Um outro mundo é possível?
Gilberto da Cruz Oliveira, médico

     Nos últimos dias reuniram-se em Porto Alegre e em Nova York dois grupos antagônicos. Se não antagônicos, pelo menos diametralmente opostos na concepção de gerenciamento do mundo. Entenda-se esse gerenciamento como a forma de eleger e administrar políticas de desenvolvimento compatíveis com a resolução dos principais problemas vivenciais dos povos.

     Durante a maior parte do século que passou vivemos a dicotomia do mundo capitalista versus mundo comunista. De um lado, o dinheiro como mola mestra do desenvolvimento, onde, em tese, a competência seria premiada com o aquinhoamento de mais e mais valores tornando mais importantes os indivíduos que fossem mais capazes de acumular fortunas. De outro, uma concepção teoricamente igualitária, onde tudo pertenceria a todos por igual. Teórica e utópica.

     A História nos mostra que, em nome dessa busca da fortuna, se procederam as mais brutais atitudes, tanto de esperteza comercial, contábil e fiscal, como de rapinagem, na mais correta das acepções da palavra. Exemplos encontram-se aos montes nos noticiários das páginas econômicas e policiais dos principais jornais do planeta. E do outro lado, o mundo comunista resultante da revolução russa de 1917 perdeu-se na incompetência de seus dirigentes e na criação de uma casta diretiva que levou à bancarrota o sonho da divisão igualitária dos bens de capital.

     Porém, devemos entender (e a partir desses exemplos, mais ainda) que a humanidade transcende a questões políticas de hegemonia financeira ou político-institucional. O que temos no mundo de hoje é uma infinidade de conflitos de níveis étnicos, religiosos, econômico-financeiros e de sobrevivência. E aí é que devemos nos debruçar na busca da resolução desses conflitos.

     Não é possível que alguém, em nome de um mandado divino (seja lá o que isso a essa pessoa signifique), destrua vidas (principalmente inocentes) e patrimônios alheios e que isso possa ser para ele uma forma de agradar ao seu deus. Afinal, se todos consideramos a existência de um deus como um ser superior, esse ente especial não pode ser igual a nós, meros mortais, que podemos sucumbir a sentimentos de vingança ou de ódio. E também não é possível que, na busca de alguém que vilipendiou nossa casa, destruamos a casa do vizinho e toda a sua dignidade pela simples suposição que o tal agressor lá esteja escondido. A menos que estejamos usando essa suspeita como forma de rapinar algo que o vizinho tenha e que nos pareça importante. Nesse caso, seremos tão covardes quanto o que nos agrediu.

    Ao longo dos milhões e milhões de anos em que a Humanidade povoou a Terra, surgiram povos de cores, raças e nações diferentes, com afinidades culturais e religiosas regionais. João Carlos de Paixão Cortes, um folclorista famoso no nosso meio, dizia no início de seus programas de rádio: "Nada mais universal que o folclore, nada mais regional que o folclore..." Isso quer significar que os povos não são tão diferentes como queiramos que sejam e, portanto, somos todos uma mescla de seres vivos com afetos iguais, ânsias iguais, enfim vidas iguais, com início, meio e fim mais ou menos parecidos. Por que estabelecer as diferenças e destruirmo-nos por causa delas?

    Nesse sentido, um Fórum Social Mundial, como o que vem ocorrendo anualmente em nossa cidade, se reveste de importância enorme. Afinal, o que é o social se não a divisão igualitária de oportunidade de crescimento para indivíduos diferentes? Reconhecer essas diferenças e estabelecer a melhor forma de aproximá-las de um modelo único e plenamente divisível, quem sabe talvez seja o grande desafio que devemos encontrar para a solução dos problemas do mundo! Para isso, no entanto, teremos de buscar lá bem dentro de nós, onde está escondido o sentido do amor e da tolerância.