Entrevista: Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz em 1992
" Há um silêncio total sobre os povos indígenas no Brasil"
  RODRIGO LOPES
     A denúncia parte da guatemalteca Rigoberta Menchú Tum, Prêmio Nobel da Paz em 1992 por sua luta pelos direitos indígenas na América Central. Ativista dos direitos humanos, Rigoberta, 42 anos, teve a mãe, o pai e um irmão mortos na luta contra o poder militar na Guatemala durante 40 anos de guerra civil.
Em 1998, um escândalo afetou sua imagem e levou críticos a contestarem o prêmio. O antropólogo americano David Stoll e uma reportagem do jornal The New York Times, baseada em suas revelações, imputaram ao livro Eu, Rigoberta Menchú, de 1983, exageros, invenções e mentiras na tragédia que abalou sua família. A líder indígena, porém, reafirma a autenticidade de suas memórias.
Convidada de honra do Fórum Social Mundial, Rigoberta chegou a Porto Alegre no sábado para participar da conferência Um plano de paz para a Colômbia, ontem à tarde, na PUCRS. Pela manhã, em entrevista a Zero Hora no hotel Plaza São Rafael, a guatemalteca não poupou críticas à política do governo brasileiro para os indígenas.

Zero Hora - Como os indígenas podem se integrar ao processo de globalização?
     Rigoberta Menchú - Integrar-se a um processo de globalização é um conceito que tem sido ditado pelos bancos, especialmente o Banco Mundial (Bird). Eles pensam que não há outro caminho. Dizem: ou se integrem ou se integrem. É uma visão muito arrogante. Temos lutado nos últimos 20 anos nas Nações Unidas para elaborar e propor um projeto de declaração universal sobre os direitos indígenas. É preciso instrumentos, órgãos adequados que compreendam o direito de livre determinaoção dos povos, como é o caso dos indígenas.

ZH - O que a senhora sabe sobre a luta dos indígenas no sul do Brasil?
     Rigoberta - Abordamos o Brasil como um continente a mais, apesar deste grande país fazer parte da América Latina. A referência de luta que temos é, em primeiro lugar, o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do PT e de Lula. Isso é Brasil para nós. Neste país, no entanto, não se conseguiu projetar a luta dos povos indígenas.

ZH - Em 1994, quando esteve no Brasil, a senhora fez críticas contundentes às políticas do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito dos sem-terra. Alguma coisa mudou desde então?
     Rigoberta - Falar dos sem-terra no Brasil é falar de uma altíssima porcentagem da população que sofre de extrema pobreza e fome. A luta dos sem-terra é algo que descreve bem o Brasil. Em nossas escritórios temos recebido muitas denúncias.

ZH - Alguma denúncia parte do Rio Grande do Sul?
     Rigoberta - Do Sul, não estou certa. Mas há uma grande quantidade, tanto de grupos de mulheres, quanto de populações afetadas por vários abusos. O Brasil é um país onde a desigualdade é profundamente visível. Há sem-teto, sem-terra, sem nada. As crianças nas ruas e as favelas seguem sendo uma ferida profunda, permanente, do Brasil.

ZH - Que tipo de denúncias provenientes do Brasil chegam a seu escritório?
     Rigoberta - Muito abandono, pobreza e miséria. Há um silêncio total do governo sobre os indígenas no Brasil e este é um método de genocídio. O governo não quer que os dirigentes indígenas participem de nenhum fórum internacional. É o país que mais tem freado o reconhecimento dos direitos indígenas na comunidade internacional.

ZH - Como a senhora enfrentou a contestação de alguns críticos ao seu prêmio?
     Rigoberta - O Prêmio Nobel é uma medalha e um diploma. Recebi 23 diplomas nestes 15 anos. Se pudesse vender meu diploma para construir uma escola seria muito mais útil. Temos 10 anos de Prêmio Nobel. Neste período, lutamos muito. Tenho autoridade moral para criticar e opinar, porque não devo nada a ninguém.

ZH - Quem estava por trás das críticas a seu livro?
      Rigoberta - Sempre tive consciência de que a CIA (a agência de inteligência americana) estava por trás. Havíamos começado a trazer a público os resultados do genocídio na Guatemala. O relatório da Igreja Católica reconhecia a existência de cerca de 200 mil vítimas na Guatemala. Havíamos contabilizado cerca de 50 mil desaparecidos no país. Na ocasião, também estava para ser publicado o relatório da ONU, que contabiliza 646 massacres em comunidades indígenas e 440 aldeias destruídas. Estávamos a ponto de publicar o informe. Eles pensavam que era importante desfigurar minha imagem. Eles falharam. Não precisam acreditar em mim, mas nos relatórios da ONU.