O socialista bonachão, de Moisés Mendes

     Poucos conseguiriam tomar o café da manhã com Brizola, almoçar com Fernando Henrique e jantar com Lula. E tratar dos mesmos assuntos com todos eles, do futuro do socialismo às alternativas para combater a pobreza no mundo. O bonachão Mário Soares, 77 anos, estrela do Fórum de Autoridades, consegue.

     Soares tem afinidades com Brizola, como companheiro da Internacional Socialista e seu anfitrião durante parte do exílio. Admira FH, com quem concorda que a especulação financeira e o protecionismo dos países ricos passaram dos limites - até publicaram um livro, O Mundo em Português, em 1998, com um diálogo gravado no Brasil. E tem simpatia por Lula, com quem jantou há dois meses em Lisboa, num encontro solicitado pelo petista.

     Soares foi primeiro-ministro de 1976 a 1978 e de 1983 a 1985 e presidente reeleito de Portugal de 1986 a 1996. Hoje, preside a fundação que tem o seu nome e se dedica a eventos culturais, "nos domínios dos direitos humanos, da ciência política e das relações internacionais". Mas gosta mesmo é de fazer política, agora como pensador, para defender seu socialismo reciclado.

     Ontem, em entrevista coletiva, repetiu:

     - Sou socialista, sempre fui socialista, não deixarei de ser socialista. O socialismo é a grande solução para os problemas da injustiça social.

Mas que socialismo seria este?

     - Um socialismo compatível com a economia de mercado. Mas economia de mercado, sim, sociedade de mercado, não. Um socialismo com liberdade e pluralismo e que reconheça as diferenças.

Bem-humorado, só franziu a testa quando insistiram para que falasse do governo FH e de Lula. Mas consentiu sobre FH:

- Tem tido muitas dificuldades, mas é uma pessoa de convicções e de grande mérito cultural e político.

E sobre Lula:

- Ele tem hoje uma preparação incomparavelmente superior à que tinha no passado.

      Elogiou os governos do PT no Estado e na prefeitura de Porto Alegre - "uma experiência interessante, com reconhecimento no mundo inteiro" - e atacou o neoliberalismo, as multinacionais, o FMI e o Bird, que viraram as costas para a Argentina, "o terrorismo de Estado de Israel" contra os palestinos, o terrorismo islâmico e, claro, a campanha dos Estados Unidos no Afeganistão:

- A intervenção (americana no Afeganistão) foi excessiva. O tratamento aos prisioneiros afegãos está fora das regras dos direitos humanos. Não posso aceitar, como jurista, que julguem pessoas sem direito a recursos em tribunais militares, mesmo que sejam terroristas e criminosos.

Mário Soares concede a entrevista e atravessa a rua com as mãos nos bolsos. Num tempo em que os carimbos metem medo, lá vai um socialista desacanhado.