O colapso da Argentina no final
de 2001, o sofrimento de seu povo e suas manifestações
de revolta e desespero, soam como uma grave advertência
para toda a América Latina, que vem, há mais
de uma década e com poucas exceções,
adotando receitas políticas e econômicas semelhantes.
O modelo faliu. Não sobrou
nada para a retomada de um processo de recuperação,
por mais lento que seja. A Argentina não tem mais moeda,
desnacionalizou a sua produção e privatizou
toda a estrutura estatal. A estrutura produtiva do país
foi arrasada e com ela o emprego e a renda. O governo não
tem mais à sua disposição instrumentos
eficazes para governar e definir políticas. A saúde,
a educação, as estradas, as telecomunicações,
os combustíveis, a previdência, os bancos, os
transportes, tudo foi privatizado, e a economia foi completamente
subordinada aos interesses do mercado externo. Tudo vai precisar,
de alguma forma e com enormes dificuldades, ser reconstruído.
Pior, não existe, no
cenário atual, nenhuma possibilidade de recuperação
rápida, nenhum projeto viável que seja capaz
de alavancar a economia, gerando emprego e renda, no curto
ou médio prazo.
Mas mais impressionante é
a solidão da Argentina em sua crise. É incrível
como os seus parceiros de globalização agem
agora como se nada tivessem a ver com o assunto. Em busca
de impunidade, os que ontem defenderam com entusiasmo a implantação
do modelo lá e aqui no Brasil, tanto no que diz respeito
ao seu conteúdo quanto na velocidade de sua aplicação,
permanecem agora num silêncio cínico e oportunista.
Nenhum organismo financeiro internacional foi capaz de manifestar
uma posição autocrítica sobre o modelo
imposto aos argentinos e, muito menos, de propor medidas de
socorro à economia, capazes de viabilizar o país.
Foram o grande capital internacional
e as elites internas quem primeiro saquearam nossos vizinhos.
Os saques patrocinados pelo povo antes do Natal foram a resposta
desesperada de uma sociedade que paga a conta há mais
de uma década e que chegou ao seu limite de tolerância.
Quanto ao Brasil, mesmo que,
apressadamente, representantes do governo federal ou de instituições
financeiras falem em "descolamento" da situação
argentina e sublinhem as diferenças atuais da política
cambial, razão da nossa sobrevida após 1999,
em tudo mais o modelo aqui implantado é idêntico.
Desde os anos 80, em razão
da crise da dívida externa, enormes pressões
foram feitas sobre os governos da América Latina por
parte dos EUA, do FMI e dos bancos credores para forçar
a adoção desse tipo de política econômica.
O medo diante dessas chantagens, sempre um mau conselheiro
na vida política, levou a sucessivas capitulações
e, finalmente, à renúncia à autodeterminação
e à adoção do modelo neoliberal. Essa
é a razão fundamental do fracasso argentino,
só não experimentada por nós brasileiros,
em toda a sua dramaticidade e na sua gravidade, porque o governo
federal foi derrotado depois de quatro anos, em sua tentativa
de aplicar uma política de câmbio irreal. Que
o digam a agricultura e a indústria.
Não sabemos quais caminhos
a Argentina seguirá daqui para a frente. As candidaturas
à presidência surgidas até agora lembram
o passado. A falta de uma alternativa que tenha legitimidade
e vitalidade política para apontar um novo caminho
para o país parece denunciar a fadiga de uma sociedade
fraturada, primeiro, por uma ditadura militar sangrenta e,
logo depois, pelo arrasador modelo neoliberal.
Mas a maior lição
da crise argentina talvez seja a de mostrar ao mundo que não
há mais como negar uma pauta internacional que trate
de globalizar a solidariedade; que rediscuta radicalmente
a situação das dívidas externas e internas
dos países pobres e periféricos; que restabeleça
o equilíbrio nas relações comerciais
entre os povos; que garanta a soberania de todos os países
e estabeleça novas formas de financiar o desenvolvimento
humano em todas as partes do planeta. É esta a agenda
do próximo Fórum Social Mundial.
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