde de segunda, mataram mais um das facções, era vizinho meu. Morreu um menino de bala perdida também. A gente tem medo, nos sentimos a mercê dos bandidos.

 

O desabafo da moradora, membro do Conselho de Segurança do bairro Jardim Paraíso, Ana Maria da Silveira, simboliza o medo da população diante do crescimento da violência nos últimos anos - algo que não está restrito ao bairro, tampouco à zona Norte.  Joinville registra, em média, 11 assassinatos por mês. Se lideranças como Ana estão sempre preocupadas,  quem acompanha os acontecimentos apenas pelos jornais tem a sensação de que tudo acontece muito longe. Não é bem assim. Assassinatos não passionais, em geral, são o último estágio na escalada de crimes e boa parte envolve algum conflito ligado ao comércio de drogas - um negócio que faz vítimas, forma estrutura e se financia em vários pontos da cidade.

 

Os dados da Gerência de Estatística e Análise Criminal do Estado (GEAC/DINI/SSP/SC) em 2016 mostram uma atuação abrangente dos criminosos, inclusive em bairros tidos como tradicionais e de poder aquisitivo acima da média. Nos primeiros sete meses do ano, o Centro de Joinville liderava o tráfico de drogas, ao lado do bairro Paranaguamirim, na zona Sul. Ambos registraram o mesmo número de ocorrências: 38.

 

No índice de furtos (quando algo é levado sem contato entre bandido e vítima), o América  chegou ao mês de novembro no topo da lista, seguido do Centro. O terceiro lugar com mais furtos é o bairro Anita Garibaldi. O campeão em roubo de veículos (quando há contato entre bandido e vítima para levar o carro) foi o Costa e Silva, seguido do bairro Floresta.

 

As consequências para as vítimas vão do prejuízo material e trauma, até a perda da vida, como ocorreu com José Francisco Militão Pacheco, o dono da padaria no bairro Jardim Paraíso que morreu durante um assalto ao estabelecimento em julho do ano passado. Esse tipo de crime chocante é classificado como latrocínio (roubo seguido de morte). Os dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SC) confirmam o que as autoridades já diziam sobre ele: a prática é pontual e estável em Joinville.

 

Outro crime de grande impacto para as vítimas é o sequestro relâmpago. São poucos os casos do tipo registrados oficialmente até agora na cidade, mas eles estão crescendo.  Entre 1º de janeiro e 13 de outubro de 2016, foram nove casos, número igual à soma dos registros de 2014 e 2015.

 

A dinâmica

 

Crimes menores alimentam os crimes maiores. A mercadoria do furto pode acabar no mercado de receptação, que ajuda a financiar o crime organizado. Na maioria das vezes, a motivação de quem furta é a necessidade de sustentar um vício, como o uso de drogas, ou o desejo de consumo: comprar um tênis de marca, por exemplo. O roubo, por outro lado, provavelmente tem ligação com o crime organizado.

 

Segundo especialistas, o criminoso se arrisca mais para conseguir cifras maiores porque precisa quitar dívida com traficante e com isso salvar a própria vida, ou se capitalizar. E a mesma população que sofre com o crime corre o risco de ajudá-lo quando tenta fazer um “bom negócio”.

 

- Não existe milagre, produto vendido muito barato, sem nota fiscal e por alguém desconhecido, obviamente não tem origem lícita - avisa o promotor Ricardo Paladino, titular da 1ª Promotoria do Ministério Público.

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Pessoas com motivações variadas se tornam dependentes de drogas ou burlam a lei. Mas são os sem vínculos emocionais, sem estrutura de suporte, os mais desejados pelos recrutadores do crime. O relato* deste joinvilense de 23 anos conta uma trajetória comum à de outros jovens

Quebrar o círculo vicioso do crime exige integração. Ações isoladas da polícia, do município, do Estado ou de entidades sociais amenizam,
mas são armas mais fracas quando separadas

– Em Joinville, os jovens fazem fila para serem recrutados pelo crime – alerta o gerente de segurança pública da Secretaria de Proteção Civil e Segurança Pública (Seprot), Marcos Antônio Lombardi.

 

O interesse que Lombardi constata é ainda mais espantoso pelo fato de que os jovens parecem não se importar com os riscos. O resultado está nas estatísticas. Cerca de 550 pessoas morreram nos últimos cinco anos em Joinville vítimas de homicídio. Profissionais que lidam com o assunto identificam um perfil basicamente de jovens, com até 25 anos de idade, aproximadamente. Muitas vezes, eles acabam morrendo por ficar devendo ao traficante ou se envolver em brigas de gangues. De acordo com a defensora pública de Joinville Fernanda Menezes, bandido não fica velho: ou morre ou sai do crime.

 

– Ao conter o número de homicídios, estamos deixando de perder uma parte dessa geração – afirma o delegado regional Akira Sato.

 

Esta é a parte que cabe às equipes de segurança. Mas o desafio começa muito antes. O prefeito Udo Döhler diz que melhorar as condições de vida das comunidades impacta positivamente nos jovens e na segurança. A designação da Guarda Municipal para atuar nas escolas e impedir o acesso do traficante aos alunos é um exemplo, embora o prefeito veja ser preciso aumentar o efetivo e expandir a atuação para locais como as praças.

 

– O combate ao crime cabe ao Estado, cuidar da segurança é competência do município – diz Udo Döhler.

 

Para o prefeito, não é uma ação isolada que fará a diferença, mas o conjunto de ações: melhorar a iluminação pública nos bairros; ter turno pleno nas escolas – em que as crianças fazem atividades no contraturno; ampliar o número de crianças beneficiadas com o Programa de Iniciação Esportiva; e abrir vagas nas creches.

 

O psicólogo da Seprot, José Carlos de Camargo, está acostumado a trabalhar com jovens em situação de vulnerabilidade. Ele diz que existem na cidade cerca de 40 programas promovidos por diferentes entidades que tentam ajudar famílias e dependentes químicos. No entanto, diz que não há articulação entre os trabalhos ou estatística sobre os resultados. Falta integração.

 

– Droga não é a causa do crime, não é causa e feito, ela faz parte do contexto do crime. Muitos experimentam, mas só fica quem é vulnerável, desestruturado emocionalmente. A personalidade se dá com a estrutura familiar. A unidade cuidadora é a primeira a construir o caráter, a personalidade do indivíduo. A pobreza também não é o cerne. Há pessoas de classe alta no crime. O que há é a desagregação dos ambientes – analisa o psicólogo da Seprot.

 

 

Segundo a ONU, taxa de assassinatos em Joinville é classificada como endêmica. No ano passado, apesar do recorde de assassinatos, o crescimento do número de assassinatos foi freado. Mas é necessário derrubar a estatística para coibir os bandidos

Em 2016, Joinville registrou, segundo levantamento do “AN”, 127 homicídios. Para entender a grandeza do número, a referência é o índice internacional de segurança pública da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele leva em conta um único tipo de crime, o homicídio, contabilizado em grupo de 100 mil habitantes. Para a ONU, quando a taxa é de até dez assassinatos a cada 100 mil habitantes, o cenário é considerado de normalidade; entre dez e 20, é classificado como problema. Acima de 20, considera-se endêmico.

 

O caráter endêmico, o mais grave para a ONU, é o que representa a realidade do Brasil e, desde 2015, a de Joinville. No País, a média é de aproximadamente 29 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Nos últimos cinco anos, a taxa de Joinville oscilava entre dez e 20. Em 2015, a luz amarela acendeu quando o município quebrou a barreira dos 20 homicídios por 100 mil habitantes (chegando a quase 23, incluindo-se os latrocínios). As equipes de segurança tomaram uma série de medidas. Em novembro de 2016, a taxa estava em aproximadamente 21 homicídios, bem acima da média catarinense, que era de 12,4 homicídios/100 mil habitantes no final do ano.

 

Em Joinville, o empate técnico com o ano de 2015 não significa que os esforços não surtiram efeito. As ações reduziram a velocidade com que a violência vinha crescendo. Os dados da SSP-SC mostram que, desde 2013, o crescimento anual de homicídios ficava acima de 27% (incluindo latrocínio e mortes em decorrência da ação da polícia). Em 2016, até novembro, o aumento foi inferior a 10%, na comparação com igual período do ano anterior.

 

– A perspectiva, se nada fosse feito, seria chegar a 200 homicídios em 2016, o maior número da história de Santa Catarina – destaca o delegado regional da Polícia Civil em Joinville, Laurito Akira Sato.

 

Ele ressalta que, além da instalação da delegacia de homicídios, houve uma força-tarefa da Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Joinville, Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e Polícia Militar, com foco nas facções criminosas, em relação a homicídios, tráfico de drogas e armas.

 

– Mais de cem lideranças de facções criminosas foram presas. Buscamos a repressão financeira das organizações. Houve mudanças na rotina de trabalho das delegacias, com os crimes mais violentos investigados por unidades especializadas. Aumentamos a capacidade investigativa – complementa.

 

O secretário de Segurança Pública, César Augusto Grubba, classifica a situação como estabilizada. Segundo ele, casos graves e de grande repercussão foram esclarecidos e concluídos. O combate ao tráfico de drogas está sendo forte e as investigações criminais estão mais ágeis.

 

– Os resultados visando à estabilização já começam a ser observados – explica.

 

Por que Joinville?

 

Em Santa Catarina, 181 cidades não tinham sequer um único registro de homicídio até o início de agosto do ano passado. A violência não é um problema para mais de 60% do Estado. Entre aquelas cidades onde há ocorrências, 13 apresentam mais de dez casos no período. É nesse grupo que Joinville se encontra. E por que a cidade faz parte do seleto grupo mais violento do Estado?

 

Para o prefeito Udo Döhler, Joinville é uma cidade rica e atrai contraventor. O delegado regional Akira Sato segue raciocínio semelhante. Ele destaca que o município é estratégico pelo porte financeiro e social, é um polo industrial e está localizado próximo de regiões onde há ação de facções.

 

– A tendência é de que as facções continuem vindo, por isso a busca pela repressão permanente. Não queremos só estagnar os números, mas baixar a estatística, derrubá-la, para conseguir atender às demandas e administrar a evolução das facções – diz Akira.

 

Prisão domiciliar e reincidência são combustíveis da discórdia entre autoridades ligadas à segurança pública. Influência da estrutura e
das leis aquecem a discussão

A tensão na área da segurança não está restrita às ruas de Joinville. Pelo menos duas situações motivam controvérsia entre aqueles que decidem ou influenciam os rumos do setor: quando conceder a prisão domiciliar e a reincidência no crime – o número de vezes que a mesma pessoa é presa intriga aqueles que trabalham nas ruas.

 

– De todos aqueles que o 8º Batalhão conduziu para a delegacia em 2016, até agosto, 26% tinham de seis a dez passagens pela polícia; 20%, de 11 a 20 passagens; 9% tinham mais de 20 passagens. Ou seja, 55% tinham diversas passagens. Destes, 19% permaneciam presos. Já chegamos ao cúmulo de esperar o cara chegar em casa com o produto do roubo. O nosso pessoal ficou aguardando por ele e quando chegou, disse: “Opa, e aí...” – conta o comandante do 8º BPM de Joinville, Jofrey da Silva.

 

Já a progressão para a prisão domiciliar tem sido contestada pelo Ministério Público (MP), que repetidamente questiona decisões tomadas pela Vara de Execução Penal. Do dia 7 de janeiro ao dia 19 de outubro de 2016, a 16ª Promotoria de Justiça de Joinville entrou com 151 recursos contra decisões do juiz João Marcos Buch, todas relacionadas a prisões domiciliares concedidas aos presos do regime semiaberto. Segundo o promotor Wagner Pires Kuroda, em todos os recursos, os desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) se posicionaram no mesmo sentido do MP.

 

– A banalização das prisões domiciliares e a soltura indiscriminada de apenados que deveriam estar sendo mantidos presos contribuem, decisivamente, para o aumento da criminalidade em Joinville e região – diz o promotor Kuroda.

 

Quando a matéria chega ao Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, já houve caso de reversão, mantendo decisões tomadas pela 3ª Vara Criminal de Joinville, atesta a defensora pública Fernanda Menezes. Ou seja, o assunto é polêmico nos tribunais e não tem data para acabar.

 

O ponto central da discussão diz respeito ao local mais adequado para o cumprimento da pena do regime semiaberto, na ausência de colônia agrícola, industrial ou similar. Em Santa Catarina, a colônia só existe em Palhoça, na Grande Florianópolis. No restante de SC, há locais dentro das penitenciárias destinados aos presos do regime semiaberto. Para o Estado, as vagas nas penitenciárias atendem às exigências legais; para o juiz de execução penal de Joinville, não. Buch reivindica a instalação da colônia, porém, não há qualquer sinalização do governo de que será atendido.

 

Segundo a defensora pública Fernanda Menezes, o local para o regime semiaberto deve oferecer trabalho, estudo e liberdade vigiada, com condições de segurança não tão rígidas quanto no regime fechado. Segundo ela, o juiz de execução penal fez inspeção e constatou que a Penitenciária Industrial de Joinville não atende aos requisitos e 77 dos 156 presos do regime semiaberto não estavam trabalhando.

 

– A lei foi feita para ser interpretada. Há profissionais que o fazem no sentido de proteger a população e há pessoas que interpretam a lei no sentido de proteger quem cometeu o crime. Há um diferencial de tratamento que nenhuma mudança de lei vai corrigir. Entendo como absurda a ideia de colocar presos no regime semiaberto em prisão domiciliar porque ninguém fiscaliza o que fazem na rua, vão sem tornozeleira eletrônica – diz o promotor Ricardo Paladino.

 

O juiz de execução penal João Marcos Buch ocupa posto de destaque nas discussões sobre o destino dos presos em Joinville. Cabe a ele decidir como a pena será executada – sentença que pode, e muitas vezes é, contestada. Buch preferiu não comentar diretamente as contestações do MP, alegando questões éticas. Mas seu argumento sobre a prisão domiciliar está no estudo feito pela 3ª Vara Criminal entre maio de 2014 e de 2016, com os 290 apenados do semiaberto. O documento aponta que a média nacional de retorno à prisão em razão de fato novo é superior a 70%. Em Joinville, segundo o estudo, a média é inferior a 10% entre aqueles em prisão domiciliar para trabalho.

 

As leis favorecem o aumento da violência?

João Marcos Buch – Não vejo como um problema da lei, mas como enfraquecimento das instituições. Isso resulta das pessoas não estarem mais vendo o Estado presente. Em um ambiente pobre, junto com o posto policial deve haver um de saúde, espaço cultural e desportivo, políticas públicas educacionais, de saneamento, habitação, de primeiro emprego para os jovens. Teremos a diminuição da violência se tivermos essa consciência e não simplesmente dizendo que as leis são falhas. A Constituição não é falha.

 

Em 2016, entidades empresariais e lideranças comunitárias reivindicaram mais policiais. Este é o caminho?

Buch – Estou aqui há 15 anos e reconheço que o efetivo da Polícia Militar diminuiu. Isso não pode acontecer. Se o efetivo da PM diminui, o da segurança privada aumenta e há uma inversão de papéis. Mas não podemos acreditar que a violência será evitada e diminuída só pelo reforço das instituições de segurança pública. Não adianta falar em aumento do efetivo ou câmera de monitoramento sem falar em abordagem para essa juventude que está sendo seduzida por um caminho fácil de ascensão social através do tráfico de drogas que vai levar à morte.

 

Tenho ouvido críticas de que o policial prende e o juiz solta. O que está acontecendo?

Buch – A Constituição prevê como princípio o status de liberdade, de que alguém só pode ser preso após a condenação, através de uma sentença judicial. Só devem ser mantidas presas, excepcionalmente antes do julgamento, pessoas que trazem risco à vida de outro. Alguém que comete assalto à mão armada coloca em risco a vida. Em pequenos furtos a pena prevista não é de prisão, é alternativa, de prestação de serviço à comunidade. Então, por que manter uma pessoa presa se a pena não será a prisão? Existem centenas de mandados de prisão expedidos pela Justiça após o julgamento e condenação que precisam ser cumpridos – ali, sim, a Justiça diz que tem que prender – e não são cumpridos porque não há efetivo da polícia suficiente.

 

A reincidência ocorre pela certeza de impunidade?

Buch – Vejo exatamente o contrário. Se uma pessoa é presa e solta, presa e solta, significa que a prisão não contribui para a prevenção à violência, muito menos para reeducação. Quem arromba uma loja e leva um computador, se ficar seis meses preso, quando voltar à liberdade reincide de forma até mais violenta porque é cooptada por facções criminosas na prisão. Quanto menos o jovem ficar no sistema prisional, menos será contaminado. Temos que compreender que, às vezes, uma pessoa que vai presa duas, quatro, cinco vezes, por furto, por tráfico de drogas, é o resultado de uma política de ausência do Estado. O caminho talvez seja avaliar a vida dessa pessoa e ver através de outros instrumentos públicos de inclusão, de secretarias de assistência social, de saúde e de educação, uma nova abordagem que não apenas a pena. Nosso País está com 600 mil pessoas presas para 300 mil vagas, é o quarto país mais encarcerador do mundo. Temos a perspectiva de chegar em 2020 com 1 milhão de pessoas presas. Nos últimos dez anos, aumentou vertiginosamente o número de pessoas presas e não diminuiu o índice de violência.

 

E os casos de homicídio?

Buch – As pessoas precisam se colocar no lugar de outras, pois uma hora isso vai atingi-las. Entender o que leva alguém a pegar uma arma e apontá-la para a cabeça do outro. Esse ciclo não começou ali. Foi um processo histórico dessa pessoa, da sociedade, das instituições que falharam. É ilegal e tem que responder pelo crime. Mas temos que perceber antes, para saber como fazer para que não ocorra mais. Entendimento é a palavra-chave para demandar do Estado respostas mais lógicas, não só o mero comparecimento da polícia.

Os caminhos para segurança em Joinville não são simples, tampouco mudarão a situação da noite para o dia. Confira o que dizem
algumas lideranças da cidade

Tenente-coronel

Hélio César Puttkammer,

comandante do 17º BPM

 

No ano passado realizamos mais de 3 mil prisões e este número reflete o compromisso da PM de tentar preservar a segurança. Mas não adianta simplesmente prender se não tivermos uma maneira de reforçar a educação das pessoas e tratar quem é dependente químico, pois não estaremos atacando a raiz do problema. O ciclo não será interrompido. É preciso investir na educação de base, nas crianças, nos jovens. O ensino deve despertar sonhos, o desejo de seguir alguma carreira. O jovem não pode ficar de mente vazia, sem saber o que fazer da vida, pois se tornará uma presa fácil. Temos que ter um conjunto de instituições interagindo na segurança pública, uma investigação de boa qualidade na Polícia Civil, operações ostensivas da PM – o aspecto visual é importante – um Judiciário condenando e um sistema prisional que promova a reeducação. Não reeducar o preso é um grande problema. Amanhã ou depois, ele voltará para a sociedade, não há pena perpétua.

 

Fernando Krelling,

presidente da Câmara de Vereadores

 

A Fundação de Esportes fez algumas pesquisas em bairros de maior vulnerabilidade social e o índice de criminalidade de 12 a 14 anos teve uma redução de quase 80%, em quatro anos, por causa do esporte. Ninguém começa a roubar com 18 anos. Começa quando rouba o boné do amigo na escola, a bicicleta. Temos que atacar pela prevenção.

Tentente–coronel

Jofrey Santos da Silva

comandante do 8º BPM

 

Temos uma torneira aberta, uma torneira social. Se as pessoas enxergam a questão da segurança apenas pelo combate da polícia, daqui a pouco todo mundo vai ter que ser policial ou ter um policial na frente de casa, porque só o policial seria a causa do medo ou da mudança de ímpeto de quem quer burlar a lei. Para haver o crime, é preciso três fatores: um agente, uma vítima e um ambiente favorável. Se faltar qualquer um, não há crime. Mas temos ambientes não favoráveis, não muito iluminados ou com buraco na rua, e até isso atrapalha, se alguém parar pode ser acometido pelo crime. E as pessoas querem melhorar a segurança delas apenas retirando o agente. Cada conselho de segurança tem um policial participando, e o que vemos é que no decorrer do ano as pessoas se afastam dos conselhos.

Promotor Ricardo Paladino

responsável por receber inquéritos

policiais dos crimes contra a vida

 

Pensar em acabar com facções criminosas é o mesmo que pensar em acabar com o tráfico de drogas, algo que nunca aconteceu e não acredito que um dia vá acontecer. Eu acredito que as instituições públicas têm que lutar para coibir a atuação da organização criminosa, do tráfico e outro crimes, enfraquecendo, investigando, prendendo e apreendendo bens.  A criminalidade de Joinville está crescendo e continuará a crescer porque temos deficiências crônicas na área de segurança pública.

 

Akira Sato

delegado regional da

Polícia Civil de Joinville

 

A Constituição diz que segurança pública é dever do Estado, mas obrigação de todos. É sua, minha, do morador, todos podem colaborar pelo disque-denúncia, e o número de ligações vem aumentando.

José Olímpio

presidente da Associação dos Conselhos de Segurança de Joinville (Aconseg)

 

Os jovens precisam ter oportunidade de fazer atividades, cursos, esporte, lazer, desenvolver o sentimento comunitário. Já foi constatado que em cidades onde há espírito comunitário, a violência é menor. Os jovens sentem tédio, falta perspectiva a eles, e isso é terreno para o vício.

 

Áurea Luzia Leite

coordenadora do conselho pastoral da igreja e moradora do bairro Aventureiro

 

Nos arredores de casa vemos as coisas acontecendo. Crianças que vimos crescer hoje estão nas ruas e não seguiram bom caminho. No meu trabalho, tenho que carregar o caminhão à noite e vejo sempre grupos de pessoas bem jovens na rua. A população tem que se unir em prol da paz. A morte do Militão (que morreu durante um assalto em julho de 2016

no Jardim Paraíso) tem que servir para a sociedade se unir e fazer o bem. Perder um filho para Deus é uma coisa, mas perder o filho para o mundo é muito triste.