A melhor alternativa é
VIVER
Especialistas e pessoas que tentaram o autoextermínio garantem que a vida é a melhor opção e dão dicas de onde achar amor e esperança para seguir em frente
Por mais doloroso que seja agora, acredite: vai passar. Por mais improvável que pareça, não duvide: a vida pode e vai ficar melhor. Por menos que você queira, fale: isso pode fazer toda a diferença. Qualquer gesto de amor e esperança é capaz de salvar uma vida que sofre com uma dor lancinante na alma. Mas é preciso que quem vive um inferno particular não tenha vergonha, não se feche na escuridão da solidão e do silêncio e escolha viver. Essa, garantem especialistas e pessoas que sobreviveram a tentativas de autoextermínio, é a melhor saída: a vida.
Para cada indivíduo e para cada desespero, uma ou outra alternativa pode ser mais eficiente. O importante é não perder de vista que sempre há uma. A dona de casa Carmen Lunardi, 52 anos, agarra-se com todas as forças que lhe restam na esperança de, um dia, ter uma vida livre dos sintomas mais carrascos da depressão. E é isso que a impulsiona a acordar todos os dias e tocar a vida, após duas tentativas de suicídio – uma em 2011 e outra há dois anos:
– Pensar em um futuro longe da depressão e acreditar que eu vou conseguir ir em frente e levar uma vida normal. É isso o que me faz viver todos os dias.
Carmen descobriu a doença há cerca de 10 anos. Desde então, ela faz tratamento com psiquiatra e psicólogo. Há nove meses, ela se mudou de Triunfo para Santa Maria na companhia do marido, que sofre de transtorno bipolar. O objetivo do casal era ficar mais perto dos pais dela, que moram em Jaguari, mas sem perder o acesso a médicos e terapias. Embora ainda tenha alguma resistência a sorrir e conviva com momentos de desânimo, Carmen não desiste de viver e encontrou em um grupo de caminhada um caminho mais feliz.
– Sentia um vazio que começava pelo estômago e que se transformava em desespero e eu só conseguia pensar que o melhor mesmo era partir dessa para outra. Mas passou, e eu vi que não é assim, que não dá para desistir. Com a medicação e com a atividade física, eu estou me sentindo muito melhor, com pensamentos bons e cheia de esperança – diz Carmen.
Falar para ajudar
A mesma vontade inabalável de viver é compartilhada por Nahyma Mendes. Nascida em São Borja, ela se mudou para Santa Maria com a família aos dois anos. Aos 17, tentou o suicídio. Hoje, aos 22, ela diz que jamais desistiria novamente de viver e, mesmo sem seguir uma religião específica, acredita que a fé pode ser transformadora:
– Eu não sei dizer quando isso começou. Eu não reconhecia a doença. Só fui descobrir que era depressão depois que procurei ajuda médica. A decisão de acabar com a minha vida foi um impulso, mas eu sobrevivi e, daquele dia em diante, decidi viver. Eu tenho uma crença muito grande em Deus, e isso me ajudou muito.
Depois de quatro anos sem falar sobre o que houve naquela noite de fevereiro de 2011, Nahyma quebrou o silêncio há poucos dias, em um depoimento emocionado em uma rede social. O objetivo do desabafo foi ajudar outras pessoas. Depois de vencer a pior fase, a jovem conseguiu enxergar que o amor está sempre por perto e quer que outros que sofrem a mesma dor percebam isso também:
– Toda pessoa precisa ter em mente que há pelo menos uma criatura que a ama, que vai fazer tudo para ajudar e que vai sentir muito a falta dela. Eu me sentia sozinha e achava que ninguém se importava comigo, mas isso não é verdade. Sempre há alguém que se preocupa com a gente e que precisa de nós. O importante, quando a dor é grande, é que a pessoa busque algum sentimento que a faça ser forte e lutar por seu bem estar e sua paz. E que nunca duvide que existe o depois. Eu espero que as pessoas realmente acreditem porque é para isso que eu estou me expondo, para dizer a elas que é possível superar e que a vida pode ser diferente. A depressão não é para sempre.
A melhor escolha É VIVER
A atividade física
CONTRA A DEPRESSÃO
Caminhar por 30 minutos, com a cabeça erguida e sem pensar em problemas. Essa receita, garante o professor Marcelo Ustra Soares, pode fazer milagres na vida de uma pessoa com depressão. É por isso que, desde 1994, ele desenvolve um trabalho de combate ao transtorno mental por meio da atividade física. Vítima da doença, naquele ano ele foi convidado pela psiquiatra que o tratava a estudar o tema e, de paciente, passou a colega e pesquisador. De lá para cá, fez mestrado e doutorado na área e colocou a teoria em prática na pista de caminhada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde dá aulas.
Para participar do Programa de Apoio a Adultos com Depressão (Proaad), a pessoa precisa estar em tratamento com algum profissional da área da saúde, de preferência da saúde mental. A atividade, diz o professor, complementa a medicação e a terapia e traz benefícios imediatos:
– O remédio demora de 20 a 30 dias para fazer o efeito real e oferece equilíbrio químico, não felicidade. Já com a atividade física, em 48 horas, a pessoa já se sente melhor. A caminhada aumenta a qualidade do sono, diminui a ansiedade e libera substâncias químicas responsáveis pelo prazer e pelo bem-estar. A autoestima aumenta, e o indivíduo não se sente mais estático e ganha autoconfiança. Em pouco tempo, a mulher fica mais vaidosa, e o homem se preocupa mais com a aparência, faz a barba. Além disso, é muito barato. A pessoa só precisa ter um bom tênis e escolher um horário.
O grupo se encontra três vezes por semana e, por uma hora, percorre junto um caminho em meio à natureza. No trajeto, os participantes dão uns aos outros a convivência e o apoio necessários para seguir adiante.
– Estar em um ambiente agradável com pessoas que têm os mesmos problemas é muito benéfico. Se você não tem uma perna, e eu te convido para jogar futebol, você, provavelmente, não vai querer. Mas, se eu disser que todos no time não têm uma perna, você pode mudar de ideia. Isso porque somos seres sociais e precisamos estar em grupo. Uma turma tira o estigma da depressão. É uma maneira de vincular a pessoa à vida de novo – explica o professor.
O serviço do grupo de extensão é aberto à comunidade, gratuito e fuciona às segundas, quartas e sextas-feiras. Hoje, 10 pessoas participam das atividades e há vagas para mais 10. Interessados só precisam ir até o Centro de Educação Física de Desportes, no campus da UFSM, nos horários das atividades (das 16h às 17h). A única exigência, além do tratamento, é usar uma roupa colorida, para já começar com o astral mais elevado.
De onde vem a
LUZ NO FIM DO TÚNEL?
Quem sofre de dores emocionais, tem ideações suicidas ou mesmo atenta contra a própria vida pode encontrar a esperança necessária para seguir em frente em diferentes coisas. Uma ou mais delas, garantem os especialistas, podem fazer toda a diferença na superação e na retomada da alegria.
Não é fácil falar sobre suicídio. Muitas pessoas que entrevistei ao longo dessa série de reportagens me disseram isso. Eu sei que não é. Nunca atentei contra a minha vida, mas sou uma sobrevivente. Assim são chamados aqueles que têm algum vínculo familiar ou afetivo com alguém que se matou. Minha sobrevivência por pouco não começou antes mesmo de eu nascer. Minha avó, vítima de uma depressão severa, tentou o suicídio por diversas vezes. Morreu vítima de um acidente vascular cerebral, o que nos permitiu um convívio, ainda que breve.
Em 1999, o irmão do meu melhor amigo se matou. Éramos muito próximos, e eu tentei ajudá-lo com os recursos emocionais e a maturidade de que dispunha aos 15 anos. Em 2003, meu melhor amigo da adolescência, assim como seu irmão, sucumbiu à dor e se matou. Meu coração ficou em frangalhos. E, ainda hoje, dói.
Eu não pude ajudar minha avó e meu melhor amigo como eu gostaria de ter ajudado. Eu não tive a chance de dizer a eles que havia esperança, que havia afeto, que havia outras saídas, que eu e tantos outros os amávamos. Não pude impedir que minha avó tentasse e nem que meu amigo conseguisse.
Por isso, falar sobre suicídio com especialistas e com quem tentou se matar e teve uma segunda chance foi a forma que encontrei de ajudar outras pessoas.
O desafio, lançado por Fabiana Sparremberger, editora executiva do “Diário”, em uma reunião de pauta, foi prontamente aceito por mim. Em junho, comecei a me aprofundar no tema e a consultar as pessoas que participaram dessa construção comigo. Assim surgiram as quatro reportagens publicadas no jornal ao longo do mês de setembro. A todos, agradeço imensamente. Pelos ensinamentos e por reforçarem a certeza de que só há um caminho para prevenir o suicídio: falando sobre ele. Que venham outubro, novembro, dezembro e os próximos anos e que o inferno particular de cada um se dissipe com a informação.
CAROLINA CARVALHO
O suicídio
e EU
Por amor,
com ESPERANÇA
Enfrentar uma dor que parece nunca ter fim não é uma tarefa fácil. Viver sem o problema beira o impossível, e muitas pessoas acabam desistindo de seguir em frente e cometem o suicídio. Mas essa, definitivamente, não é a única, muito menos a melhor, alternativa. Além disso, é a única que não tem volta e que acaba com qualquer outra nova chance. Por mais que pareça não haver saída, há chaves que abrem a porta do quarto escuro da tristeza. E elas estão em diferentes lugares, todos eles bem ao alcance das nossas mãos.
– A pessoa precisa recuperar os sentidos de vida. Ela precisa de amor, de esperança. Com apoio, ela vai seguir em frente – diz o psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Centro de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre, Paulo Barbosa, voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV), acredita que muitas pessoas desistem de pedir ajuda porque têm vergonha ou medo de falar sobre o que sentem. Mas a saída, ele diz, está justamente aí: desabafar com alguém no momento de maior dor.
– É muito difícil falar sobre dúvidas, medos e inseguranças. A gente se fecha com medo de ser julgado e cobrado. Mas somos humanos. Ninguém é superherói. A pessoa pode pensar: como eu passo por essa noite de dor sem poder falar com os meus amigos? Ela não precisa passar por isso sozinha, ela pode contar com o outro. Estamos aqui para isso, para abraçar ouvindo – explica Barbosa.
O coordenador do posto do CVV em Santa Maria, Jorge Brandão, acredita que, além de falar sobre a dor, o indivíduo tem de encontrar novos motivos para seguir vivendo:
– A pessoa precisa ter objetivos de vida, sejam eles quais forem. Pode ser um trabalho voluntário ou qualquer outra coisa que a faça se sentir útil.
Tratamento e rede de apoio
O tratamento também é indispensável, acredita a psiquiatra Martha Helena Oliveira Noal, uma das responsáveis pelo Projeto Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio e integrante do Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) e da Associação de Familiares, Amigos e Bipolares:
– Se 98% dos casos de suicídio estão vinculados a uma patologia, isso significa que, se essas pessoas tivessem recebido ajuda terapêutica poderiam ter sobrevivido. Mas, para isso, é preciso que a pessoa não tenha vergonha de pedir ajuda. Se é um estado patológico, não há motivos para constrangimento.
Além disso, Martha acredita que é importante que a pessoa se insira em um espaço terapêutico como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
– É muito melhor para uma mulher que sofre de depressão ir tomar chimarrão com outras mulheres que têm depressão, em vez de ficar em casa, por exemplo. O afeto circulante e os vínculos interpessoais que se formam são importantes. A pessoa se sente pertencente ao grupo e consegue se reinserir socialmente. Oficinas também podem ajudar e fazer a pessoa se reorganizar. Em uma oficina de culinária ou de jardinagem, a pessoa produz algo. A farinha vira bolo, a semente vira flor. Ela se sente útil.
Outro aspecto importante, acredita a psiquiatra, é que se forme uma rede de apoio em torno de quem sofre de dores emocionais:
– A pessoa mesmo pode formar sua rede. Os nós são o psiquiatra, o psicólogo, um amigo que a entende, um cachorro ou um gato, um grupo de atividades, um trabalho, o CVV. O fato é que todo mundo precisa de outras pessoas para se sentir protegido.
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O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito, 24 horas por dia, pelo telefone 188
De segunda a sábado, das 7h às 23h, há voluntários no posto, que fica na rodoviária
O centro também oferece apoio por meio de um chat que pode ser acessado no site da instituição (cvv.org.br)
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