A guerra para lado nenhum, de Adolfo Pérez Esquivel,
Prêmio Nobel da Paz de 1980"

O Prêmio Nobel da Paz de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, cobra das
Nações Unidas um papel mais firme na luta por um mundo mais pacífico

     "O mundo não sabe onde está sua casa", diz Luca, três anos, enquanto olha um mapa, ou poderia estar olhando um jornal, diz Eduardo Galeano. Teríamos que nos questionar e contestar a inquietude do menino, se realmente sabemos "onde está nossa casa", porque é lá que estão destruindo as coisas em nome da soberba do poder e da intolerância. No dia 11 de setembro, o mundo se sentiu sacudido e indefeso pelos atentados terroristas em Nova York e Washington. Os fundamentalistas buscaram justificativas para a violência, alguns declararam uma "guerra santa", outros afirmaram que se tratava de uma "guerra do bem contra o mal", disseram "ou estão do nosso lado ou estão com os terroristas", uma nova cruzada imporia a "justiça infinita".

     O império norte-americano se tornou vulnerável, o medo se disseminou pelas ruas e cidades. Muitos não entenderam a agressão. Ignoravam a política internacional de sucessivos governos dos Estados Unidos, as guerras e os conflitos que se desenrolavam em outras partes do mundo. A surpresa e a indignação se refletiam nos rostos e nas atitudes da população, no medo dos muçulmanos e dos imigrantes de diversos países. O atentado tivera como vítimas milhares de pessoas inocentes de 82 países.
Chegou-se a um ponto de inflexão nas relações internacionais. As Nações Unidas foram excluídas do campo das decisões. Só atinaram em apoiar as iniciativas dos Estados Unidos.

    Os meios de comunicação pareciam sofrer a psicose da guerra. Não existia outro caminho. Era preciso agir e responder ao terrorismo com mais terrorismo, colocando em funcionamento a grande máquina bélica, exibindo o poder da grande potência e de seu principal aliado, a Grã-Bretanha.

      Rapidamente conseguiram impor o "pensamento único", a suspensão das consciências, o inevitável, a guerra como único caminho. Qualquer outra alternativa simplesmente não contava. A paz era uma utopia irrealizável. Os estudantes de maio de 1968, na França, falavam algo importante, que hoje deveríamos recuperar:

      - Sejamos realistas - diziam. - Peçamos o impossível.

       Assim pensam vários Prêmios Nobel da Paz, que decidiram agir diante da situação em que se encontra a humanidade. Nos reunimos em Nova York a partir de 7 de outubro - Mairead Corrigan Maguire, da Irlanda do Norte, Rigoberta Menchú, da Guatemala, e eu - para participar, ao lado de movimentos de paz, organizações sociais, veteranos da Guerra do Vietnã e comunidades ecumênicas religiosas, da marcha organizada para evitar a guerra. Logo anunciou-se que Estados Undios e Grã-Bretanha haviam começado o ataque ao Afeganistão. Jogavam bombas e alimentos sobre Cabul. É a grande hipocrisia de todas as guerras.

     A FAO (órgão das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) anunciou que naquele mesmo 11 de setembro morreram no mundo 35.615 crianças vítimas da fome. Nenhum governo, nem sequer a ONU, a Unicef ou os meios de comunicação se comoveram ou protestaram. A bomba silenciosa da fome é silenciosa para as consciências suspensas do pensamento único. As 500 mil crianças mortas no Iraque pelo bloqueio dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha não são notícia, não se registram nas consciências.

     Os Prêmios Nobel da Paz se encontraram com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, com os presidentes do Conselho de Segurança e com o presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas. Esses fizeram referência ao artigo 51 dos estatutos da ONU, segundo o qual um país atacado por outro tem direito a réplica. Situação que não se dava na prática.

     Nenhum tipo de terrorismo é justificável, venha de quem vier. Através do tempo, a ONU evoluiu e fixou códigos de conduta entre as nações, como os pactos, os protocolos, as convenções, as declarações, que constituem o Tribunal Penal Internacional, que os Estados Unidos se negam a ratificar e que até agora não se pôde colocar em vigência porque não se completa o número de países necessário para a ratificação.

     Falamos ao secretário-geral das Nações Unidas sobre a necessidade de combater o terrorismo e fundamentalmente transformar as políticas internacionais de desigualdade e injustiça, que geram a violência social e estrutural.

     Mais de 54 conflitos e guerras afetam hoje toda a humanidade. São necessárias transformações e soluções profundas no Oriente Médio. É preciso levantar o bloqueio ao Iraque e a Cuba.

     A Assembléia Geral da ONU deve ser o órgão das decisões e não o Conselho de Segurança, uma estrutura nada democrática e sujeita aos países mais poderosos, que, segundo seus interesses, impõem o veto às resoluções que os afetam.

     É preciso que a ONU assuma um papel mais claro e definidor nos problemas internacionais, como constituir um âmbito de análise e solução dos confilitos que a humanidade enfrenta hoje, preservando a paz como direito fundamental dos povos. Para tanto, é necessário desenvolver o "pensamento próprio" como bem de todos, superando os mecanismos de dominação e exclusão social, como a dívida externa dos países pobres, que gera, entre outras coisas, a bomba silenciosa da fome.

     Sabemos como começam todas as guerras, em sua marcha para frente ou para lado nenhum. Ninguém sabe como elas terminam, mas sabemos de suas conseqüências, a destruição e a morte, a perda de milhares de vidas, o sangue, a dor, as vítimas diretas e indiretas perduram por gerações, com traumas psíquicos e condições limites de vida.

     Na Argentina, como em outros países, muitos setores estão mobilizados na defesa da vida e em dizer não para a guerra e sim para a paz. A pergunta do menino está presente. Sabemos onde está nossa casa? O mundo, temos que encontrá-lo e saber compartilhá-lo como toda a humanidade. Sejamos realistas, peçamos o impossível.